Pacote de ‘bondades’ tem impacto de R$ 68 bilhões
Tendência é que medidas deixem um rombo em 2023, no momento de discussão de arcabouço fiscal
As medidas lançadas pelo governo federal para aumentar despesas sociais em pleno período eleitoral tiveram impacto direto de pelo menos R$ 68 bilhões nos cofres da União somente em 2022. A tendência é que as medidas deixem um rombo para as contas públicas no ano que vem, justamente no momento em que o país discutirá qual o novo arcabouço fiscal. As ações ajudaram a melhorar a avaliação do presidente Jair Bolsonaro (PL), que concorre a um novo mandato e está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas de intenção de voto.
Na campanha de Bolsonaro, existe a expectativa de que ocorram novos anúncios nos próximos dias em relação à oferta de crédito e na área tributária. Integrantes da ala política do governo reclamam do que consideram um atraso em algumas dessas medidas.
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Já na campanha de Lula há consenso de que Bolsonaro está usando a máquina pública. Mesmo assim, a ala política resiste em entrar com medidas judiciais contra o presidente, dado o efeito eleitoral contraproducente que poderia haver caso esse tipo de iniciativa fosse interpretado como uma ação da campanha para tirar benefícios da população mais pobre. Integrantes da área jurídica, no entanto, apontam que Bolsonaro está cometendo crime de abuso de poder econômico e reclamam da falta de atuação do Ministério Público Eleitoral.
Entre cortes de impostos e novos benefícios, como o Auxílio Brasil de R$ 600, as medidas terão impacto fiscal de pelo menos R$ 68,38 bilhões até o fim deste ano, segundo levantamento feito pelo Valor Fiscal. Outros R$ 87 bilhões foram oferecidos em créditos para as micro e pequenas empresas, que puderam também renegociar R$ 20 bilhões em dívidas tributárias. Por sua vez, trabalhadores tiveram a oportunidade de sacar R$ 30 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Já os beneficiários do Auxílio Brasil ganharam permissão para tomar empréstimos consignados usando o benefício como garantia, com as operações chegando a R$ 1,8 bilhão no início desta semana.
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Nesta reta final da eleição, foram anunciadas também medidas com impacto futuro. Por exemplo, o pagamento do 13º do Auxílio Brasil para mulheres, em 2023, caso Bolsonaro seja reeleito. Será também permitido o uso de parcelas a receber do FGTS para obtenção do financiamento da casa própria, algo que os bancos só esperam colocar em prática em 90 dias.
Embora as medidas mais caras do pacote, como o Auxílio Brasil e as desonerações de combustíveis, tenham sido aprovadas pelo Congresso Nacional para vigorar apenas este ano, a promessa de Bolsonaro é prorrogá-las. A desoneração de combustíveis já consta do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023, a um custo de R$ 52,9 bilhões. O Auxílio está previsto em R$ 405, e elevá-lo para R$ 600 aumentaria os gastos em R$ 52 bilhões.
O custo das decisões e a falta de fontes de financiamento transformaram o futuro das contas públicas em uma incógnita para 2023. O ministro da Economia, Paulo Guedes, e a equipe técnica da pasta defendem que o Brasil teve um ganho estrutural de arrecadação nos últimos anos, o que abriria espaço para cortes de impostos.
Mas, para um ex-diretor do Banco Central (BC), as medidas “tiveram fim eleitoral” e não possuem “nenhuma lógica econômica”.
“Ficou um buraco fiscal imenso”, diz. Segundo ele, para que a trajetória da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) não seja “explosiva”, será necessário “um tremendo ajuste fiscal”. “Por ora não dá para ver, porque as receitas estão altas, mas no ano que vem, quando o PIB desacelerar, as pessoas vão tomar um susto”, afirma.
Parte das ações foi implantada ainda por meio da Emenda à Constituição (EC) 123, que foi apelidada durante sua análise no Legislativo de PEC Kamikaze, PEC das Bondades e PEC Eleitoral. A poucos meses da eleição, a emenda abriu espaço no teto de gastos, a principal âncora fiscal do país, para que parte das medidas fossem colocadas em prática. O governo usou a guerra na Ucrânia como justificativa para implantar um estado de emergência que permitisse as mudanças.
Também na avaliação de Thaís Zara, economista-sênior da LCA Consultores, as ações tiveram “um caráter mais eleitoreiro”.
“Há muita coisa que pode dificultar a situação das contas públicas no ano que vem”, diz. A economista cita como exemplos a maneira como o Auxílio Brasil de R$ 600 será financiado, a desoneração federal sobre os combustíveis e os cortes do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Ela lembra que, no caso do ICMS, o impacto aparece
nas contas de Estados e municípios, cuja situação fiscal “não é uniforme”, ainda que alguns deles estejam em posição mais confortável. Além disso, destaca que as estimativas em geral apontam para “desaceleração da economia”, o que impacta negativamente a arrecadação.
Nos cálculos de Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, o impacto das medidas sobre os cofres de Estados, municípios pode ser de até R$ 245 bilhões em 2023. Também entram na conta os cortes das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ação defendida pelo governo federal como forma de aumentar a competitividade da indústria nacional.
Além disso, Leal de Barros afirma que a tendência é que os impactos totais não se limitem a 2023. “Nesse caso, o desafio de reestruturar o arcabouço fiscal será ainda mais complexo.”
O economista cita a possibilidade de um “ambiente internacional bastante mais desafiador” nos próximos anos, o que faz com que “o risco de decisões erradas no front fiscal seja superlativo, sem espaço para má calibragem”.
Mas nem todas as medidas têm fim eleitoreiro, diz Rogério Mori, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). A própria desoneração de combustíveis, por exemplo, é algo que ele considera tecnicamente correto no quadro de alta nos preços. O corte do ICMS sobre combustíveis, energia, telecomunicações e transportes era algo que já deveria ter sido adotado há tempos, segundo ele.
Mesmo assim, há também controvérsias jurídicas. O partido Novo ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com ação questionando a EC 123. Entre outros pontos, o partido alega que a EC afronta o direito ao voto direto, secreto, universal e periódico, ao criar gratuidade em ano eleitoral. Os benefícios levariam a condições desiguais de competição.
Por Lu Aiko Otta, Estevão Taiar e Isadora Peron, do Valor Econômico