Empresas aumentam envio de recursos para o Brasil
Juro e expectativa de câmbio podem ter favorecido movimento no 3º trimestre, quando saldo chegou a US$ 10,6 bilhões
O investimento reverso – soma dos recursos que filiais no exterior enviam a suas matrizes no Brasil – retornou ao campo positivo entre julho e setembro deste ano, após cinco trimestres seguidos com um saldo negativo. Foram US$ 10,6 bilhões remetidos no período, o maior valor desde o quarto trimestre de 2016, quando entraram US$ 11,1 bilhões. A tentativa de antecipação, por parte das empresas, de incertezas eleitorais; o diferencial de juros entre o Brasil e o exterior; a perspectiva, naquele momento, de que poderia haver uma valorização do real mais à frente – o que acabou não se concretizando – e o pagamento recorde de dividendos de empresas como a Petrobras estão entre as explicações dos economistas para esse fluxo.
No geral, o investimento reverso líquido brasileiro é positivo, ou seja, há mais envio de recursos das filiais no exterior para as matrizes no Brasil do que o contrário. Desde o primeiro trimestre de 2021, no entanto, essa conta passou a ficar negativa, com as matrizes no Brasil remetendo mais dinheiro a suas filiais pelo mundo. No terceiro trimestre de 2021, o resultado líquido foi negativo em US$ 2,5 bilhões, rombo semelhante ao registrado no segundo trimestre deste ano, antes do retorno ao campo positivo. Os dados são do Banco Central.
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Eles mostram que, em 2022, o fluxo se tornou positivo de junho para julho, quando passou de um saldo negativo de US$ 255,7 milhões para um positivo em US$ 1,2 bilhão. Em agosto, avançou para US$ 3,5 bilhões e, em setembro, atingiu US$ 5,9 bilhões. O BC diz ver o movimento como um processo natural de normalização ao que ocorria antes da pandemia, mas especialistas consideram que a mudança muito abrupta de direção chama a atenção.
Parte deles acha que o movimento pode estar relacionado ao pagamento de dividendos pela Petrobras. “A situação financeira da empresa melhorou bastante nos últimos anos, e a rentabilidade foi super alta em 2022. Isso permitiu à Petrobras adotar uma política mais agressiva na distribuição de lucros”, diz Antonio Madeira, economista da MCM Consultores.
Soma-se a isso a “ajuda” que o presidente Jair Bolsonaro (PL) pediu às estatais, pressionando pela antecipação na distribuição desses dividendos, para fechar a conta dos gastos contratados durante a campanha frustrada. “Juntou a fome com a vontade de comer. Teve um encontro de interesses: a Petrobras tinha condições e o governo precisava dos recursos”, diz Madeira.
Em julho, a Petrobras anunciou pagamento recorde de R$ 87,8 bilhões em dividendos relativos ao segundo trimestre e que foram pagos nos meses de agosto e setembro. “A Petrobras tem muito caixa lá fora, ela pode ter viabilizado a operação de pagamento dos dividendos em geral com esse dinheiro”, afirma Madeira.
A petroleira já comunicou o pagamento de outros R$ 43,6 bilhões em dividendos relativos ao resultado do terceiro trimestre de 2022, que ocorrerá em dezembro e em janeiro de 2023. Assim, pode ser que o saldo positivo do investimento reverso se repita à frente, “mas acho que não na mesma proporção”, diz Madeira.
Na última sexta-feira, o Itaú Unibanco revisou sua projeção para Investimento Direto no País (IDP) – linha do balanço de pagamentos (registro de todas as transações entre residentes brasileiros e o resto do mundo) que engloba o investimento reverso – de 2,9% para 3,6% do PIB em 2022. Segundo o banco, o IDP “segue em patamar elevado, embora na margem muito influenciado pela parte de empréstimo intercompanhia da filial para matriz (provavelmente explicado pela internalização de caixa de empresas locais para pagamento de dividendos)”, afirma a equipe do banco em relatório.
Segundo Madeira, não dá para descartar também alguma contribuição do diferencial de juros entre o Brasil e o exterior na mudança recente do investimento reverso. “O juro alto aqui é um custo de oportunidade elevado para você ficar com dólar lá fora. Juro alto no Brasil é um fator que estimula repatriação de dinheiro”, afirma.
Além disso, havia uma perspectiva de apreciação do real ante o dólar naquele momento, lembra Madeira. O dólar passou de quase R$ 5,50 na segunda quinzena de julho para um patamar mais próximo de R$ 5, R$ 5,10 em agosto e meados de setembro, mas agora retornou para R$ 5,30.
Para Livio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) e sócio da consultoria BRCG, embora o diferencial de juros entre o Brasil e o exterior esteja elevado, esse era um cenário que já estava colocado. “Acho um argumento mais fraco. Foi um movimento [do investimento reverso] muito pouco usual, não observamos isso há algum tempo. É um quebra-cabeças que ainda estou juntando as peças”, afirma.
Uma possibilidade, segundo ele, é que empresas tenham antecipado a repatriação de capital diante do ciclo eleitoral. “Não pela aversão a risco, mas pela incerteza dos rumos que o debate tomaria após a eleição, tinha discussão sobre mudar tributação de dividendos. Acho uma hipótese razoável”, diz.
Como o investimento reverso está dentro da categoria de empréstimos intercompanhia, não é possível também saber qual será a destinação que as empresas darão a esse capital repatriado, observa Ribeiro. “Não necessariamente vai ter um caráter produtivo. É uma troca de fluxo financeiro, é lançado como investimento direto no país, mas tem pouco ou nada a ver com comprar uma máquina, por exemplo”, afirma.
Para o Banco Central, o resultado positivo de investimento reverso representa um retorno à dinâmica observada antes da pandemia. “No terceiro trimestre de 2022, as matrizes no Brasil voltaram a receber recursos em termos líquidos, padrão semelhante ao de anos anteriores”, disse a autoridade monetária em nota ao Valor. “No Brasil, o crédito líquido provido pelas subsidiárias no exterior às suas matrizes no país foi tradicionalmente positivo até 2020. Em 2021 e no primeiro semestre de 2022 houve uma inflexão, com as matrizes no Brasil repagando liquidamente suas subsidiárias no exterior [sinal negativo[”, frisa.
Ribeiro pondera, no entanto, que, mesmo após a entrada forte de investimento reverso neste terceiro trimestre, o empréstimo intercompanhia roda em patamar historicamente baixo – saiu de US$ 40,1 bilhões no acumulado em 12 meses até setembro de 2014 para US$ 14,9 bilhões agora.
Segundo o BC, grupos multinacionais financiam as atividades de suas empresas por diversas formas e canais. “A escolha dessas formas de investimento – participação no capital e operações intercompanhia (normal, reverso ou entre irmãs) – reflete tanto a conjuntura macroeconômica, quanto aspectos específicos das estratégias e gerenciamento de caixa dos grupos multinacionais”, afirma.
O economista-chefe da consultoria Análise Econômica, André Galhardo, destaca que o movimento pode ser explicado pela conjuntura atual do ambiente externo. “Apesar de todos os problemas, o Brasil ainda tem um cenário mais benigno para o investidor do que a Europa, a China, a Rússia e em alguma medida até os Estados Unidos”, diz.
Galhardo ressalta, ainda, que os investidores veem no Brasil uma oportunidade para “multiplicar o capital produtivo”. “As empresas com filiais no exterior enxergam isso e mandam dinheiro para cá. Tem um movimento parecido no fluxo de capital estrangeiro como um todo. Em sentido oposto, minha expectativa é que o lucro remetido ao exterior aumente cada vez mais, porque as matrizes que têm filiais aqui vão precisar de dinheiro [diante da crise]”, pontua.
Por Anaïs Fernandes e Larissa Garcia