Teto para ICMS pode reduzir inflação?
Entenda impacto de projeto em discussão no Congresso; efeito no curto prazo pode ser positivo
O teto para alíquotas de ICMS sobre determinados itens, aprovado ontem na Câmara dos Deputados, traz viés baixista para as projeções de inflação dos economistas, mas prejudica as contas fiscais.
Após o fechamento do mercado, os deputados aprovaram um projeto de lei que rotula combustíveis, energia elétrica, gás natural, comunicações e transporte coletivo como bens e serviços essenciais, implicando que eles teriam um teto de 17%-18% para a cobrança do ICMS. O projeto segue, agora, para o Senado.
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Hoje, os Estados costumam aplicar nesses itens alíquotas acima do padrão, com cobranças que chegam a 30% de ICMS, principalmente em combustíveis e energia. O impacto sobre os preços da medida em discussão no Congresso dependerá da alíquota cobrada por cada Estado sobre esses serviços, mas a expectativa da base governista é de uma redução da gasolina, do botijão de gás e da conta de luz às vésperas da eleição de outubro.
“O impacto na inflação seria de cerca de 1,5 ponto percentual no índice cheio (nossa projeção atual é de 9,3% até o fim do ano)”, escreve o Citi em relatório.
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Na terça-feira, antes mesmo de o projeto ser aprovado na Câmara, o J.P. Morgan havia adicionado a possibilidade ao seu cenário e reduziu sua projeção de IPCA em 2022 de 9,1% para 8,7%.
“Assumindo um repasse de 80% ao consumidor final, estimamos que o corte do imposto sobre a gasolina reduz o IPCA deste ano em cerca de 40 pontos-base [0,4 ponto percentual]. Para a energia, assumimos um repasse de 100%, pois esse preço é controlado ao nível do consumidor, o que reduziria o IPCA deste ano em cerca de 30 pontos-base”, escreveram os economistas Vinicius Moreira e Cassiana Fernandez.
Não fosse a premissa de redução do ICMS, eles dizem que teriam revisado a projeção de IPCA para 9,4%, considerando que a inflação tem se mostrado estruturalmente mais alta do que haviam antecipado.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), investiu na votação e aprovação do projeto. A justificativa de fundo é que Estados e municípios estão com espaço fiscal e “sobra” de caixa. A própria inflação e a alta de preços das commodities, no entanto, além da composição do crescimento da economia, trouxeram arrecadação surpreendente de ICMS a esses entes.
Se for aprovado, o Comsefaz, comitê que reúne secretários estaduais de Fazenda, estima que a arrecadação de impostos cairia entre R$ 64 bilhões e R$ 84 bilhões (0,7% a 0,9% do PIB) por ano.
“Essa medida prejudicaria permanentemente as contas fiscais e adicionaria riscos baixistas à inflação no curto prazo”, diz o Citi.
O projeto estabelece uma compensação parcial por parte do governo federal aos Estados se a arrecadação diminuir em mais de 5%. “Há grande chance de judicialização da questão”, acrescenta o banco.
Governadores e prefeitos tentarão impedir a aprovação da proposta no Senado, Casa onde têm mais influência, mas ameaçam também recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) alegando que a proposta é inconstitucional por ferir o pacto federativo.
Apesar de, em tese, ver espaço fiscal para a medida, Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, diz que o ICMS é um tributo com muitos problemas, adicionais à grande complexidade, e o foco do Congresso deveria estar em soluções mais estruturais, como a aprovação do IVA-Dual — Imposto sobre Valor Agregado único englobando as cobranças federais (IPI, PIS e Cofins, por exemplo) e outro para as estaduais e municipais (ICMS e ISS).
“IVA nacional é complicado por causa das compensações, demandas entre os Estados e governo federal, mas isso é expurgado na proposta do IVA-Dual. É um ‘second best’ muito relevante e com poder de ampliar o PIB potencial do país, ambiente de negócios, produtividade e investimentos”, diz Barros.
Em meio a essa discussão, ainda há, para os Estados, a partir de 2024, os efeitos do julgamento do STF que modulou uma decisão reduzindo o ICMS cobrado nas contas de luz e serviços de telecomunicação, mas as alíquotas menores ficaram para 2024.
O tributarista Eduardo Fleury, sócio do FCR Law, já tinha explicado ao Valor que a estratégia provável dos Estados, no caso da decisão do STF sobre energia e telecomunicações, é aprovar até 2024 uma emenda constitucional que trouxesse nova interpretação do Supremo para a questão decidida sobre ICMS em energia elétrica e telecomunicações.
Outro caminho, aponta, seria os governadores elevarem a alíquota padrão do imposto. A decisão do STF não estipulou alíquota máxima, apenas entendeu que bens essenciais não podem ser tributados a alíquota maior que a padrão. Elevar a alíquota padrão, no entanto, passa por projeto a ser enviado às assembleias legislativas e pode trazer desgaste político aos novos governadores.
“Como este é um ano eleitoral, ainda não está claro se os Estados aumentariam os impostos sobre outros bens para compensar o impacto negativo desse projeto na arrecadação de impostos”, diz o Citi.