Mudanças no ICMS provocam revisão de projeções fiscais
Economistas reduzem previsão de resultado primário com expectativa de renúncias tributárias
A perspectiva de sanção do projeto de lei que estabelece um teto para a alíquota de ICMS sobre certos bens e serviços (o PLP 18), somada à expectativa de novas medidas em que governos teriam de abrir mão de receitas na tentativa de controlar a inflação às vésperas da eleição, tem levado economistas a ajustarem suas projeções fiscais para o Brasil neste e, principalmente, no próximo ano.
Com dados de arrecadação surpreendendo recorrentemente para cima – impulsionados por uma atividade mais forte, pelo preço de commodities em alta e pela inflação elevada -, muitas casas passaram a esperar novo superávit do setor público consolidado em 2022, englobando o governo central (Tesouro Nacional, Previdência e Banco Central), Estados/municípios e estatais. Ao mesmo tempo, as expectativas para a relação dívida bruta/PIB, que atingiu 89% em 2020 com a pandemia, melhoraram, ficando abaixo de 80% para este ano, auxiliadas ainda por um PIB nominal maior.
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Após o resultado primário (receitas menos despesas, sem considerar gastos com juros) do setor público consolidado de R$ 64,7 bilhões em 2021 (0,75% do PIB), o primeiro positivo desde 2013, o Banco do Brasil esperava um superávit acima de 1% em 2022 e números positivos em 2023 e 2024.
As medidas aprovadas no Congresso nos últimos dias, no entanto, e outras compensatórias aos Estados que zerarem o ICMS sobre o diesel e o gás neste ano, em discussão em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no Senado, deverão gerar renúncia na arrecadação ao redor de R$ 95 bilhões em 2022, calcula o BB. “Com isso, esperamos um superávit primário de 0,3% em 2022. Para 2023 e 2024 esperamos déficit primário de 0,3% e 0,2%, respectivamente”, diz a equipe de assessoramento econômico.
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Após a aprovação do PLP 18, o Safra também reduziu sua projeção de superávit primário do setor público consolidado de R$ 48 bilhões (0,5% do PIB) para R$ 25 bilhões (0,3% do PIB) em 2022, ao mesmo tempo em que o déficit já projetado para 2023 subiu de R$ 32 bilhões (0,3% do PIB) para R$ 81,8 bilhões (0,8% do PIB), devido, principalmente, à perda de receita dos Estados. A projeção de 2022 não contempla a aprovação da PEC compensatória aos Estados, o que ainda acarretaria transferências perto de R$ 30 bilhões (0,4% do PIB), segundo o Safra.
Considerando apenas o governo central, o BTG Pactual projetava superávit de R$ 2 bilhões neste ano, mas, com a aprovação do PLP 18, disse que planejava reduzir para um déficit de R$ 14 bilhões. “E se a chamada PEC dos Combustíveis também for aprovada, então nossa estimativa diminuirá para um déficit de R$ 37 bilhões”, escreveu o economista Fabio Serrano.
Apesar de até considerar parcimoniosas as compensações da União até agora, o Safra antevê deterioração da relação dívida/PIB nos próximos 18 meses. Somando os efeitos fiscais do PLP 18 – que também prevê zerar impostos federais sobre gasolina e etanol neste ano – à dinâmica de endividamento, houve apenas ajuste na estimativa de dívida bruta de 81,2% para 81,3% do PIB em 2022. Para 2023, porém, a previsão passou de 84,6% para 85,4%. A XP, que previa uma dívida/PIB de 78,3% neste ano e de 82,4% no próximo, também já antevia que, no caso de aprovação do PLP 18 e das desonerações de combustíveis, a dívida pública cairia menos em 2022, chegando a 79,2%, e voltaria a subir com mais força em 2023, atingindo 84,1%.
Ao incorporar em seus cenários o PLP 18, o Barclays elevou em quase um ponto percentual sua projeção de dívida/PIB para 2022, agora em 77,7%, tanto por causa da diminuição das receitas quanto pelo PIB nominal menor, com uma inflação supostamente mais baixa. “Não descarrila o trem, mas limita a melhora circunstancial de 2022”, diz Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do banco.
Ele alerta que o que Brasília pode chamar de “excesso de receitas”, para justificar as medidas, se dá em relação ao Orçamento previsto, mas não é suficiente para estabelecer um superávit primário consistente para o país. “E, quando a gente vê cortes permanentes de impostos feitos em momentos em que os principais ‘drivers’ de surpresa são preços de commodities – que estão em alta hoje, mas podem estar em baixa à frente -, surgem preocupações”, diz Secemski. As propostas, nota ele, também vão ficando mais arrojadas, incluindo não só redução de impostos, mas também gastos acima do teto, como para a eventual compensação aos Estados, o que é um ponto de inflexão mais perigoso.
O mercado não necessariamente reage aos riscos na mesma medida, em parte, porque os dados para este ano ainda devem ser relativamente bons, observa Secemski. O acompanhamento do Barclays indica um déficit primário do governo central de 0,2% do PIB em 2022, o que ainda seria o melhor número desde o resultado positivo de 2013. Para o setor público consolidado, a expectativa é de ligeiro superávit, de 0,1% do PIB.
“Quantitativamente, não estamos falando de números que gerem uma preocupação imediata. Mas, qualitativamente, é ruim, porque é a segunda vez em cerca de seis meses que se discute mudança do teto”, diz Secemski, em referência ao debate sobre os precatórios no fim de 2021. “Uma regra que muda com frequência não é uma regra.”
Mesmo com as desonerações de curto prazo, o endividamento deve ser melhor em 2022 do que o projetado inicialmente, mas, a partir de 2023, o cenário é “muito nebuloso”, segundo Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional.
Do lado das despesas, “não sabemos sob qual arcabouço fiscal estaremos”, diz ele, por causa do cenário pós-eleitoral. Do lado das receitas, há dúvidas a respeito do caráter temporário ou não de certas desonerações deste ano.
Apesar de incertezas sobre a implementação das medidas, o monitoramento do Santander continua indicando um pequeno déficit ou um número próximo de zero para o setor público consolidado neste ano. Na semana passada, antes mesmo da aprovação final do PLP 18, o Itaú Unibanco já tinha revisado sua projeção de primário em 2022 de superávit de 0,5% para um resultado zerado, apesar de ter melhorado o déficit em 2023 de 0,3% para 0,1% do PIB, assumindo a hipótese de não perpetuação das medidas de redução de tributos.
Com o aperto da política monetária, nem seria preciso uma piora muito significativa do primário para fazer a dívida crescer em 2023, observa Bittencourt. “A Selic média de 2022 deve ser mais baixa que a de 2023, ou seja, na média, você vai estar se financiando mais caro no ano que vem. Além disso, devemos ter menos inflação, então esse ‘efeito denominador’ vai ser menor, e, eventualmente, [haverá] menos crescimento”, diz.