Mansueto, do BTG: ‘É muito difícil apostar na recuperação do grau de investimento’

O economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, se coloca entre os que ficaram surpresos com a decisão da Moody’s de elevar a nota de crédito do Brasil

O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, se coloca entre os que ficaram surpresos com a decisão da agência de classificação de risco Moody’s de elevar a nota de crédito do Brasil.

Segundo ele, ainda não há clareza sobre quais medidas serão tomadas pelo governo para conter o avanço das despesas obrigatórias. Assim, há questionamentos sobre como o governo vai manter o arcabouço fiscal de pé.

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Isso torna impossível responder a pergunta sobre quando a dívida pública brasileira deve iniciar sua trajetória de queda. Para Mansueto, a agência “deu um voto de confiança muito grande ao governo”.

Confira entrevista de Mansueto ao Valor Econômico, parceiro de conteúdo da Inteligência Financeira.

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Analistas se surpreenderam com a decisão da Moody’s? Como recebeu a notícia?

Também fui surpreendido. Quando a gente olha a dinâmica da dívida daqui para frente, ela é pior hoje do que era no início do ano. Tínhamos metas de primário mais audaciosas, embora o mercado tivesse muita dúvida se o governo iria entregar a meta de primário zero.

Começou também uma dúvida muito grande se o governo conseguiria cumprir o arcabouço fiscal, que limitava o crescimento da despesa em 2,5%.

Desde então, tivemos uma abertura muito forte da curva de juros. O juro real da NTN-B longa passou de 5,3% no início do ano e para perto de 6,3%, apesar da queda de juros nos EUA. Por enquanto, não há nenhum sinal de que o juro longo vai cair.

Além disso, no início do ano, era esperada uma Selic um pouco abaixo de 10%. Agora, o mercado espera que o juro termine o ano no mesmo nível do fim do ano passado, de 11,75%.

Esperávamos, neste governo, um crescimento da dívida em torno de 10 pontos percentuais do PIB. Hoje esperamos um crescimento de 12 pontos, ou seja, de 3 pontos por ano.

Na verdade foram duas coisas, o upgrade e o ‘outlook’ positivo. Em um período de 12 a 18 meses, o Brasil pode voltar a ser grau de investimento. Então também estou na lista dos surpreendidos.

A Moody’s enfatizou o crescimento ao fazer o ‘upgrade’…

Temos que concordar que, desde 2021, o ritmo de crescimento da economia brasileira tem sido muito acima do que era esperado. Em 2021 era difícil estimar a velocidade da reabertura do setor de serviços.

Em 2022 e 2023, foram anos de grande expansão fiscal, com crescimento real da despesa de mais ou menos 6% e 12,5% respectivamente. Quase 20% real em dois anos.

Isso, com certeza, trouxe crescimento, que não é sustentável. Dito isso, também tem o efeito das reformas. Antes da pandemia, economistas calculavam que o PIB potencial era de 1% a 1,5%.

Hoje, calculam que é em torno de 2%. Tivemos sim uma surpresa de crescimento.

O crescimento deve ser menor em 2025?

Sim, por conta dos juros. O juro nominal deve ir para a casa dos 12%, com uma inflação esperada de 4%.

Isso dá 8% de juro real. Tende a desacelerar a economia, que é exatamente o que o BC quer para reduzir a inflação.

O problema é que o déficit nominal vai ser maior. Como a curva de juros está em um patamar mais alto, no próximo ano, esperamos um déficit nominal de 8% do PIB.

O próprio relatório da Moody’s diz que espera que o governo tome medidas para fortalecer o arcabouço e reduzir o crescimento da despesa obrigatória. Também espero o mesmo.

Isso deve acontecer?

É uma incerteza. Já há acordo político? Qual a concordância, na base do governo, com essas medidas, e quais são elas?

A gente escuta da área econômica que há sim um esforço e que, possivelmente, serão apresentadas medidas para mudar a dinâmica do gasto obrigatório, mas ninguém sabe quais são essas medidas.

Então, a Moody’s deu um voto de confiança muito grande ao governo.

Alguns economistas apontam que, relativamente, o fiscal brasileiro não piorou como em outros países do mundo, o que pode ter contribuído com a visão mais positiva da agência. Concorda?

São cenários diferentes. Quando comparamos o Brasil com países pares, temos uma dívida pública mais alta.

Outros países do mundo, como o juro é bem menor, o esforço fiscal que eles precisam fazer para estabilizar a dívida é menor que o do Brasil.

Pagamos um juro real de quase 6,5% ao ano. O juro real da Selic vai para 8% ao ano. Isso leva a uma dinâmica de crescimento da dívida pior que em outros países.

Por isso não dá para fazer essa comparação.

Há saída para diminuir o prêmio de risco da curva no Brasil?

A notícia boa é que, quando você dá os sinais adequados, o mercado reage muito rápido.

Se o governo conseguir fazer reformas no crescimento da despesa obrigatória, mesmo que aos poucos, o mercado reage rápido.

O arcabouço fiscal traz confiança?

O governo atual tem um problema. Ele próprio nos mostrou em relatórios oficiais, em declarações do ministro da Fazenda e da ministra do Planejamento que, sem mudanças nas regras de vinculação e desindexação de alguns itens da despesa em relação ao salário mínimo, o arcabouço fiscal não fica de pé depois de 2025.

Teríamos problemas de 2026 em diante, já que as despesas discricionárias iam ficar em um patamar muito baixo e, eventualmente, teriam que ir para zero no início do próximo governo. Já sabemos que serão necessárias mudanças para tornar o arcabouço fiscal consistente.

Se o governo começar a propor, mesmo que seja no fim deste ano, as mudanças que indiquem uma desaceleração no crescimento das despesas obrigatórias, podemos ter uma surpresa e um recuo muito grande e rápido nos juros.

É uma questão de deixar claro o que será feito para deixar o arcabouço fiscal consistente, que hoje não é.

Acredita que virão medidas neste sentido?

Espero que sim, mas há dúvidas. A primeira é como a equipe econômica vai convencer toda a ala política do governo. E também como será a negociação no Congresso para aprovar uma pauta de novas medidas fiscais.

Mas não tem muita saída. Se não for feito nada, em algum momento o governo tentará mudar a regra fiscal do teto de crescimento da despesa de 2,5%. Se não vier nenhuma medida para reduzir o crescimento da despesa obrigatória, o governo vai ter que cortar investimento público, que já é baixo, em 2026.

Fica a dúvida: será que qualquer governo cortaria investimento em ano de eleição? É preciso fazer algo agora ou o juro real alto pode acabar derrubando a taxa de investimento no Brasil.

A revisão da Moody’s fortalece a narrativa de que a redução dos gastos precisa acontecer?

É possível que exista uma interpretação de que o que já foi feito é suficiente. Se for essa, vai acabar sendo muito ruim.

Por outro lado, a equipe econômica pode criar a narrativa de que a própria agência deixou claro que espera que o governo fortaleça o arcabouço e que será preciso propor medidas ao longo dos próximos seis meses para não perder o viés positivo na nota.

E se as reformas não vierem, a equipe econômica pode argumentar que o país não chegará ao ‘investment grade’.

Quando perguntamos para o mercado, que é a conjunção da opinião de muitas pessoas, o que foi que aconteceu com a curva de juros hoje? Ela caiu muito fortemente?

Não. Ficou basicamente constante.

Acredita que o grau de investimento pode vir?

Dado o cenário de hoje, acredito que não. Como não está claro o cardápio de medidas, é muito difícil apostar na recuperação do grau de investimento.

Para isso, eu teria que responder a pergunta que a Moody’s tenta responder, mas outras agências ainda não respondem: a partir de qual ano, com o arcabouço fiscal atual, a dívida pública bate em um teto e começa a cair de forma consistente?

Para responder essa pergunta, eu precisaria partir do pressuposto de que o arcabouço fiscal atual vai funcionar por vários anos.

E já aprendemos que, com o próprio governo, ele não fica de pé. A Fitch tem um cenário-base de que, até 2028, a dívida cresce todos os anos. Não é um cenário em que há revisão de nota.

Com informações do Valor Econômico.

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