Não há má vontade com Lula e aposta do mercado foi pró-real, diz economista-chefe do C6
Felipe Salles: corte de R$ 26 bi teria impacto limitado; entenda.
A disparada do dólar e a queda da bolsa brasileira nas últimas semanas levantaram questionamentos sobre o descasamento entre a política econômica e o mercado financeiro. Nesse sentido, a economia avança e a inflação parece controlada. Contudo, a política fiscal do país é apontada como uma questão problemática por agentes do mercado.
Nesse sentido, em entrevista à Inteligência Financeira, Felipe Salles, economista-chefe do C6, diz que o corte de gastos públicos de R$ 26 bilhões anunciado pelo governo Lula deve ter efeito lateral.
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“Medidas como desvinculação ou desindexação não devem avançar. Sem essas medidas, a magnitude de cortes pode ficar limitada”, avalia.
Má vontade com Lula?
Ele discorda que exista má vontade do mercado com Lula e lembra que “as apostas majoritárias ao longo deste ano foram num fortalecimento do real”. Além disso, destacou que a máxima para o dólar veio no governo anterior. Porém, ressalta que existe “uma preocupação legítima” com gastos públicos.
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O economista diz ainda que o anúncio de cortes de gastos públicos feito recentemente “vai na direção correta”. Contudo, alerta que ainda não é certo que esses cortes serão implementados. “O valor é muito desafiador”.
Por fim, Salles avalia que os juros devem ficar estáveis no Brasil após recuo do dólar nos últimos dias. Assim, o câmbio se aproxima do seu valor de equilíbrio, segundo o economista: perto de R$ 5,50.
Enquanto isso, nos Estados Unidos a queda dos juros deve ser parcimoniosa, ainda que a inflação e o mercado de trabalho estejam esfriando. “O Fed deveria ter paciência e serenidade, evitando o risco de cortar cedo demais”, avaliou.
Leia a entrevista com economista.
Como você avalia o humor do mercado com Lula, existe má vontade tendo em vista que em governos anteriores o arcabouço fiscal acabou furado e no caso de Bolsonaro as declarações não eram exatamente as mais favoráveis à estabilidade que o mercado procura?
Felipe Salles – Não me parece que haja uma má vontade. Por exemplo, há sinais de que as apostas majoritárias ao longo deste ano foram num fortalecimento do real, não o contrário. E o dólar chegou ao seu valor máximo no governo anterior, não no atual. O que existe é uma preocupação legítima com os gastos públicos e a saúde das contas.
Qual sua avaliação sobre o anúncio do corte de gastos de R$ 26 bilhões e como ele deve afetar a percepção sobre risco no país?
Felipe Salles – O anúncio de cortes de gastos obrigatórios vai na direção correta, é boa notícia. No entanto, ainda não é certo que esses cortes serão implementados, o valor é muito desafiador. De qualquer forma, o anúncio mostra que há preocupação com os gastos públicos e teve efeito concreto no dólar, que devolveu parte da valorização recente. Isso reduziu a pressão inflacionária à frente, o que permite ao BC manter a taxa de juros em 10,5% até o final do ano.
Como você crê que o governo lidará com a questão fiscal agora, depois do anúncio dos cortes, tendo em vista que Lula ganhou a eleição com discurso expansionista?
Felipe Salles – Acreditamos que haverá algum esforço para cortar gastos, mas deve ser menos concentrado em medidas estruturais. Por exemplo, medidas como desvinculação ou desindexação não devem avançar. Sem essas medidas, a magnitude de cortes pode ficar limitada. Por outro lado, acreditamos haver espaço para reduzir os chamados gastos tributários, mas há restrições políticas para avançar nesse caminho.
O mercado vai cobrar mais cortes?
Felipe Salles – Não me parece que o mercado esteja cobrando cortes. Na minha visão, existe, sim, uma preocupação com o arcabouço fiscal. Uma preocupação se o limite de gastos vai ser mantido.
Além disso, existe uma percepção de que, caso os gastos obrigatórios continuem crescendo nos ritmos atuais, esse limite tenha, mais cedo ou mais tarde, que ser alterado, ampliado ou abandonado.
Então, aí está a relevância do anúncio, ele sinaliza que o governo está disposto a se esforçar para manter o novo arcabouço fiscal.
Com relação ao câmbio, as projeções apontavam dólar abaixo de R$ 5 no início do ano. Qual a projeção agora?
Felipe Salles – Nossas projeções sempre indicaram um dólar acima de R$ 5. Mudamos muito pouco a nossa visão. O cenário de juros ainda elevados nos Estados Unidos e riscos fiscais domésticos altos impede, no nosso entendimento, um dólar abaixo deste valor.
A projeção da dívida interna, de acordo com o Boletim Focus, do Banco Central, é de elevação nos próximos anos.
Dificilmente teremos superávit primário nas contas públicas num futuro próximo. O comportamento da conta corrente também não é exuberante. Ou seja, acreditamos que o câmbio esteja próximo do seu valor de equilíbrio. Prevemos dólar em R$ 5,50 no final do ano.
Alguns analistas colocaram na conta das falas do Lula a disparada. Você concorda?
Felipe Salles – Parcialmente. O que realmente importa, o que vem em primeiro plano, é que a situação fiscal preocupa, e esse problema não vem de hoje, está conosco há décadas. Essa situação deixa a economia vulnerável a uma maior volatilidade. Somente quando colocarmos as contas públicas em ordem é que vamos ver o dólar recuar de forma mais robusta e significativa. Mas não estamos nesse ponto, ainda há muito trabalho a ser feito.
Qual a sua projeção para o início dos cortes de juros nos Estados Unidos?
Felipe Salles – Acreditamos que os cortes de juros nos Estados Unidos começarão no último trimestre deste ano. O mercado de trabalho segue aquecido, mas está perdendo força, o que coloca menos pressão sobre os salários, que vem crescendo acima da produtividade. A inflação segue acima da meta, mas vem apresentando tendência de queda. Na nossa visão, dado o cenário acima, o Fed deveria ter paciência e serenidade, evitando o risco de cortar cedo demais. Mas reconhecemos que o momento de iniciar o ciclo de cortes está se aproximando.
Existe possibilidade de aumento de juros para este ano no Brasil? Se isso acontecer, qual será o resultado para o investidor de irmos na direção contrária à dos EUA?
Felipe Salles – Existe, mas é pequena. Seria necessária uma nova rodada de deterioração do câmbio ou de desancoragem das expectativas de inflação. Ou seja, uma alta de juros seria resultado de uma piora adicional das perspectivas dos agentes econômicos. Não temos visto isto ocorrer: o dólar recuou e as expectativas têm de estabilizado. O mais provável é vermos juros estáveis até o final do ano.
E para a economia, qual seria o resultado desse descasamento?
Felipe Salles – O cenário de alta de juros no Brasil com queda de juros nos Estados Unidos seria reflexo de uma maior percepção de risco na economia brasileira, em particular com relação à política fiscal e aos riscos de inflação no médio prazo. Apesar da deterioração recente, ainda estamos relativamente longe desse cenário.