Preços recordes de combustíveis estão provocando mudanças profundas na economia dos EUA
Alta se dá por recuperação da demanda por viagens rodoviárias e aéreas, reprimida pela pandemia
Com os preços da gasolina nos EUA se aproximando de uma média recorde de US$ 5 por galão (cerca de R$ 6,61 por litro), o impacto dos custos do combustível se alastra por quase todos os setores e surgem sinais de que o aumento dos gastos começa a alterar o comportamento do consumidor.
Na sexta-feira o preço da gasolina comum chegou a uma média de US$ 4,986 por galão, cerca de 22,5 centavos de dólar a mais do que na semana anterior e quase US$ 2 a mais do que no mesmo período do ano passado, segundo a American Automobile Association (AAA). A alta sustentada nos preços se dá no momento em que a recuperação da economia americana com relação à pandemia abriu as portas da demanda reprimida por viagens rodoviárias e aéreas, e em que muitos americanos voltaram a usar algum tipo de transporte para ir e voltar do trabalho.
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Os preços da gasolina, assim como os do diesel e do combustível de aviação, continuam a sofrer pressões inflacionárias por várias razões e é pouco provável que elas desapareçam logo. A produção de petróleo e combustíveis não aumentou com rapidez suficiente para atender à demanda mundial, que tem crescido conforme as economias abandonam as restrições relacionadas à pandemia de covid-19. Na verdade, a capacidade de produção de combustíveis dos EUA até diminuiu, por conta do fechamento de refinarias, enquanto as exportações americanas continuam fortes, já que a demanda por combustíveis em outras partes do mundo tem levado os traders a explorarem as oportunidades de ganhos com arbitragem cambial nas vendas ao exterior.
Os resultados podem ser sentidos de forma generalizada — desde setores de alimentos, automóveis e caminhões até em companhias aéreas, lojas varejistas e postos de gasolina, e mesmo no de petróleo e gás —, com possíveis consequências políticas para o presidente Joe Biden e os democratas que buscam manter o controle do Congresso nas eleições deste ano.
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Na avaliação de analistas, economistas e executivos, os preços recordes podem frear parte da demanda por combustível. Eles dizem que hoje os motoristas compram menos gasolina de cada vez, mas vão aos postos para abastecer com mais frequência.
“Eles querem encher o tanque só até um certo valor em dólares e essa quantidade de combustível simplesmente não dura tanto”, disse Andrew Clyde, diretor executivo da rede de postos de combustíveis Murphy USA.
A explosão dos preços dos combustíveis é um grande fator na inflação como um todo, que está em seu maior nível em quatro décadas, segundo economistas. O Departamento do Trabalho informou que os preços mais altos da gasolina foram responsáveis por cerca de 20% da alta de 8,6% da inflação em maio, na comparação anual.
Segundo economistas, os preços mais altos da gasolina tendem a reduzir o consumo à medida que as pessoas ajustam seus hábitos de condução. Lucas Davis, economista da Universidade da Califórnia, em Berkeley, disse que no curto prazo um aumento de 10% nos preços da gasolina resulta em um declínio de 2% a 3% no consumo.
As empresas aéreas se defrontam com os preços de combustível de aviação mais altos, ajustados pela inflação, desde janeiro de 2009, segundo a Airlines for America — associação representativa do setor. O grande número de reservas para voos domésticos neste verão ajudou as companhias aéreas americanas a cobrirem o custo adicional com o aumento das tarifas. Mas as aéreas continuam cautelosas a respeito da demanda por viagens no fim do ano.
As tarifas aéreas subiram 12,6% entre abril e maio, de acordo com o índice de preços ao consumidor oficial, e estão 37,8% mais altas na comparação com maio do ano passado, embora ainda continuem abaixo dos níveis de 2019.
“O que impulsiona o aumento das passagens aéreas é quase exclusivamente o preço do combustível de aviação”, disse Scott Kirby, CEO da United Airlines, no mês passado. Segundo ele, o custo de combustível quase dobrou em relação ao mesmo período de 2019.
Fabricantes de alimentos disseram que o custo do transporte de matérias-primas de fazendas e fábricas até os distribuidores e varejistas cresceu e isso contribui para o aumento das contas de supermercado dos consumidores.
A Mondelez International, que produz os Oreos e outros salgadinhos, informou que seus custos com insumos em geral vão subir cerca de 10% a 13% neste ano, já que os preços do setor de energia elevam os custos de transporte, ingredientes e embalagens.
“Isso está ligado predominantemente aos custos da energia e ao efeito cascata que têm em toda a nossa cesta de commodities”, disse o diretor financeiro Luca Zaramella em uma teleconferência em 1 de junho. Segundo ele, a Mondelez não tem expectativa de que os preços caiam em 2023.
A indústria automobilística é especialmente sensível às flutuações do preço da gasolina porque os custos do combustível são um fator importante nas decisões de compra. Segundo analistas e executivos, as preferências dos consumidores já começaram a mudar, com mais compradores dando prioridade a veículos que possam ajudá-los a manter suas contas de energia sob controle, como os híbridos ou totalmente elétricos.
As buscas por veículos elétricos na internet subiram 73% desde janeiro, segundo dados da Kelley Blue Book e da Autotrader. O interesse por veículos híbridos entre os compradores online aumentou 25% nesse mesmo período.
Marcas como a Toyota e a Kia registram fortes vendas de híbridos e híbridos plug-in, e as vendas de alguns modelos menores e mais econômicos começaram a decolar.
A disparada dos preços do diesel provoca várias preocupações nas empresas de transporte rodoviário de cargas, entre elas a de que o aumento dos custos de frete possa reduzir a demanda se projetos de construção forem adiados ou se varejistas reduzirem a recomposição de estoques.
“Neste nível, estamos em território desconhecido”, disse Dean Croke, analista principal da DAT Solutions, um marketplace (shopping virtual) do setor que combina cargas com caminhões disponíveis. “Isso tem prejudicado muitas transportadoras, e prejudica mais as transportadoras menores.”
Diante do aumento da demanda nos meses de verão (junho a setembro) e sem soluções rápidas para aumentar a oferta, muitos analistas preveem que os preços podem subir ainda mais. O JPMorgan Chase estimou que os preços da gasolina podem chegar a uma média nacional de US$ 6,20 por galão até agosto.
Um dos principais gargalos que alimentam a alta dos preços da gasolina é o déficit mundial de capacidade de produção de combustíveis. Segundo o JPMorgan Chase, o equivalente a cerca de 3 milhões de barris por dia de capacidade mundial de refino foi desativado durante a pandemia, o que inclui 1 milhão de barris por dia nos EUA.
Como resultado, as refinarias dos EUA têm operado no seu limite máximo. Segundo o Departamento de Energia, elas trabalhavam com 94,2% de sua capacidade operacional na semana passada.
Enquanto isso, analistas dizem que as exportações de gasolina, diesel e petróleo dos EUA têm crescido rapidamente e ajudam a drenar os estoques já baixos e a elevar os preços nos postos de gasolina. Refinarias e revendedores de petróleo dos EUA aumentaram as remessas para a América Latina, a Europa e outros países para níveis próximos dos anteriores à pandemia. Juntas, as exportações americanas de petróleo e produtos derivados chegaram a 6,4 milhões de barris por dia em março, um aumento de cerca de 26% em relação ao mesmo mês do ano passado.
Mesmo para o setor de petróleo e gás, que se beneficia dos altos preços dos combustíveis, o aumento dos custos levanta dúvidas sobre investimentos futuros.
Meg O’Neill, CEO do Woodside Energy Group, disse que os preços da energia subiram depois de anos de redução nos gastos com a produção de petróleo e gás. Ainda assim, ela disse que está preocupada com a possibilidade de que as pressões inflacionárias possam afetar projetos em estudo pela empresa para os próximos 18 meses. “Precisamos garantir que os preços das commodities no curto prazo não influenciem nossa avaliação de forma indevida”, disse ela.