O que motiva alguém a doar para causas beneficentes?

Os economistas Dean Karlan e Daniel Wood mostraram que existe uma tensão entre evidências e emoção

Colunista do FT pediu doações a asilo após o pai morrer - e foi atendido — Foto: Nattanan Kanchanaprat / Pixabay
Colunista do FT pediu doações a asilo após o pai morrer - e foi atendido — Foto: Nattanan Kanchanaprat / Pixabay

“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos ter nosso jantar”, escreveu celebremente Adam Smith em “A Riqueza das Nações”, “mas de sua consideração pelo próprio interesse”. “Apelamos, não à humanidade deles, mas ao amor-próprio deles.”

É bem verdade. Ainda assim, minha experiência recente mostra que há muito a ser dito sobre quando apelamos, não ao amor-próprio das pessoas, mas à humanidade delas.

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Recentemente, postei um tópico no Twitter dizendo às pessoas o que passava em minha cabeça. Expliquei que meu pai, Adrian, havia morrido. Publiquei fotos e descrevi sua vida: sua curiosidade, sua inteligência, sua tímida modéstia. Contei como nos anos 1990 meu pai se dedicou a cuidar de minha mãe quando ela estava morrendo e de alguma forma conseguiu se virar para manter o emprego e os filhos frequentando a escola e para garantir que houvesse comida na mesa. E descrevi a delicadeza dos cuidados recebidos tanto por meu pai quanto por minha mãe no asilo Florence Nightingale, em Aylesbury. E, por fim, pedi às pessoas que pensassem em doar dinheiro ao local.

As pessoas são gentis, então não fiquei surpreso ao receber uma resposta calorosa. O que não esperava era receber doações anônimas de três ou até quatro dígitos. Parecia muito dinheiro para se doar, incógnito, a uma instituição de caridade de alcance local, a um lugar que a pessoa pode nunca chegar nem a visitar e em memória de um homem que ela provavelmente nunca conheceu.

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Os economistas têm várias teorias para explicar por que alguém doa a uma causa beneficente. A mais cínica — verdadeira, às vezes, mas claramente falsa neste caso — é que, com a doação, as pessoas podem ostentar sua generosidade e suas riquezas.

No outro extremo do espectro está o “puro altruísmo”. Assim como consumidores racionais maximizam seus ganhos como compradores sensatos, escolhendo os melhores produtos pelo menor preço possível, os altruístas puros também buscam o maior impacto para seu dinheiro. A diferença em relação ao consumidor, meramente, é que os altruístas puros querem maximizar a utilidade para outras pessoas.

Isso tampouco parece ser suficiente para explicar o meu caso. Há uma comunidade de “altruístas eficientes” aí afora, mas eles tendem a dar preferência a evidências concretas, não a conversas no Twitter em memória dos mortos.

Os economistas Dean Karlan e Daniel Wood mostraram que existe uma tensão entre evidências e emoção. Eles fizeram testes enviando mensagens pedindo dinheiro com uma história comovente e deram o nome da pessoa beneficiária: “Ela não conheceu nada além da mais abjeta pobreza em toda sua vida”. Outros receberam a mesma história emotiva acrescida de um parágrafo assegurando as “rigorosas metodologias científicas” que demonstravam o impacto da caridade.

Karlan e Wood descobriram que algumas pessoas que já haviam feito grandes doações anteriormente voltaram e doaram ainda mais, impressionadas com as evidências sobre a eficácia. Mas os pequenos doadores doaram menos. Aparentemente, a evidência científica os desestimulava.

Talvez eles estivessem doando por causa da sensação que o economista James Andreoni chama de “calor radiante”, e John List, outro economista, chama de “altruísmo impuro”. A doação de calor radiante é motivada por um altruísmo de um tipo mais difuso. Em vez de calcular o alvo mais eficaz para nossas doações, doamos porque nos sentimos bem em acreditar que estamos fazendo o bem.

Como a doação de calor radiante é mais emocional do que racional, isso levanta a questão de como persuadir as pessoas a ter essa vontade de doar. Ninguém foi melhor nesse jogo do que Charles Sumner Ward, que, no fim do século XIX e início do XX, enfileirou uma sequência impressionante, arrecadando dinheiro para a Associação Cristã de Moços, os escoteiros, os templos maçônicos e outras instituições que empregaram seus formidáveis talentos.

Ward valia-se de táticas que agora parecem bem modernas, como estipular prazos artificiais, informar que grandes doadores doariam apenas se fossem correspondidos por doações menores, proezas publicitárias, um relógio de campanha mostrando o progresso em metas muitas vezes arbitrárias e pequenas bandeiras que se podiam usar e ser exibidas pelos doadores. Algumas dessas ideias agora, comprovadamente, aumentam as doações, embora os cientistas sociais ainda continuem se perguntando o que faz as pessoas doarem.

Cynthia Cryder e George Loewenstein mostraram que a tangibilidade é importante. As pessoas são mais generosas na doação quando, primeiro, pedem para que escolham uma instituição de caridade de uma lista, do que se lhes mostrarem a lista e lhes pedirem, primeiro, para escolher um valor de doação e depois escolher a instituição que receberá a doação. Elas também doam mais se receberem exemplos específicos dos projetos que a instituição realiza, em vez de uma descrição mais genérica. Poder imaginar claramente como o dinheiro seria gasto induziu as pessoas a abrir suas carteiras.

Talvez isso explique por que as pessoas foram tão generosas. Fui muito específico sobre a vida do meu pai, a morte dos meus pais e a forma como esse asilo em particular os ajudou. Em vez de doar para um ideal abstrato, as pessoas estavam dando dinheiro para algo que puderam imaginar claramente.

Dean Karlan me fez cogitar outra possibilidade: as pessoas que leem regularmente minha coluna ou ouvem meu podcast têm um relacionamento comigo e minha sequência de conversas no Twitter criou uma oportunidade para que elas marcassem esse relacionamento com compaixão e generosidade. Qualquer que tenha sido a razão, sou grato. E se esta minha coluna estimular um calor radiante, então, dê-se o gosto. Encontre uma instituição beneficente que signifique algo para você e dê algo em memória de alguém que foi importante para você. Esse altruísmo pode ser “impuro”, mas fazer o bem faz sentir-se bem.

Por Tim Harford, do Financial Times. Tradução de Sabino Ahumada.

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