Projeções indicam PIB “parado” no terceiro trimestre
Avanço se restringe a serviços; alta da inflação e do juro e incertezas políticas e fiscais inibem atividade
Com apenas os serviços garantindo algum ritmo à economia, o Produto Interno Bruto (PIB) ficou “parado” no terceiro trimestre, depois de ligeira queda nos três meses anteriores, quando a atividade já tinha dado sinais fortes de perda de fôlego. A mediana das estimativas de 46 consultorias e instituições financeiras levantadas pelo Valor Data aponta estabilidade no período, contra o segundo trimestre, feito o ajuste sazonal.
O intervalo das projeções vai de alta de 0,3% a queda de 0,6%. Na comparação com o mesmo período do ano passado, deve haver crescimento de 4,2%, um dado influenciado pela baixa base de comparação. Os dados oficiais das Contas Nacionais Trimestrais, do IBGE, serão divulgados na quinta-feira, 2.
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Os mesmos fatores que frearam o crescimento entre abril e junho – aumento da inflação, dos juros e as incertezas fiscais e políticas – se intensificaram entre julho e setembro. E se no segundo trimestre a queda surpreendeu, desta vez, embora a mediana das estimativas aponte estabilidade, a maioria dos analistas espera algum recuo no terceiro quarto do ano. Um resultado negativo é a aposta da maioria das casas, 17 delas. Outras 16 esperam estabilidade e, 13, ligeiro crescimento do produto.
A perda de fôlego abarca várias frentes, indústria e agropecuária, no lado da oferta e investimentos, sob a ótica da demanda. O setor externo também deve dar contribuição negativa para o PIB do terceiro trimestre sobre o segundo. “A economia parou depois de se recuperar muito rápido com os impulsos do governo no ano passado. Existe uma lacuna de fatores de dinamismo para impulsionar a atividade econômica”, afirma Flávio Serrano, chefe de análise econômica da Greenbay Investimentos.
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Para Serrano, que projeta queda de 0,2% do PIB ante o segundo trimestre, o que atesta a lentidão da atividade é que nem mesmo a reabertura mais forte da economia, passado o pior momento da pandemia de covid-19, garantiu crescimento de julho a setembro. “Os serviços, em média, foram bem e sem eles o cenário seria ainda pior”, destaca.
Em setembro, a Pesquisa Mensal de Serviços, do IBGE, indicou retração de 0,6% do setor ante agosto, mais um sinal de que a migração do consumo das famílias de bens para serviços também enfrenta um teto. Para o cálculo do PIB, no entanto, os serviços incluem outras atividades, como comércio, em trajetória descendente, e atividades públicas, como educação e saúde, com recuperação mais clara no segundo semestre.
“O crescimento foi sustentado pela recuperação cíclica dos serviços depois de um período de muita restrição, com contribuição positiva dos transportes, serviços prestados às famílias, educação e saúde. Sem isso, o varejo e as indústrias extrativa e de transformação levariam a um PIB negativo”, afirma Luana Miranda, economista da GAP Asset, que prevê estabilidade do PIB no terceiro trimestre.
Ainda no lado da oferta, a indústria, que deve cair 0,6%, segundo a mediana das projeções, continuou a enfrentar falta de insumos para a produção, em especial nos segmentos automotivo e eletrônico, um gargalo que se estendeu para o quarto trimestre e deve seguir até pelo menos o início de 2022.
No lado da demanda, enquanto o consumo das famílias deve crescer 0,8% sobre o segundo trimestre, ajudado pelo auxílio emergencial e pelo aumento da população ocupada, ainda que em empregos precários, os investimentos devem ter levado um tombo. A mediana das estimativas é de queda de 2,5%. “De uma forma geral, há uma diminuição no consumo de bens de capital, também por causa do aumento dos juros. A demanda está mais fraca de uma forma geral”, afirma Maurício Une, economista-chefe do Rabobank. A dificuldade de obter determinados insumos e o alto preço do frete também influencia um resultado negativo nessa linha do PIB, diz.
O Rabobank prevê queda de 0,1% no terceiro trimestre, mas chegou a esperar um aumento de 0,3%. “Fomos ajustando nossos números após os resultados das pesquisas de comércio, serviços e da indústria [do IBGE]”, diz. “Há dificuldade maior no lado da oferta, principalmente com relação aos gargalos de insumos para a indústria e de bens para o varejo. Há mais vacinação e mobilidade, mas há também inflação e juros maiores, que restringem a atividade”, diz Une.
O PIB do terceiro trimestre ainda traz um elemento de incerteza, que é a tradicional revisão dos resultados anteriores das Contas Nacionais, o que acaba por influenciar a base de comparação. “O número do PIB do terceiro trimestre dependerá também do que pode mudar em relação ao que sabemos sobre o primeiro semestre”, afirma Luana, da GAP.
Seja como for, as restrições que pesaram sobre a atividade no terceiro trimestre permanecem no quarto trimestre, para o qual a mediana das projeções preliminares dos economistas aponta alta de 0,3%. “A inflação colocou um peso negativo muito grande na renda das famílias, o que se soma a uma exaustão do consumo de bens”, afirma Luana.
Como resposta à subida dos preços, o Banco Central (BC) deve elevar a taxa básica de juros para dois dígitos no ano que vem. “As perspectivas para o futuro não são das melhores. Não há expectativa de intensificação do processo de reabertura e estamos no meio de um aperto monetário”, comenta Serrano.
Qualquer alívio, como a injeção de dinheiro na economia a partir do pagamento do Auxílio Brasil, deve ser temporário, sem força para mudar a rota de baixo crescimento. “O pagamento dobrado do Auxílio Brasil [como aventado pelo governo] pode ajudar no fim do ano. Mas a verdade é que já tivemos expectativas muito melhores para o período e temos revisado para baixo seguidamente. Os dados de outubro, por exemplo, ainda não são animadores”, explica Luana.
De legado para 2022, economistas já consideram que o quadro de início de ano mais positivo e segundo semestre de arrefecimento da atividade tende a se repetir. “Talvez o primeiro trimestre do ano que vem possa ser salvo pelo agronegócio, por causa da expectativa de crescimento da safra de grãos. Mas será uma questão estatística de carregamento, não de mudança de dinâmica”, explica Serrano.
De perto de 2% na época da divulgação do segundo trimestre, a mediana das projeções para o PIB do ano que vem está em 0,6%, com algumas instituições prevendo queda de até 0,9%.