Qual o significado da decisão de Moscou de reconhecer a independência de regiões separatistas da Ucrânia?

Decisão do governo de Vladimir Putin deve aumentar drasticamente o risco de uma guerra com Kiev

Praça da Independência, em Kiev: a praça central da capital da Ucrânia. Foto: Wikimedia
Praça da Independência, em Kiev: a praça central da capital da Ucrânia. Foto: Wikimedia

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou, nesta segunda-feira (21), o reconhecimento da independência de duas regiões separatistas apoiadas por Moscou no leste da Ucrânia – um passo que deve aumentar drasticamente o risco de uma guerra em grande escala com Kiev. 

A decisão, anunciada após uma reunião televisionada do Conselho de Segurança da Rússia, veio em resposta aos apelos dos líderes das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk, na região de Donbass, para que Putin os reconheça como Estados independentes e os proteja do que eles dizem ser um plano de ofensiva da Ucrânia para retomar os territórios. A Ucrânia negou isso e disse que a Rússia estava tentando usar a alegação como pretexto para uma nova invasão.

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Mais de 14.000 pessoas morreram no conflito no leste da Ucrânia desde que Moscou anexou a península da Crimeia em 2014. A Ucrânia e os países ocidentais disseram que há evidências de que a Rússia fornece armas e combatentes para alimentar a guerra separatista, o que Moscou nega.

O que são as repúblicas populares de Donetsk e Luhansk?

Autoproclamadas, mas quase totalmente dependentes do apoio do Kremlin, as Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk declararam independência de Kiev em abril de 2014, depois que milícias apoiadas pela Rússia tomaram o controle de sedes do governo local e outras infraestruturas após a invasão da Crimeia por Moscou.

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Os territórios fazem fronteira com a Rússia no flanco leste da Ucrânia. Grande parte da população da região, que abriga mais de 3 milhões de pessoas, fala a língua russa. A área recebeu grandes quantidades de assistência financeira, humanitária e militar do Kremlin. O apoio de Moscou às regiões veio depois que o movimento pró–ocidental Maidan derrubou o presidente pró-Rússia da Ucrânia em fevereiro de 2014.

Sob os acordos de Minsk – negociações de paz mediadas pela França e Alemanha – um cessar-fogo deixou os separatistas no controle “de facto” de cerca de um terço dos distritos administrativos ucranianos de Donetsk e Luhansk, com uma linha de controle pesadamente fortificada separando-os das tropas ucranianas.

A Ucrânia descreve as regiões como “territórios temporariamente ocupados” e os acordos de Minsk preveem seu eventual retorno a Kiev. Mas tanto a Ucrânia quanto a Rússia falharam em implementar os termos dos acordos, deixando o status dos territórios no limbo.

Ao mesmo tempo, a Rússia passou os últimos oito anos aumentando sua influência na região. Ela deu passaportes e cidadania para cerca de 800 mil de seus cidadãos, disseram autoridades russas nesta segunda-feira, enfatizando a necessidade do Kremlin de protegê-los.

Por que seu reconhecimento por Moscou seria importante?

No passado, Moscou recuou do reconhecimento, preferindo exercer controle indireto e usar os territórios como ponta de lança em suas disputas mais amplas com a Ucrânia e o Ocidente. O reconhecimento provavelmente trará dois grandes resultados iniciais. Primeiro, o colapso dos acordos de Minsk e e as esperanças de envolver o status da região numa solução diplomática para o conflito na Ucrânia. Em segundo lugar, daria ao Kremlin uma justificativa para enviar tropas e equipamentos militares russos aos territórios. Isso provavelmente aumentaria o risco de um conflito total entre Moscou e Kiev ao longo de uma linha de frente já ativa.

Um problema maior surge no médio prazo: os dois Estados reivindicam todos os distritos ucranianos de Luhansk e Donetsk. A Rússia não deixou claro se está reconhecendo também as reivindicações sobre o território desses distritos.

Como o ocidente responderá?

A Otan e a União Europeia (UE) alertaram que o reconhecimento das regiões separatistas seria uma grande escalada no conflito entre Moscou e Kiev, enquanto algumas autoridades europeias pediram que isso fosse um gatilho para o início da implementação do pacote de sanções contra a Rússia.

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse, na semana passada, que o reconhecimento representaria “uma violação flagrante da integridade e soberania territorial da Ucrânia” e violaria o direito internacional. Tal medida seria “uma escalada aberta”, disse o ministro das Relações Exteriores da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, acrescentando que “deveria ser recebida com sanções rápidas e decisivas” se aprovada por Putin.

No entanto, a UE, Estados Unidos, Reino Unido e outros países ocidentais disseram anteriormente que grandes sanções contra Moscou seriam implantadas, no caso de um ataque militar à própria Ucrânia e não houve acordo público sobre como responder no caso de reconhecimento de Donetsk e Luhansk. 

Por que isto está acontecendo agora?

Após uma grande escalada militar russa perto das fronteiras da Ucrânia, governos ocidentais alertaram por semanas que Donetsk e Luhansk poderiam ser usadas para criar um pretexto para a guerra, provocando uma resposta de Kiev ou encenando um ataque de “bandeira falsa” — pelo qual a Rússia poderia culpar a Ucrânia.

O Kremlin negou seus planos de invasão, mas insistiu que o Ocidente concordasse com uma série de garantias de segurança, como proibir a Ucrânia de se juntar à Otan e retirar as tropas da Otan de membros da aliança próximos à Rússia.

Moscou já viu os dois Estados autoproclamados como moeda de troca. A Rússia exige que seu retorno à Ucrânia viesse com o veto sobre as principais decisões de política externa do país, principalmente a solicitação de Kiev para ingressar na Otan. Seu reconhecimento por Putin, agora – depois que a Rússia optou por não fazê-lo no passado –, aumenta a ameaça de conflito com Kiev.

O que isso significa para os esforços diplomáticos para evitar a guerra entre a Rússia e a Ucrânia?

A medida sugere que Putin perdeu a fé nos esforços diplomáticos para evitar novos conflitos na Ucrânia, liderados nos últimos dias pelo presidente francês, Emmanuel Macron. O futuro dos dois Estados é visto como uma área crítica de compromisso em em qualquer solução negociada e o reconhecimento parece acabar com essa possibilidade.

Dmitry Medvedev, vice-secretário do Conselho de Segurança da Rússia e ex-presidente, deixou claro nesta segunda-feira que achava que a Rússia deveria prosseguir com suas demandas, independentemente do risco de conflito e consequências.

“A escalada do conflito potencial pode ser comparada com o que enfrentamos em 2008 [com a Geórgia]”, disse ele a Putin. “Mas, agora, sabemos o que vai acontecer. Ouvimos todas as ideias de sanções [do oeste]. Mas sabemos como suportar essa pressão”, disse ele.  

Texto originalmente publicado por Henry Foy no jornal britânico Financial Times.

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