‘Waiver’, âncora fiscal e equipe econômica: tudo que o mercado quer saber

Para analistas, tamanho de 'licença para gastar' é relevante, mas é preciso definir quem vai comandar Ministério da Fazenda

Alckmin esteve ao lado de Lula no discurso de vitória do petista; futuro vice-presidente coordena equipe de transição (Foto: Nelson Almeida/AFP)
Alckmin esteve ao lado de Lula no discurso de vitória do petista; futuro vice-presidente coordena equipe de transição (Foto: Nelson Almeida/AFP)

Na avaliação de analistas de mercado ouvidos pelo GLOBO, o chamado waiver (permissão para gastar) que o novo governo busca, em torno de R$ 200 bilhões, pode até não ser tão preocupante. O fator crucial será qual a nova âncora fiscal em substituição ao teto de gastos, que Luiz Inácio Lula da Silva já disse que vai alterar, para saber se o próximo governo terá um compromisso de longo prazo de ajustes nas contas públicas. A composição da equipe econômica também é vista como essencial.

Ainda assim, alguns alertam que o valor de R$ 200 bilhões seria elevado, já que muitos gastos acabarão se tornando permanentes.

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O estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, diz que o tom mais positivo do mercado financeiro após a eleição de Lula vem mais dos investidores estrangeiros que dos locais.

“O investidor local está mais cauteloso em relação ao Brasil exatamente pelas dúvidas com a política fiscal. A reação mais positiva do mercado está sendo puxada pelos estrangeiros, com a mudança do discurso em relação à preservação ambiental, à confirmação da democracia brasileira e a volta do país ao cenário internacional.”

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Para Rostagno, é esse otimismo que abre margem para discutir um waiver maior. Mas ele ressalta que a falta de informações sobre a nova âncora fiscal e sobre quem será o ministro da Economia dá margem a dúvidas.

“É importante ter nomes qualificados para a equipe econômica como os que estão sendo especulados. Mas o mercado pode ter a lembrança do Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff).”

Levy acabou afastado após tentar fazer um ajuste nas contas públicas, enquanto o governo ampliava gastos a fim de estimular a economia.

‘R$ 200 bi é exagerado’

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, avalia que os gastos do waiver ficarão perto de R$ 150 bilhões, considerando benefícios sociais e algum reajuste para o funcionalismo público.

“Mas é preciso termos um valor fixo, para não ficar em aberto, com propensão a gastos excepcionais.”

“Já o economista-chefe da Garde Asset, Daniel Weeks, trabalha com um waiver de até R$ 120 bilhões, o que, segundo ele, contemplaria o Auxílio Brasil, com gastos até R$ 80 bilhões, com uma sobra de R$ 40 bilhões para outras despesas, como obras ou reajuste de servidores.”

“Para mim, R$ 200 bilhões é um número exagerado, que não considera as restrições orçamentárias que serão enfrentadas mais à frente. Se de fato o valor do waiver chegar a R$ 200 bilhões é uma sinalização ruim, sem prioridade de gastos. Vão gastar com supérfluo e desprezar as restrições orçamentárias”, diz Weeks, ressaltando que esse valor deve estar “carimbado” na PEC, a fim de que não haja um cheque em branco para o governo gastar.

Vale, da MB, ressalta que a escolha do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, para a transição de governo acalmou o mercado, mas as coisas só vão se acomodar de fato quando for anunciado o nome do ministro da Economia.

“Nomes qualificados para a equipe econômica são importantes, mas o indicado para a Economia, especialmente se tiver o perfil de Henrique Meirelles, conseguiria trazer uma tranquilidade muito grande para os investidores. Quanto mais técnico melhor para esse cenário fiscal desafiador.”

O economista da MB ressalta ainda que o mercado vai tolerar durante um tempo esse aumento de gastos para 2023, mas voltará a ficar estressado se a nova âncora fiscal demorar a ser definida.

‘Despesas permanentes’

Weeks avalia que o tamanho do waiver será o primeiro teste para o governo Lula se posicionar mais ao centro. Outro teste será a indicação do ministro da Economia, que ele espera ser um nome mais ortodoxo, e o terceiro, a âncora fiscal de longo prazo, que deve ficar para o ano que vem. Segundo ele, “o grande calcanhar de Aquiles continua sendo o fiscal.”

O economista da Garde aponta ainda um contexto mais favorável.

“Em seis anos, fomos o país emergente que mais fez reformas. O atual governo furou o teto de gastos, desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o saldo líquido é positivo. E falta país emergente para atrair recursos, e o Brasil se posiciona como uma grande economia, numa região pacífica. Estruturalmente, a inflação vem caindo e o BC vai baixar os juros antes que todos. O setor externo também está tranquilo. O grande calcanhar de Aquiles continua sendo o fiscal.”

Akira afirma que o perfil moderado de Alckmin, indicado para a transição, agrada ao mercado e e ele já tinha trazido um pouco mais de tranquilidade quando da sua escolha para vice na chapa. Ele afirma que agora, mais do que o nome, que o governo precisa mostrar como será a política fiscal.

“O nome gera alívio de curto prazo, mas o desenho do que vai ser a política fiscal é importante e pode estender o rali do mercado. Na prática, o mercado quer saber se o indicado vai ter o suporte político para colocar as políticas propostas em prática.”

Em um Fórum de Investimentos promovido na sexta-feira pela Bradesco Asset, gestora de recursos do banco, Paulo Hartung, economista e ex-governador do Estado do Espírito Santo, lembrou que o que está sendo discutido, na verdade, são despesas permanentes.

“Não estamos discutindo um waiver. Estamos discutindo despesas permanentes, que colocadas no Orçamento ninguém tira. Essa questão do social virou um mantra para apertar o botão do gasto.”

Para Hartung, está ocorrendo, mais uma vez, uma disputa entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social. Ele diz temer que os primeiros sinais indiquem uma nova rota de irresponsabilidade fiscal:

“Dá para organizar os programas sociais com o mesmo volume de recursos do Orçamento, mas ninguém quer rediscutir os programas, só quer colocar despesas novas.”

Também no evento, Lucas de Aragão, mestre em ciência política, professor de risco político da Fundação Getulio Vargas (FGV) e sócio da Arko Advice, avalia que as prioridades neste momento são garantir os R$ 600 do Auxílio Brasil em 2023, a mudança nas regras do teto e, depois, começar a pensar o que novo governo pretende fazer pelo país.

Aragão observou que, só com a mudança de narrativa — por exemplo, o discurso de preservação da Amazônia —, o novo governo conquistou credibilidade junto ao mercado.

Fabio Akira, economista-chefe da Blueline Asset, observa que, para que a recente alta do Ibovespa se mantenha, é preciso que o governo anuncie o nome do ministro da Economia, qual a sua equipe e o arcabouço fiscal de longo prazo:

“Mais do que o valor dos gastos, é preciso ter esse tripé para que o rali continue.”

Por João Sorima Neto, O Globo, São Paulo.

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