Após guerra em Israel, rigor com inflação diante de mudanças na economia global se tornou ainda mais importante, diz Mario Mesquita, do Itaú

Em entrevista à Inteligência Financeira, Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, analisa os destaques do encontro anual do FMI, em Marrakesh

Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco. Foto: divulgação/Itaú-Unibanco
Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco. Foto: divulgação/Itaú-Unibanco

Os governos devem cuidar melhor da despesa pública e aumentar suas receitas ou correm o risco de prejudicar os esforços dos bancos centrais para controlar a inflação. “A atenção a inflação dos países, diante de uma possível mudança (para pior) no cenário econômico global, tornou-se ainda mais importante”, diz Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, em entrevista à Inteligência Financeira.

Esse foi o recado mais relevante do encontro anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Marrakesh, capital do Marrocos, entre os dias 12 e 15 de outubro, do qual Mesquita participou.

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 O Fundo traçou um cenário menos pessimista para a situação fiscal do Brasil. O FMI espera que o país apresente déficit primário de 1,2% do PIB neste ano. O Brasil teria as suas contas em dia somente em 2025. ‘A decisão de adotar uma meta contínua (em vez de ano-calendário) de inflação de 3% a partir de 2025 é um exemplo concreto de uma melhoria na eficácia operacional’, disse o Fundo, em relatório.

Em relação à economia brasileira, o FMI vê o país crescendo 3,1% este ano, ante 2,1% da última estimativa. O cenário desenhado pelo Fundo coloca o Brasil em ritmo superior ao do crescimento esperado para a economia global neste ano. Porém, abaixo do previsto para países emergentes e em desenvolvimento, de 4%. Economias como China, Índia e México devem crescer em ritmo superior ao do Brasil, na visão do FMI.

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Nesta entrevista à Inteligência Financeira, Mario Mesquita analisa os destaques do encontro anual do FMI, em Marrakesh.

Em seu relatório econômico mais recente, o FMI reviu para cima o PIB do Brasil para 2023. O Fundo também melhorou a projeção para a inflação, que deve fechar o ano em torno de 4,3% e ficar em 4,5% ao fim de 2024. O que explica a visão mais otimista para o Brasil?

A edição mais recente do World Economic Outlook do FMI, apresentada em Marrakesh, com as projeções do fundo para os países membros da organização, trouxe um quadro mais desafiador para a economia mundial. Os dados mostram uma economia global com crescimento mais baixo e inflação mais resistente. É um quadro que requer gestão bem cuidadosa da política econômica pelos países membros do fundo. As projeções do fundo foram feitas antes da eclosão do conflito no Oriente Médio. Isso também adiciona uma camada de incerteza sobre as perspectivas da economia global.

Em relação à nossa região, a América Latina, as projeções do FMI não diferem muito das projeções de mercado e nem das projeções do Itaú. No caso específico do Brasil, o fundo tem uma visão de expansão em torno de 3%. Para o ano que vem, em torno de 1,5%. O FMI mostra um cenário de aterrisagem das economias latino-americanas, depois de um processo de aperto monetário, que está começando a ser revertido em alguns casos.

Mas 2024 ainda vai ser um ano em que, para muitos países da região, o aperto da política monetária anterior vai dominar a dinâmica da atividade econômica no curto prazo. Tem exceções, como os países que sofreram problemas climáticos neste ano, caso do Uruguai (com seca prolongada e altas temperaturas), que tendem a ter um crescimento mais forte no ano que vem (o PIB do Uruguai cresceu 4,9% em 2022 e o FMI prevê expansão de 1% para a economia do país em 2023 e de 4,2% em 2024).

No geral, entretanto, vemos uma aterrisagem das maiores economias da região, caso do Brasil e do México.      

Segundo o Fundo, “agricultura dinâmica, serviços resilientes e consumo com estímulo fiscal no 1S23” geraram crescimento mais forte do que o esperado. Qual a perspectiva para o segundo semestre do ano? O que falta para vermos um consumo mais pujante no Brasil?

Com relação às perspectivas setoriais, vimos uma participação grande do agronegócio no Produto Interno Bruto no primeiro trimestre. No entanto, o agro devolveu parte desse crescimento no segundo trimestre.

Agora, uma das razões para termos surpresas sequenciais com relação ao nível de atividade econômica do país é o fato de, talvez, os economistas estarem subestimando o efeito do agro sobre os outros setores da economia.

O consumo pode sim estar sendo sustentado pelo crescimento do agronegócio, que leva a um aumento de renda em algumas regiões, que tem um efeito multiplicador, que pode gerar um impulso extra para o consumo.

Olhando adiante, temos o desemprego ainda baixo, uma dinâmica salarial relevante com salários subindo, num ritmo robusto. Então, a renda real tende a ter um crescimento, desde que a inflação seja contida.

Os fatores mais importantes impulsionado o consumo agora são o agronegócio e o mercado de trabalho, e menos o crédito. Apenas agora as taxas de juro começaram a cair e vai demorar um tempo para isso bater na ponta e virar uma expansão mais agressiva do crédito.

Por que o Brasil tem menos destaque na seara global do que outras economias, como é o caso de China, Índia e México?

A China, pela sua magnitude, vai sempre ser olhada com atenção. Mesmo não estando em um momento brilhante do ponto de vista de atividade econômica. O país está com problemas no setor imobiliário, por exemplo, que parecem difíceis de resolver. E, também não teve uma recuperação pós pandemia tão intensa. Mas é a segunda maior economia do mundo, atras apenas dos Estados Unidos. E, por isso, é acompanhada de perto, assim como os Estados Unidos, pelo FMI.

A Índia é uma economia que tem mostrado um crescimento importante. Tem demografia favorável e parte de um nível de renda per capita mais baixo. Então, o país está naquele estágio do desenvolvimento que pode apresentar de fato números bem vistosos de expansão. Isso chama atenção tanto do FMI, mas também do setor privado. Muitos clientes (do Itaú) me perguntam se a Índia é a nova China.

Quando se fala do México, há toda a discussão do ‘nearshoring’, a transferência de atividades econômicas, especialmente industriais, para países próximos de grandes centros consumidores do ocidente. O México, na América Latina, é o país mais bem posicionado para se beneficiar dessa tendência do ‘nearshoring’. O país já tem elos fortes com os Estados Unidos. Cadeias produtivas, como por exemplo na indústria automotiva, já são muito integradas. Existe no caso do México esta narrativa de crescimento mais forte por causa do efeito do ‘nearshoring’. Eu não ouço narrativas semelhantes envolvendo outros países da região.

Não surpreende, portanto, estes três países terem maior projeção global neste momento. A China, pelo tamanho. A Índia pelo potencial de crescimento. E o México pela narrativa do ‘nearshoring’.

A Índia é a nova China?

Eu não tenho uma visão totalmente formada a respeito do país. Eu pretendo viajar a Índia, no começo do ano que vem, para entender mais, investigar mais. A Índia tem baixa renda per capita. É mais fácil para os países fazer a transição da baixa renda per capita para o nível médio de renda per capta, do que sair da média renda para a alta renda per capta.

A Índia está nesta primeira parte da jornada, com possibilidade de ver sua população mudar da baixa para a média renda per capta. E pode, por isso, ter um crescimento mais forte nos próximos anos ou até décadas.

Por outro lado, é um país complexo, com uma governança particular, com muitas diferenças culturais e linguísticas. Ainda tem uma regulação estatal bem pesada para alguns setores da economia. Ou seja, existe uma possibilidade sim (da Índia ser a nova China), mas não é uma certeza.

A guerra em Israel, após os ataques do Hamas, teve início dias antes do encontro anual do FMI em Marrakesh. Qual foi a repercussão?

Além da questão humanitária, que é trágica, e todos lamentam, a guerra é um novo fator de incerteza para a economia mundial. Nem bem saímos da pandemia, veio a guerra na Ucrânia. Continua a guerra na Ucrânia e agora tem este conflito no Oriente Médio. Entramos nesta década num mundo mais turbulento, tanto do ponto de vista geopolítico quanto econômico, do que tivemos nos primeiros anos do século.

Há maior volatilidade nos mercados, na economia e na política. Isso tudo adiciona um grau de incerteza muito grande, que é negativo para a atividade econômica. É um momento que requer cautela. Quanto maior a incerteza, mais vale a pena as famílias e as empresas esperarem para tomar decisões que impliquem em gastos relevantes. Isso acaba desacelerando a economia.   

Que reflexões e conclusões você traz de Marrakesh?

Um tema que foi bastante debatido é a possibilidade de uma recessão global e seus efeitos sobre a inflação nos países da América Latina e Estados Unidos.

No Brasil, esse tema está ligado a discussão de política monetária. Caso o mundo entre em recessão, a inflação global cairia. A chamada inflação importada (que engloba alta de preços global — especialmente em commodities) ficaria mais baixa. Por outro lado, poderia aumentar a aversão ao risco, o que implicaria um prêmio de risco maior e pressão sobre o risco-país, que por sua vez leva o câmbio (o dólar) para cima.

Nós próximos meses, é preciso monitorar a perspectiva da economia global. Caso haja uma piora, qual fator vai predominar: a redução da inflação importada ou a pressão sobre as moedas? Em alguns países vai ser o primeiro caso. E aí, a política monetária vai poder ser distendida de forma mais rápida. Em outros países, poderemos ter o segundo caso. Nestas situações, a política monetária precisa ser mais cautelosa.

A atenção a inflação dos países, diante de uma possível mudança (para pior) no cenário global, tornou-se ainda mais importante. Esse foi o recado relevante do encontro anual do FMI em Marrakesh.

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