Mulher no comando ainda é raridade entre empresas listadas na B3
Levantamento da Inteligência Financeira aponta que em metade das empresas do Novo Mercado e do Nível 2 da B3 não há mulheres na liderança
Empresas brasileiras classificadas como referências em governança estão devendo em relação a boas práticas de equidade de gênero no comando.
É o que mostra um levantamento da Inteligência Financeira com 218 companhias listadas no Novo Mercado e no Nível 2 da B3.
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Segundo os dados, em 106 delas não há nenhuma mulher na diretoria estatutária.
Em uma de cada quatro, também não há presença feminina no conselho de administração.
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Um cruzamento dos dados mostrou que em 28 instituições todos os membros das duas principais esferas administrativas são homens.
Mulheres presidem o conselho administrativo em apenas 12 empresas listadas. CEOs (presidente-executivo) são mulheres em somente cinco.
Mulher no comando: dados da B3
Isso está em linha com o que a B3 vem detectando há cerca de 3 anos, quando começou a mapear o tema, com 343 empresas listadas.
A última edição do seu levantamento, divulgado em agosto, apontou que, de cada 100 companhias do universo, 55 não tinham mulheres em cargos de diretoria estatutária.
Além disso, em 36 de cada 100 não havia participação feminina entre os conselheiros de administração.
“As discussões sobre equidade de gênero não têm se refletido nos números das empresas”, disse a diretora de emissores da B3, Flavia Mouta.
Assim, para tentar mudar esse quadro de mulheres no comando, a própria B3 vem tomando medidas internas para o avanço na equidade de gênero.
O objetivo é, num segundo momento, propor práticas para o mercado.
Numa delas, emitiu bônus no mercado atrelado a um série de metas de boa conduta, incluindo maior equidade de gênero.
Desta forma, quanto mais atingir as metas, menos pagará de juros sobre os títulos.
Uma das métricas traçadas é a de atingir 35% de mulheres na liderança a partir da gerência até 2026. A companhia fechou o ano passado com 29%.
Mulheres no comando: evolução pequena
Dados mais amplos de mercado indicam que tem havido avanços objetivos das empresas no tema nos últimos anos para além de apenas campanhas da Semana da Mulher e equivalentes.
Segundo a consultoria Great People, de 2006 a 2021, a presença feminina em cargos gerenciais das empresas cresceu de 22% para 34%.
Há cerca 20 anos, a instituição responsável pelo selo Great Place to Work (GPTW) reconhece empresas com melhores práticas de recursos humanos.
“Em nível de gerência o assunto está quente, mas conforme se sobe escala hierárquica, preocupação das empresas com o tema esfria”, disse Daniela Diniz, diretora de relações institucionais da consultoria.
Dentro da pesquisa da Inteligência Financeira, o caso da Natura (NTCO3) ilustra essa realidade.
Segundo documentos da empresa, 5 mil de seus 8,3 mil funcionários são mulheres.
Isso, sem contar a ampla maioria de suas quase 8 milhões de consultoras.
Além disso, a presença feminina é predominante até os cargos de gerência da empresa de cosméticos, com 470 mulheres e 336 homens.
Na diretoria-executiva da empresa, porém, todos os 5 membros são homens. No conselho de administração, as mulheres são 3 dos 9 integrantes.
Consultada, a Natura preferiu não se manifestar.
Falta de visibilidade para mulheres
Para Daniela, da GPTW, esse cenário mostra que, embora haja um universo crescente de mulheres mais qualificadas, elas perdem visibilidade quando postos-chave são o assunto.
Aí, prevalecem critérios como as relações de longo prazo entre investidores e seus representantes nas empresas, reputação e experiência.
“Falta um pouco as empresas abrirem a cabeça e buscarem oxigenar os critérios para indicação”, disse ela.
Em vez de apenas basearem no relacionamento, os acionistas deveriam mirar capacidades como parâmetro para seus representantes nos conselhos.
E, para Flavia, da B3, é equivocada a ideia de que o baixo número de mulheres no comando das empresas tenha a ver com baixa qualificação feminina para tal.
“É um problema mais de falta de visibilidade dessas profissionais”, disse.
IBGC: programa para formar mulheres
Para tentar mudar esse quadro, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) criou há 10 anos um programa para formar e mostrar ao mercado talentos femininos para compor os conselhos das empresas.
Iniciativas pontuais como essa têm ajudado a melhorar a diversificação no comando das companhias, porém numa velocidade muito inferior à presença do assunto nos debates sobre governança.
Ou até retrocessos. A última pesquisa da B3, por exemplo, notou que o número de empresas do Novo Mercado com mulheres no conselho caiu de 74% para 70% entre 2022 e 2023.
Assim, para a diretora-geral do IBGC, Valeria Café, falta ao meio empresarial uma visão mais clara de como a maior diversificação na liderança pode ser positiva para os negócios.
Nesse aspecto, diz ela, incluir maior presença feminina no comando é apenas o começo de um processo, que progressivamente deve também envolver diversidade étnica e de raça, de idade e de orientação sexual.
Metas e resultados
Valéria citou estudos que mostram que essa diversificação reduz os riscos das empresas por dar visões mais amplas, incentiva a inovação, agrega mais valor para a sociedade, além de tornar os negócios mais sustentáveis.
Adicionalmente, para as esferas administrativas realmente terem maior capacidade de produzir mudanças, a participação desses públicos deveria ser de ao menos 30% do comando das empresas.
E, conforme dados do próprio IBGC, apenas 17 empresas na B3 atingem esse critério atualmente.
Na outra ponta, o levantamento da Inteligência Financeira, em cerca de 40% das empresas pesquisadas há apenas uma mulher no conselho de administração, alguns formados por até 12 membros.
“Para mudar esse quadro é preciso que as empresas tenham metas”, disse Valeria.
Metas para melhorar nessa frente não são assunto desconhecido para boa parte das empresas observadas.
Pelo menos 100 delas são signatárias do Pacto Global da ONU, que entre outros objetivos, inclui avanços em equidade de gênero na liderança.