O que a Copa de 22 vai revelar sobre a nova forma de torcer pela Seleção Brasileira

Em tempos de smartphones, redes sociais e jejum de títulos, paixão dos brasileiros pela seleção esfria. Será? Veja o que diz quem sabe de bola

Jogo da seleção brasileira pelas Eliminatórias da Copa — Foto: Lucas Figueiredo/CBF
Jogo da seleção brasileira pelas Eliminatórias da Copa — Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Em estádios, bares, lares, ruas, TVs e em outras formas de comunicação e interação, há muito não se torce e vibra com a mesma vontade, emoção e envolvimento de antigamente. Os gritos, os incentivos e os cantos, como o “Eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor” ou o “O campeão voltou”, não unem e engajam como à época de “A Copa do Mundo é nossa/ Com brasileiro não há quem possa” ou “Todos juntos vamos/ Pra frente, Brasil!/ Salve a seleção”, entre outros.

Torcer é um dos principais reflexos da relação do brasileiro com a seleção nacional e o esporte – e, obviamente, não está restrito ao apoio e a canções entoadas por toda uma nação. Com 5 dos 21 títulos da Copa do Mundo, ainda somos os maiores vencedores, embora hoje muitos questionem a máxima de que o Brasil é o país do futebol devido ao desempenho de menor destaque no cenário mundial, à maior profissionalização e à concentração de craques em outros centros nos últimos tempos. O mais recente título da seleção masculina na principal competição foi na Copa do Japão e da Coreia do Sul no longínquo ano de 2002. Caso o hexacampeonato não venha no Catar, o maior jejum da história (de 1970 a 1994) será repetido em 2026, ano do Mundial da América Norte.

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Paciência nunca foi uma característica da torcida brasileira de futebol – em compensação, torcedores de outras nacionalidades mostram apoio incondicional. Uma reportagem recente do jornal “Financial Times” a respeito dos 30 anos da Premier League menciona a tolerância entre os ingleses com a derrota, o que teria ajudado a qualidade do futebol deles. O texto cita uma análise de Johan Cruyff, ex-jogador da Holanda e ex-técnico: “Se você olha para os outros países, eles têm valores diferentes: vencer é sagrado. Na Inglaterra, pode-se dizer que o esporte por si só é sagrado”.

Doutor em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor do artigo “Popularidade do futebol no Brasil: uma análise sociológica”, Ricardo Cortez Lopes argumenta que o esporte ainda é uma válvula de escape para uma sensação de inferioridade do brasileiro, já que houve um passado vitorioso que encantou o mundo por um grande período. “Eu acho que já superamos o complexo de vira-latas [definição de Nelson Rodrigues para o sentimento associado à falta de autoestima nacional] no futebol. Esse comportamento é o que chamo de ‘complexo de Titanic’. O pessoal sente que o navio está para afundar e quer abandoná-lo pelos botes. Há um sagrado tão forte na seleção que as pessoas se voltam contra os jogadores ou o técnico por [supostamente] não serem dignos de representar o país. Eles são os bodes expiatórios para preservar a validade da seleção. Por isso, muitas vezes, elas preferem apoiar o rival em vez do próprio time”, analisa.

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As pessoas não estão se identificando tanto com instituições – isso vai além do futebol”

Ricardo Cortez Lopes, cientista social

“São jeitos diferentes de torcer”, define o comentarista e ex-jogador Júnior, que esteve presente nas Copas de 1982 e 1986 e atuou no Flamengo e, na Itália, no Torino e no Pescara. “O torcedor argentino, principalmente o do Boca Juniors, por exemplo, procura ajudar o time do primeiro minuto ao último – mesmo se estiver jogando mal pra caramba. É diferente do Brasil: se o time não estiver jogando bem nos primeiros 15 minutos ou não estiver correspondendo, o cara já começa a ter uma reação que não vai ajudá-lo em nada – não adianta a vaia; é melhor vaiar no final. Durante o jogo, se houver apoio, isso se reverte para o clube. Mas são maneiras de torcer, e nós somos passionais como eles; só que, com 15 minutos, nossa paciência já foi para o espaço.”

Segundo o cronista Tostão, campeão pelo Brasil em 1970, ano do tricampeonato, o torcedor não acompanhou com a devida atenção a evolução dos atletas europeus e ainda espera que o talento dos nossos jogadores resolva as partidas: “A individualidade brasileira tem também a ver com a sociedade mais egoísta. Por razões parecidas, o torcedor brasileiro é muito mais exigente com os resultados. O torcedor gosta mais de vencer do que do futebol. Alguns países, como a Argentina, possuem uma relação mais apaixonada e mais visceral que o Brasil. Gostam ainda mais do clube do que do jogo e da vitória”.

“A adoração brasileira pelo individualismo, pelos craques e pelos lances bonitos de efeito vem de antes dos anos 1960”, de acordo com Tostão. “Isso era suficiente para vencer as partidas. O torcedor brasileiro adorava a arte de driblar e inventar. Com o tempo, o futebol na Europa ficou mais coletivo. Com isso, para vencer não basta apenas a arte individual. Além disso, os europeus passaram a formar um grande número de bons e inventivos jogadores”, complementa.

A ausência de brasileiros na lista de melhores do mundo nos últimos anos – Kaká foi, em 2007, o último a vencer o título antes da longa hegemonia de Messi e Cristiano Ronaldo – é prova disso. Até bem pouco tempo atrás, Neymar era tido como o nosso craque solitário. Porém, após o destaque de Vinícius Júnior em toda a Liga dos Campeões 2021/2022 pelo Real Madrid e especialmente na final – ao converter o gol contra o Liverpool no fim de maio -, a responsabilidade estará um pouco mais dividida entre os atletas brasileiros no Catar. Após o triunfo, o próprio Tostão escreveu, em sua coluna bissemanal, que Vinícius Júnior já é, ao lado de Neymar, um dos grandes craques brasileiros no futebol mundial.

Nos cinco títulos mundiais, o time sempre contou com mais de um jogador que era destaque nos campeonatos em que atuava. Para Júnior, o técnico da seleção Tite não assumiu o cargo na melhor fase. “O azar dele em relação a outros treinadores campeões é que os caras sempre tiveram à disposição três ou quatro jogadores chamados foras de série, aqueles que faziam a diferença em qualquer situação. E ele, neste último ciclo, tem um jogador [Neymar] que tem problemas extracampo e que talvez não tenha sido a grande referência dentro de campo por contusões”, analisa. Convidado por Tite para trabalhar na comissão técnica nesta reta final de preparação, Júnior não quis “trocar mais de 20 anos de casa [a TV Globo] por meses de trabalho”, sabendo que o treinador deixará o cargo após o término do Mundial.

Atualmente – ou melhor, há décadas – com uma seleção muito mais de brasileiros do que brasileira – ou seja, a maioria dos titulares atua em clubes da Europa e poucos jogam aqui -, o torcedor tem uma relação mais distante com a equipe. Na opinião de Júnior, o fato de, em 1982, a maior parte dos jogadores atuar no Brasil proporcionava maior união entre todos. “Hoje, por mais que acompanhemos os clubes europeus, não é a mesma coisa de quando o torcedor ia para o estádio e via os principais jogadores em ação. Isso faz uma diferença muito grande. Hoje tem maluco como tinha naquela época, e os malucos atualmente são até mais exaltados por causa das redes sociais. Mas, antigamente, a proximidade mais ajudava que penalizava”, diz.

Apesar dos celulares e da internet, atualmente os atletas não têm, segundo Júnior, a mesma conexão que havia no passado. “Existia uma identificação muito forte com o torcedor. Isso, inegavelmente, faz uma diferença muito grande, porque hoje o cara vem ao Brasil jogar pela seleção e, independentemente do resultado, vai embora. Ele não sente cobrança por parte do torcedor”, afirma.

Após a derrota para a Itália no estádio de Sarriá, em Barcelona, na Espanha, em 1982, existia uma preocupação de como seria a receptividade do torcedor. “Uma parte da comissão ficou em São Paulo e, quando descemos no [Aeroporto Internacional do] Galeão [no Rio], sentimos que fizemos alguma coisa direito, porque o Telê foi aplaudido – treinador de seleção ser aplaudido mesmo perdendo é uma coisa surreal para nós, brasileiros. Eles fizeram um ‘corredor polonês’ – a gente saindo, e os caras aplaudindo. Isso mostra que o trabalho foi bem feito naquele período. Ganhar ou perder, nessas horas, fica muito subjetivo. Mas quem viveu aquele momento tem a maior satisfação de ter feito parte daquilo”, analisa.

Muitos jovens torcem mais nos eSports. “Há gamers que começam a ganhar cifras equivalentes às de jogadores de futebol”

Eduardo Cillo, psicólogo do esporte e membro do Comitê Olímpico do Brasil

A Copa de 1982 foi a primeira em que a seleção contou com dois “estrangeiros”: Falcão, volante da Roma, e Dirceu, meia do Atlético de Madrid. Em tempos de otimismo – com sinais de reabertura política -, da democracia corintiana e da ascensão do rock nacional, por exemplo, a Rede Globo, única detentora dos direitos de transmissão, registrou enorme audiência em jogos da seleção, embalada pelo samba “Voa, canarinho, voa”, cantado por Júnior.

Aquele clima não existe mais. Quando jogam em estádios no Brasil, muitos dos atuais jogadores não se sentem totalmente à vontade. “Talvez os mais jovens, até pelo fato de terem ido jogar fora do país, não tenham tanto essa ligação, mas devem sentir falta de estar próximos ao torcedor brasileiro”, diz Júnior. A agenda de jogos da equipe nacional não ajuda a reverter esse cenário: os recentes amistosos contra a Coreia do Sul, vitória de 5 a 1 no dia 2, e o Japão, vitória de 1 a 0 no dia 6, foram disputados em Seul e Tóquio.

A diminuição da torcida da seleção nos estádios em território nacional é uma realidade. Números mostram que o torcedor brasileiro não está disposto a pagar qualquer preço para ver a equipe brasileira in loco. Brasil x Colômbia, jogo das Eliminatórias sul-americanas disputado no estádio do Corinthians, em São Paulo, em 11 de novembro de 2021, teve apenas 22.080 pagantes – o ingresso inteiro mais barato custava R$ 300. Já Brasil x Chile, em 24 de março de 2022, com a entrada integral mais em conta a R$ 80, foi visto no Maracanã por 69.368 espectadores.

Segundo Júnior, os torcedores precisam sentir que o preço pago vale a pena: “A qualidade do espetáculo tem uma importância muito grande: não dá para você assistir a uma peça ou um show que seja mais ou menos. Futebol precisa ser visto como entretenimento profissional. Os ingressos para assistir ao jogo do Flamengo contra o Altos-PI [pela Copa do Brasil] em Teresina custavam até R$ 300, mas é questão do prazer e do entretenimento: quando o cara vai ter outra oportunidade dessas? Fazemos essas escolhas dentro das nossas possibilidades”.

Ainda não é possível mensurar o impacto que a pandemia de covid-19 teve na formação de torcedores. Como houve em 2020 e 2021 jogos com portões fechados, crianças que iriam ver de perto pela primeira vez uma partida de futebol deixaram de fazê-lo. “Quando falamos de transmissão de informação, a internet é maravilhosa. Mas muita gente se apaixona pelo esporte no estádio”, aponta Ricardo Cortez Lopes.

O período sem torcida nos estádios brasileiros fez com que os atletas percebessem a importância dela. “Na maioria dos relatos, os jogadores não sentiam aquele empurrão da torcida a favor ou aquela vontade que você tira lá do fundo quando é xingado. Faltou esse estímulo. Muitos se incomodaram com o fato de que, sem torcida, era possível ouvir o treinador berrar, xingar, o que aconteceu com Fernando Diniz no São Paulo. Parece que fator casa perdeu um pouco de sua influência nos resultados”, diz o psicólogo do esporte Eduardo Cillo, membro do Comitê Olímpico do Brasil.

O clubismo, mesmo na fase áurea de títulos, sempre existiu. Embora o país tenha embarcado na onda do tri no Mundial do México, em 1970, esse período de ouro da seleção não coincide com o mesmo dos clubes de massa e mais populares do país. O Santos de Pelé, o Botafogo de Garrincha e o Cruzeiro de Tostão, por exemplo, nunca foram os times de maior torcida, como Flamengo e Corinthians.

Em 1958, antes de embarcar para o Mundial da Suécia, a seleção brasileira venceu o Corinthians por 5 a 0 em um amistoso no Pacaembu. A torcida corintiana encheu o estádio e vaiou o time prestes a ir ao Mundial porque queria Luizinho, jogador da casa, em vez de Moacir, do Flamengo. Nessa época, muitos torcedores travavam uma disputa sobre qual clube colocava mais jogadores na equipe nacional. Hoje, o clubismo ainda existe, porém a maioria dos torcedores prefere que os seus jogadores não sejam convocados e não haja prejuízo ao desempenho dos times nos campeonatos.

Não haver uma disputa interna tira um pouco da graça do período pré-Copa do Mundo. “Essa competição gerava conteúdo e interação. Quando os jogadores vêm de fora, perde-se um pouco o senso de disputa. A lógica do esporte competitivo passa pelo torcedor; se não existe uma competição – e as redes sociais estimulam um tipo dela -, não há por que ter um apreço tão forte pela convocação. Antes faziam até bolão dos convocados”, analisa Cortez Lopes.

Para o jornalista da ESPN, escritor e professor Celso Unzelte, “todos torciam pela seleção, mas ela nunca esteve à frente dos clubes de cada um”. “Nos anos 1980, Zico demorou para ser aceito em São Paulo e em outros grandes centros fora do Rio de Janeiro. No livro ‘Confissões de um torcedor’, do Nelson Motta, a respeito da Copa de 1982, o goleiro da seleção Waldir Peres é tratado como um frangueiro, o que acho uma injustiça. Alguns jornalistas da velha-guarda até hoje mantêm uma visão ligada àquela época”, explica.

De acordo com Cortez Lopes, a facilidade do acesso aos jogos em qualquer momento tem um impacto na relação com o esporte. “Antes era preciso esperar em frente à TV ou ouvindo rádio para conseguir ter aquele momento. Hoje há acesso a todos os jogos por streaming e programas de futebol. Isso tira um pouco da magia, pois você pode ter a experiência a qualquer momento – e sozinho também. Não precisa daquele grupo para ver futebol. Antigamente, era necessário ir à casa da pessoa que tinha televisão”, explica. “Não ter informação cria o mistério, e tendo o mistério cria-se o sagrado. As pessoas hoje em dia têm tudo documentado, e não existe mistério de imaginar como as coisas são.”

Quando a seleção brasileira foi campeã mundial pela quinta vez em 2002, na Copa da Coreia do Sul e do Japão, não havia redes sociais nem smartphones. O Orkut e o Facebook, por exemplo, foram lançados em 2004; o iPhone, três anos depois, em 2007. A conquista do pentacampeonato foi vista pela torcida brasileira por meio de televisores e foi comemorada com ligações para quem estava distante e, no máximo, envios de mensagens de texto pelo celular.

A primeira Copa acompanhada por um número expressivo de brasileiros com smartphone em mãos foi a de 2014. A acachapante derrota por 7 a 1 para a Alemanha no Mineirão, em Belo Horizonte, durante as semifinais daquele Mundial, representou a primeira enorme comoção do brasileiro em relação ao futebol nesse novo contexto. No Twitter, foram publicadas globalmente 35,6 milhões de mensagens durante aquela partida, estabelecendo – até então – a maior marca da plataforma para um evento esportivo.

Da mesma forma que a internet permite que se participe de discussões on-line sobre futebol, gerando maior engajamento e aumentando a notoriedade da modalidade, dos jogadores e das competições, ela abre infinitas possibilidades de busca por conhecimento e outros interesses que não sejam o futebolístico. Mesmo com a televisão sintonizada em uma partida, não há garantia da atenção do telespectador. “Digamos que o jogo esteja chato, mas, simultaneamente, eu esteja assistindo a um filme legal. Isso pode deixar um significado positivo para aquele momento. Mas há risco maior de eu não entender nada e me desengajar. Se eu estiver vendo um jogo e entrar no fluxo, existirá mais chances de eu gostar dele”, afirma Cortez Lopes.

Uma pesquisa conduzida pela Microsoft no Canadá, em 2013, indicou uma queda do tempo médio em que as pessoas conseguem se concentrar em algo sem perder atenção: em 13 anos, caiu de 12 segundos para 8 segundos. “Os usuários frequentes de multitelas têm dificuldade de filtrar estímulos irrelevantes – são mais facilmente distraídos por vários fluxos de mídia”, diz o relatório.

A menor atenção prestada ao jogo não é o único elemento que pode eventualmente tirar engajamento da seleção brasileira. “A pouca identificação também ocorre porque as pessoas não estão se identificando tanto com instituições – isso vai além do futebol. Um pessoal está se ‘desigrejando’: eles acreditam em Deus, mas não estão em igrejas. Isso vale para religião, para política. Essa desinstitucionalização produz menor identificação, e os clubes são instituições”, aponta o cientista social.

Isso não significa, no entanto, que as pessoas não torçam mais no futebol. “Pela dominação carismática, conceito do Max Weber, o carisma do jogador o induz a querer segui-lo, e você acaba acompanhando a seleção dele”, ressalta Cortez Lopes. Com 447 milhões de seguidores no Instagram, Cristiano Ronaldo certamente conta com a torcida de pessoas que não têm ligação familiar com Portugal – país com cerca de 10,3 milhões de habitantes -, e uma parte desse apoio é transferida para a seleção portuguesa. O sentimento de representação é o que prevalece. “O jogador do meu time pode não ser tão bom, mas está representando-o, então me representa. No fim das contas, é tudo ‘eu’, tudo remete ao ‘eu’”, analisa o estudioso.

O antropólogo Roberto DaMatta, no artigo “Esporte na sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro”, publicado no livro “Universo do futebol”, de 1982, escreveu que a modalidade esportiva é uma das únicas formas de representação individuais e livres no Brasil: “Em um meio altamente hierarquizante, como é o caso da sociedade brasileira, o espaço criado pelo futebol (e por outras modalidades de ‘recreação’, como o Carnaval e as formas de religiosidade popular) abre a possibilidade da expressão individualizada e livre, quando alguém pode revelar-se tal como é, com suas habilidades e fraquezas, sem que, com isso, coloque em risco sua rede de relações pessoais”.

O psicólogo Eduardo Cillo exemplifica: “Posso estar sem arroz e feijão em casa, mas se meu time for campeão vou encher o saco do vizinho, vou gritar na janela, me sentir um vencedor”. Com a popularização das apostas esportivas on-line no Brasil, introduziu-se outro elemento ao ato de torcer, porque o time que pode render algum dinheiro para a casa não necessariamente será o do coração. “Isso pode dividir o torcedor: ‘Torço por esse time, mas não confio nele e vou apostar no rival’.”

O futebol não é visto por muitos jovens, todavia, como a representação máxima de atividade que requer torcida. Os campeonatos de jogos eletrônicos são acompanhados por milhões de pessoas simultaneamente. “Inclusive há gamers que começam a ganhar cifras equivalentes às de jogadores de futebol”, comenta Cillo. “Esses universos até dialogam: existe equipe de eSports do Flamengo, por exemplo. Há um ponto de contato. No caso do Flamengo, existe uma torcida específica do time de ‘League of Legends’, a Urubarons – mistura de personagem do jogo com urubu. Outro dia foram fazer protesto lá na sede do clube, na Gávea, contra a gestora da divisão flamenguista de eSports.”

“Como hoje em dia existem muitas opções de pertencimento, acho que o futebol perde força”, constata Cortez Lopes. Por mais que a sociedade esteja tão fragmentada – a seleção brasileira, cuja camisa é usada por grupos políticos, vai estrear na Copa do Mundo de 2022 menos de um mês após o possível segundo turno eleitoral -, é claro que, em novembro e dezembro, o mesmo fenômeno visto a cada quatro anos se repetirá: empresas liberando funcionários para assistir às partidas, famílias e amigos se reunindo para acompanhá-las, bares e restaurantes lotados. Desta vez, a disputa será acompanhada, pela primeira vez na história, durante a primavera no Brasil. Quem sabe a estação, com seus dias mais longos e quentes, proporcione um clima de maior festa, maior apoio – e mais paciência – na trajetória até o tão aguardado hexacampeonato?

Por Gílson Yoshioka e Andrei Spinassé — Para o Valor Econômico, de São Paulo.
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