Felipe Salto, da Warren, defende novo sistema de gastos para educação e saúde, sem correção automática
Economista-chefe da Warren apontou também necessidade de desindexar a Previdência do salário mínimo
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, segue caminho certo na sua disposição de aumentar a arrecadação para implementação do ajuste fiscal. Contudo, os esforços não são suficientes para reduzir gastos, e isso deveria incluir novos modelos de investimentos em educação e saúde.
A avaliação é do economista-chefe da Warren, Felipe Salto, que falou em entrevista exclusiva à Inteligência Financeira.
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“Temos de debater um novo sistema para os gastos com saúde e educação, sem essa correção automática”, disse o economista, que foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal.
Dessa forma, Salto falou também da necessidade de se “reduzir o peso dessas emendas parlamentares”, que têm avançado, de maneira crescente, sobre o Orçamento, e de desindexar a Previdência Social do salário mínimo urgentemente. “Não tem nada de cláusula pétrea. Isso é invencionice”, sentencia.
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Assim, na visão do economista, a perspectiva de uma taxa de juros terminal maior coloca ainda mais pressão sobre a necessidade de corte de gastos.
“Fica mais difícil de estabilizar a relação dívida/PIB nesse contexto”, avalia. “O lado das despesas tem de começar a ser atacado, se não o Novo Arcabouço Fiscal pode desmoronar precocemente”, complementa Salto.
Então, leia a seguir a entrevista.
Como você avalia a saúde fiscal do governo central levando em conta os últimos dados, de déficit de R$ 266,5 bilhões, equivalente a 2,40% o PIB, em doze meses até abril?
Os resultados acumulados em doze meses até abril não representam uma boa fotografia do quadro fiscal porque estão maculados pelo pagamento de precatórios do ano passado, conforme determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) e pela antecipação de despesas também dessa natureza no início deste ano.
Entendo que o importante dos resultados do quadrimestre está na forte elevação das receitas líquidas do governo central, que subiram 9% acima da inflação frente ao mesmo período de 2023.
A despesa está pressionada, me preocupa a liberação de discricionárias e também acendo o alerta para gastos obrigatórios, como a Previdência, que o governo ainda segue subestimando no relatório bimestral do Orçamento.
De todo modo, evitar novas bombas fiscais e manter o ritmo da arrecadação afasta um quadro mais gravoso no curto prazo. É preciso seguir com o compromisso da meta fiscal zero. Difícil atingi-lo, mas mudar agora seria um desastre completo.
Como você avalia a diferença entre o desempenho fiscal de entes regionais e do governo central?
Os governos estaduais e municipais estão apresentando uma piora significativa nos seus resultados. Era previsível. Muitos aumentaram salários e contrataram mais gastos sem ter previsão à altura para as receitas.
Agora, acabam colhendo esse fruto amargo.
Já entre os estados, particularmente, há situações muito distintas. São Paulo segue com um quadro positivo, por exemplo, como sempre foi, nos últimos quase trinta anos.
Já os mesmos de sempre estão com problemas e não estamos nem perto de resolver. Exemplo: Rio de Janeiro e Minas Gerais, sem contar Rio Grande do Sul, que agora tem sua situação agravada pela tragédia.
Como a perspectiva de juros terminais mais altos afeta essa questão do endividamento dos governos e da limitação de investimentos?
Os juros mais altos, no fim do ciclo, poderão afetar fortemente o custo da dívida pública. A dinâmica da dívida é muito sensível à Selic porque praticamente metade do passivo é atrelado a essa taxa. Mesmo os títulos indexados à inflação e os pré-fixados acabam refletindo o quadro de juros de curto prazo mais altos, com efeitos sobre toda a curva e, portanto, sobre o custo médio ao longo do tempo.
Fica mais difícil de estabilizar a relação dívida/PIB nesse contexto. O ideal é que estivéssemos praticando uma política fiscal mais dura também no lado dos gastos.
O ministro (Fernando) Haddad teve muito sucesso com diversas medidas do lado das receitas, que corrigem benesses tributárias históricas. Isso é muito positivo e precisa ser repetidamente aplaudido. Mas o lado das despesas tem de começar a ser atacado, senão o Novo Arcabouço Fiscal pode desmoronar precocemente. E olha que ele não é líquido e, portanto, não precisa ter o destino de desmanchar-se no ar. É sólido, a meu ver. Mas precisa ser cumprido.
Há um temor do mercado com relação à atuação das estatais. Por serem empresas criadas pelo governo, não deveriam assumir, também elas, protagonismo no desenvolvimento do país?
Não estou excessivamente preocupado com Petrobras, por exemplo, ou outras estatais relevantes. Há, sim, uma tendência de ampliar investimentos com mais força, o que se reflete, no caso da empresa que citei, no plano de cinco anos mais ambicioso, com mais de US$ 100 bilhões de dólares.
As mudanças de gestão também geraram turbulências, mas, até o momento, é preciso reconhecer que não houve barbeiragens, como no passado. O presidente Lula sabe bem como caminhar em meio a esse campo minado. De todo modo, a tendência a maior intervencionismo é nítida e esse risco tem de ser acompanhado. No fim do dia, se bobear, sempre sobra para o Tesouro, a viúva de sempre.
Eu vejo empresas estatais com muito pragmatismo, talvez próprio da minha formação na Fundação Getúlio Vargas, que mescla aspectos do desenvolvimentismo – fui aluno de Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano – com a linha fiscalista, que sigo à risca, também comungada pelos dois professores citados.
É que não estamos fazendo direito nem uma coisa nem outra.
É preciso revisar todos os gastos públicos e cortar despesas e gastos tributários com maior ênfase e convicção.
Porém, mais do que ênfase e convicção, é preciso efeito relevante, para aí sim os juros reagirem e nos ajudarem a reduzir o custo do investimento produtivo, única via para voltar a crescer mais.
As estatais, voltando ao tema da sua pergunta, podem se justificar, mas é sempre preciso avaliar caso a caso. Aspectos fiscais, de mercado e também outras questões estratégicas. Não se trata de ou privatizar tudo ou não privatizar nada. Tarcísio (de Freitas), em São Paulo, está indo bem nessa matéria. Todos estamos acompanhando a boa condução.
As medidas de aumento de arrecadação e controle de gastos são suficientes para entregar o equilíbrio fiscal que o mercado deseja e crescimento necessário para cumprir as promessas de campanha?
Não são. O Novo Arcabouço Fiscal, como disse, só para de pé, por longo período, se avançarmos no corte de despesas. Há muito por fazer, mas todas as medidas que eu poderia aqui cogitar têm custos políticos. A vida é dura mesmo. Não tem jeito.
É preciso desindexar a Previdência Social do salário mínimo urgentemente. Não tem nada de cláusula pétrea. Isso é invencionice. Temos de debater um novo sistema para os gastos com saúde e educação, sem essa correção automática com base em indicadores de receita pública.
É muito importante reduzir o peso dessas emendas parlamentares, que tomaram uma proporção tal, hoje em dia, que espreme o investimento de boa qualidade, em grandes obras de infraestrutura.
Há muito por ser feito. Mas é preciso ter disposição de entrar em cada uma dessas feridas e providenciar o seu tratamento adequado.
Quanto às medidas de arrecadação, no ano passado e também neste ano, com a recente decisão sobre créditos do PIS/Cofins, por exemplo, o governo está acertando.
Foram dez medidas, pelo menos, com efeito relevante sobre a receita futura. E estão corrigindo distorções econômicas, o que deve aumentar e não reduzir a atividade econômica. Isso é o que muitos não enxergam ou fazem que não enxergam. Haddad está corretíssimo na agenda de justiça tributária. Falta agora o lado do gasto. E é urgente, como já falei.