O que Jamie Dimon, CEO do banco J.P. Morgan, diz sobre Lula, Fed e geopolítica

Um dos executivos mais poderosos do planeta, CEO do J.P. Morgan está otimista com o Brasil

Para Dimon, do J.P. Morgan, inflação e juros são “coisas normais” da economia, e há outras mais sérias e anormais — Foto: Silvia Costanti/Valor
Para Dimon, do J.P. Morgan, inflação e juros são “coisas normais” da economia, e há outras mais sérias e anormais — Foto: Silvia Costanti/Valor

Há seis meses, Jamie Dimon, presidente do conselho de administração e CEO do banco J.P. Morgan, vem dizendo que vê nuvens carregadas na economia americana, com possibilidade de furacão – ele costumeiramente usa o clima como metáfora econômica. Nesse período, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) se mexeu, os preços dos ativos financeiros tiveram correção, os americanos seguem gastando. Alguns investidores ficaram mais otimistas. E Dimon continua com o guarda-chuva no braço e as galochas à porta.

Numa entrevista exclusiva ao Pipeline, site de negócios Valor, concedida no escritório do banco durante uma curta viagem a São Paulo nesta semana, Dimon falou sobre esse cenário – e sobre como o que o aflige, de fato, não tem nada a ver com esses indicadores. Ele está particularmente interessado na dinâmica geopolítica e em suas consequências estruturais.

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Como um dos executivos mais poderosos do planeta e já lendário no mercado financeiro, suas opiniões costumam ser ouvidas atentamente por analistas e investidores em momentos de alta volatilidade, como o atual. Dimon está à frente do J.P. Morgan há 16 anos como CEO e há 15 também como presidente do conselho. Foi sob sua gestão que a instituição atingiu o patamar de maior banco dos Estados Unidos em ativos e maior banco de investimento do mundo em receita – o que explica o longevo posto num setor que costuma ter a cadeira quente. Enquanto a maioria dos concorrentes teve que se refazer durante a crise de 2008 (incluindo a troca de liderança em todos eles), o J.P. Morgan saiu dela maior e mais forte.

“A economia americana hoje parece bem. Os consumidores estão gastando, os balanços das empresas vão bem, mas esse não é o futuro. Os juros subiram mais do que se projetava, há uma guerra na Europa, alta do dólar e maiores dificuldades de negociação com a China. São nuvens de tempestade que podem se dissipar ou virar um furacão”, diz.

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Dimon está particularmente interessado na dinâmica geopolítica e em suas consequências

“Já há sinais iniciais de tempestade. A bolsa caiu 20%, há volatilidade no mercado de créditos, uma enorme volatilidade nos Treasuries, e os IPOs pararam. Pode ser uma recessão moderada, ou algo bem pior que isso. A única razão de a economia americana não estar ainda em recessão é que o consumidor ainda tem muito dinheiro extra dos auxílios da pandemia. Mas estão gastando e, eventualmente, ele vai acabar”, afirma.

Para Dimon, o Fed – que “todo mundo já sabe” ter demorado a agir – vai subir um pouco mais os juros, dar um tempo no ano que vem, e pode haver um período curto de recessão. “Podemos ter um ‘soft landing’, assim como podemos ter uma recessão forte. Ninguém sabe o futuro, mas é melhor estar preparado. Sempre olho para a economia como olho para o clima. Você não sabe se vai chover ou fazer sol.”

O que não vai acontecer, afirma, é a inflexão do índice de preços no tempo que o Fed espera. “A inflação vai cair, mas não no tempo que estão prevendo. O Fed projeta queda para 3% até o final de 2023, mas quase todos os exemplos inflacionários mostram que leva de três a quatro anos para cair 2%.”

O desarranjo econômico global é uma consequência do que os governos e autoridades monetárias precisaram fazer para dar suporte à população durante a pandemia, mas sua intensidade está ligada a um certo exagero nessas reações. “Os BCs e governos fizeram um bom trabalho para sair da pandemia, mas o ‘quantitative easing’ durou mais que o necessário. Esse tempo de QE e de juros reais negativos terá consequências sérias por mais tempo, acredito que seus efeitos negativos ainda não são totalmente conhecidos.”

Para o executivo, Brasil precisa pensar em como se beneficiar da mudança global nos fluxos de comércio

Dimon faz a quase inevitável comparação entre o prazo de reação do Fed e do Banco Central do Brasil, que tem sido recorrente entre economistas globais. “O BC brasileiro, que a propósito é muito capaz, agiu muito rápido, quase seis meses antes do nosso. Claro que os juros machucam, mas já começaram a fazer efeito, e nos lembram que estagflação é muito pior que uma recessão moderada para a população.”

Até aí, está tudo dentro do “playbook” econômico e político, seja com alguma diferença de prazo ou profundidade, avalia. “Essas são coisas normais da economia. Mas ‘quantitative tightening’ não é normal e nunca tivemos antes. Também não é normal quando uma nação europeia livre e democrática é invadida por três mil tanques e 200 mil soldados, sob ameaça de guerra nuclear, e isso afeta o preço do petróleo, do gás, dos alimentos”, diz Dimon, em referência à invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro. “Toda essa especulação sobre economia é menos relevante do que as tensões geopolíticas e se essas vão se resolver de forma moderada. Estão acontecendo coisas muito sérias.”

Dimon nitidamente se interessa e se incomoda com o tema – e talvez seja porque o assunto tem sumido do noticiário e dos relatórios econômicos, tendo suas consequências em alguma medida subestimadas. “Lemos nos livros de história que as guerras não acabam como as pessoas normalmente esperam. Na Primeira Guerra Mundial, achavam que seria uma guerra que duraria um verão, e 30 milhões de pessoas morreram. Essa pode ter uma saída mais moderada, ou não”, diz.

E quais seriam os impactos? “A questão humanitária é a mais importante. Em relação aos ativos, existe um aspecto sério associado aos preços de petróleo, por exemplo. Alguns cenários indicam que pode chegar a US$ 150, tornando ainda mais crítica a situação de países que sofrem com escassez de energia”, emenda Dimon, sobre o cenário de mais curto prazo.

“Não sou uma pessoa pessimista. A única coisa que me deixa pessimista é a possibilidade de guerra nuclear, bioterrorismo, coisas desse tipo. Nunca tínhamos visto uma chantagem nuclear acontecer, espero que as pessoas entendam o senso de urgência e gravidade disso”, afirma Dimon. É especialmente sobre as consequências de médio e longo prazo dessas dinâmicas internacionais que ele tem se debruçado – e diz que o Brasil deveria fazer o mesmo.

“Os países precisam se preocupar mais com a segurança nacional quando fazem acordos comerciais internacionais. Não só os governos, mas também as empresas. Vai haver uma grande reconfiguração do comércio internacional e da cadeia de suprimentos”, diz. “Essa pode ser a questão geopolítica mais séria que você vai presenciar na sua vida toda.”

Neste ponto, Dimon inclui também a nova dinâmica na China, onde Xi Jinping inicia seu terceiro mandato como presidente, já trocou os times de liderança e adotou uma postura mais estadista e ainda bastante restritiva nas medidas contra covid. Há duas semanas, trabalhadores da Apple estavam dormindo na fábrica chinesa uma vez que as estradas foram bloqueadas e o transporte público suspenso com o “lockdown” na região.

“O Brasil precisa pensar em como se beneficiar dessa mudança global nos fluxos de comércio. Pode ser uma oportunidade enorme”, diz Dimon, ressaltando que o investimento estrangeiro direto no México aumentou, com empresas querendo reduzir a suscetibilidade à política chinesa. “Muitos fabricantes saíram da China e foram para o México. Se eu fosse o governo brasileiro, teria uma força-tarefa no momento pensando em como ganhar espaço nesse contexto global.”

E por falar em governo brasileiro, Dimon não foge da pergunta sobre as perspectivas para o país com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva – ainda que a resposta seja bastante política, como faz um bom banqueiro. “Ele foi bastante racional e moderado no governo. Tendo a dar ao novo presidente o benefício da dúvida”, diz. “Seja lá de qual empresa aérea for o piloto, é melhor torcer para que ele faça um bom voo.”

A lógica também vale para o contexto americano, onde aconteceu nesta semana a votação de meio mandato, as chamadas “midterms”. Dimon, que define ter coração democrata e cérebro republicano, não vê grandes mudanças na política ou na economia americana com uma mudança na Câmara. “Os governos precisam de políticas que funcionem independentemente do partido, que não penalize as pequenas empresas, que invista em educação, infraestrutura e crescimento”, reforça.

Há uma preocupação generalizada dos mercados com disciplina fiscal – o que levou a primeira-ministra britânica Liz Truss à renúncia em pouco mais de um mês de mandato e que, no Brasil, chacoalhou ontem dólar e juros após um discurso de Lula sobre plano de gastos. Questionado se o mercado está mais punitivo nesse sentido e se o Brasil, com um governo de esquerda, pode sentir ainda mais essa pressão, Dimon diz que “a relação dívida/PIB está mais alta, em média, em vários países”, e olha o copo meio cheio por aqui.

“Estou otimista com o Brasil. Para a economia, commodities são uma força, não uma fraqueza, já que exportam mais que importam e esse superávit ajuda a controlar a dívida/PIB. Mas, também há uma outra fortaleza no Brasil, que é a tecnologia e inovação. O país tem companhias muito capazes e inovadoras que não estão ligadas a commodities. São fintechs, são companhias do tipo da Amazon, é uma dinâmica que se retroalimenta”, diz Dimon.

Na operação local do banco, o J.P. fez algumas escolhas estratégicas nos últimos anos. Vendeu seu private banking ao Bradesco e, no ano passado, comprou uma participação acionária relevante no banco digital brasileiro C6, que foi fundado por executivos oriundos do BTG Pactual.

“A compra de 40% do C6 foi uma oportunidade, é um ótimo ativo”, diz Dimon, emendando que não teria como competir com os grandes bancos tradicionais com amplas redes de agências, mas que a tecnologia abre uma oportunidade de entrar em um nicho desse mercado. No Reino Unido, o J.P. Morgan tem feito investimentos relevantes em tecnologia para o banco digital de varejo – o que inclusive rendeu (rara) crítica recente de investidores do banco ao CEO, questionando o tamanho e sentido da estratégia.

O banco tem ficado próximo do universo de companhias tecnológicas no mercado brasileiro, ainda que seja conhecido por suas transações de maior porte envolvendo multinacionais com operações locais. “Vim ao Brasil pela primeira vez em 2005. Hoje, nossa operação local é quatro vezes o que era naquela época”, ressalta Dimon, que nesse período fez em média uma viagem por ano ao país – ainda que raramente isso se torne público. Do Brasil, Dimon partiu para a Argentina.

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