Vale é processada nos EUA por práticas de segurança em tragédia em Brumadinho

SEC, dos EUA, processa Vale, que diz que vai se defender da ação, que trata de divulgações sobre práticas de segurança

Regulador do mercado de capitais dos EUA considera que a Vale não informou corretamente sobre riscos envolvendo a barragem de Brumadinho antes da tragédia de 2019 — Foto: Wikimedia
Regulador do mercado de capitais dos EUA considera que a Vale não informou corretamente sobre riscos envolvendo a barragem de Brumadinho antes da tragédia de 2019 — Foto: Wikimedia

Mais de três anos depois do rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, em janeiro de 2019, que causou a morte de 270 pessoas, a Securities and Exchange Commission (SEC), regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos, decidiu processar a Vale em caso envolvendo divulgações e práticas de segurança da empresa.

A informação sobre o processo foi divulgada ontem pela Dow Jones e depois confirmada pela empresa. Segundo o regulador, as leis societárias americanas exigem que as empresas de capital aberto divulguem fatos e riscos que são importantes para as decisões de investimento. A SEC, disse a Dow Jones, argumenta que a Vale teria enganado os investidores por vários anos sobre os riscos representados pela barragem que se rompeu em Brumadinho (MG), que continha rochas e resíduos das operações de minério de ferro. Ainda segundo a agência, a SEC aponta que a Vale teria manipulado várias auditorias de segurança de barragens e emitido relatórios de sustentabilidade, direcionados a investidores e outras partes interessadas, que disseram que a mineradora seguiu as “práticas internacionais mais rígidas” para segurança de barragens.

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“Discordamos totalmente da reclamação e do processo e certamente contestaremos todas as alegações, mas levará algum tempo. Garantiremos que o mercado esteja atualizado, mas levará tempo”, disse ontem o vice-presidente executivo de finanças e relações com investidores da Vale, Gustavo Pimenta, em teleconferência sobre os resultados do primeiro trimestre.

Na nota divulgada ao mercado, a Vale negou as “alegações” da SEC, incluindo a de que as divulgações da empresa violaram a lei dos Estados Unidos. No comunicado, a mineradora afirma que “defenderá vigorosamente este caso”. E acrescenta: “A companhia reitera o compromisso que assumiu logo após o rompimento da barragem, e que a tem guiado desde então, para a remediação e a reparação dos danos causados pelo evento.”

De acordo com a Dow Jones, o foco da SEC, no que a Vale escreveu nos relatórios de sustentabilidade, representa uma nova tática. O regulador diz que os investidores consideram cada vez mais questões ambientais, como mudanças climáticas, em suas decisões. “Muitos investidores confiam em divulgações de ESG como as contidas nos relatórios anuais de sustentabilidade da Vale e outros registros públicos para tomar decisões de investimento”, disse à Dow Jones o diretor da SEC Gurbir S. Grewal. “Ao manipular essas divulgações, a Vale agravou os danos sociais e ambientais causados pelo trágico rompimento da barragem de Brumadinho e prejudicou a capacidade dos investidores de avaliar os riscos representados pelos títulos da Vale”, afirmou o executivo.

A SEC entrou com o processo no tribunal federal do Brooklyn, buscando multas e reembolso do que o regulador chama de ganhos “ilícitos”. No ano passado, a SEC disse que nova força-tarefa buscaria casos focados em divulgações enganosas sobre mudanças climáticas, o que foi visto como uma escalada do interesse dos reguladores na questão. O processo contra a Vale era de alguma maneira esperado.

Fontes do mercado ouvidas pelo Valor acreditam que a mineradora tem bons pontos de argumentação para responder às alegações da SEC. Em outubro do ano passado, o órgão regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos havia informado que avaliava possível processo contra a mineradora por questões e “disclosure” [abertura de informações].

Ontem, na teleconferência sobre os resultados do primeiro trimestre, o presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, deu ênfase à decisão do conselho de administração da companhia de realizar nova recompra de ações, desta vez de até 500 milhões de papéis. A empresa está no estágio final de um processo de “buyback” anunciado em outubro de 2021 e que comprou 168 milhões de um total previsto de até 200 milhões de ações. Se for executada até o limite máximo, a recompra anunciada agora significará a aquisição de cerca de 10% dos papéis em circulação e poderá significar o desembolso de até R$ 41,1 bilhões (US$ 8,2 bilhões), segundo estimativas do ValorData publicadas ontem pelo Valor.

Bartolomeo ressaltou que, após a conclusão do programa, que poderá levar até 18 meses, a empresa terá adquirido cerca de 20% dos papéis em circulação em três operações seguidas. O executivo destacou ainda que a recompra não interfere na manutenção da atual política de pagamento de dividendos, um conceito, segundo ele, “sagrado”.

Pimenta, vice-presidente executivo de finanças e relações com investidores, afirmou que, atualmente, a recompra de papéis é “o melhor investimento que temos”. Ele também afirmou que, a exemplo do que aconteceu em 2021, a companhia poderá sim, pagar dividendos extraordinários, a depender do fluxo de caixa da mineradora ao longo do ano.

A política de dividendo mínimo da Vale considera o pagamento aos acionistas de 30% do lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) menos o investimento, o que dá em torno de 50% do lucro líquido. Além da recompra de ações, os executivos da companhia não descartam a possibilidade de pagar dividendos “extraordinários”, acima dessa política mínima existente. Na teleconferência, Bartolomeo referendou pergunta de analista que se referiu à Vale como “cash cow” (geradora de caixa).

Para a Vale, a recompra se justifica porque a ação da empresa vem sendo negociada com desconto em relação aos pares internacionais, BHP Billiton e Rio Tinto. Parte desse desconto se dá justamente pelas tragédias de Brumadinho (2019) e de Mariana (2015), quando barragem da Samarco – sociedade de Vale e BHP – se rompeu.

A direção e o conselho da Vale têm visto a recompra de ações como bom investimento para a empresa em momento em que a empresa tem tido média anual de investimentos relativamente estável, na casa dos US$ 6 bilhões por ano, e sem grandes possibilidades de compras de grandes ativos à frente, como aconteceu no passado.

Ontem, na teleconferência, Pimenta destacou, inclusive, que a Vale vem realizando desinvestimentos com o objetivo de “limpar” a carteira de ativos da empresa. O executivo citou que há processos de venda para a Mineração Rio do Norte (MRN) e para a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) e ressaltou ainda as vendas recentes das operações da Vale Nova Caledônia (VNC), projeto de níquel no Pacífico Sul, e em Moatize, com minas de produção de carvão e corredor logístico, em Moçambique.

Com Dow Jones Newswire.

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