Aqui, ali, em todo lugar: juros altos definem nova era no mercado global

Nesta "Super Quarta", o banco central brasileiro deve manter a Selic no maior nível desde 2016, e o americano, aumentar para o mais alto desde 2008

Ruas da Times Square, centro de compras, distante cerca de 6 km de Wall Street, mercado financeiro em Nova York - Foto: James Ting/Unsplash
Ruas da Times Square, centro de compras, distante cerca de 6 km de Wall Street, mercado financeiro em Nova York - Foto: James Ting/Unsplash

Nesta quarta-feira (21), o Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) deve confirmar que uma nova era está começando para o mercado financeiro global.

Depois de mais de uma década de inflação e juros baixos, com generosos estímulos do governo americano à atividade econômica, o Fed deve aumentar a taxa de referência das operações de crédito em 0,75 ponto percentual, para o intervalo 3%-3,25% ao ano, de acordo com a maioria das previsões.
Será o terceiro aumento consecutivo da mesma magnitude, mas o que faz da atual reunião do comitê de política monetária do Fed um divisor de águas é a esperada sinalização de que haverá outras altas e os juros permanecerão no patamar mais alto desde a bolha do mercado imobiliário de 2005-2006.

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A autoridade monetária americana está aumentando sua taxa básica para tentar controlar a inflação, que está no maior nível em 40 anos. Em julho, o índice de preços ao consumidor dos EUA (CPI, na sigla em inglês) desacelerou para 8,5% em 12 meses dos 9,1% de junho, alimentando forte otimismo de que o pior já havia passado – a inflação tinha atingido um pico e dali em diante cairia fortemente. Mas não. O CPI surpreendeu e ficou em 8,3% em agosto, com núcleo (inflação excluindo os preços de energia e alimentos, tido como muito voláteis) subindo de 5,9% em julho para 6,3%.

Somado ao discurso duro dos membros do comitê do Fed, que em todas as suas aparições públicas têm frisado que o banco não medirá esforços para conter os preços, esse indicador enterrou de vez o otimismo. A decisão desta quarta (21) deve corroborar a visão, agora pragmática, de que o cenário está muito mais difícil do que se poderia imaginar.

E vai piorar. O resultado esperado de um aumento de juros é desacelerar a economia. O economista iraniano-americano Nouriel Roubini, apelidado de Dr. Doom (algo como Dr. Catástrofe) por ter previsto a crise financeira global de 2008, disse à agência de notícias Bloomberg nesta segunda (19) que espera uma longa e difícil recessão para os EUA, com quedas de até 40% das Bolsas de Valores americanas.

O mar vai virar sertão

A combinação de juros baixos e estímulos econômicos dos últimos anos não foi exclusiva dos EUA. Ao contrário, repetiu-se em muitos países, beneficiando bastante o mercado de ativos de renda variável, especialmente as ações de empresas negociadas na Bolsa.

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Boa parte do dinheiro recebido do governo foi usado para investimentos financeiros. Esses recursos que ficavam sobrando buscavam aplicações que pagassem mais do que a renda fixa (na Europa, a taxa de juros real chegou a ficar negativa). Quanto mais sobrava, maior o risco que os investidores aceitavam correr para tentar receber retornos mais gordos. Essa foi a onda que alimentou as startups, empresas seminais de tecnologia. As pouquíssimas que dão certo enriquecem os investidores que nelas apostaram desde o começo, compensando aportes que não foram bem-sucedidos.

Esse mundo está ficando para trás.

“O mundo deve passar por um período em que a inflação vai ficar mais alta do que se estava acostumado, por mais tempo. Não no nível que está agora, mas se acomodando entre 4% e 6% ao ano, o que é alto para os EUA e a Europa”, diz Dan Kawa, estrategista-chefe da gestora TAG Investimentos. “Isso demanda uma política monetária mais apertada por mais tempo.”

Com juros altos, inflação, recessão e a retirada de estímulos, o dinheiro antes abundante vai secar. Os investidores estão se tornando mais e mais cautelosos, buscando refúgio novamente na renda fixa.

E o Brasil?

O enxugamento deve atingir o Brasil, na opinião dos especialistas. As nações emergentes oferecem a possibilidade de ganhos maiores para os investidores porque são vistos como mais arriscados. Então, os estrangeiros podem escolher tirar seus recursos do país para aplicar em renda fixa nos EUA.

O BC brasileiro começou a aumentar os juros em março do ano passado, um ano antes do americano, por isso está em uma situação um pouco mais confortável. Após registrar uma deflação de 0,68% em julho, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) voltou a ficar negativo em 0,36% em agosto, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em sua reunião do início de agosto, o Copom (Comitê de Política Monetária do BC) aumentou a taxa básica Selic em 0,5 p.p., para 13,75% ao ano, sinalizando que pararia por aí. Assim como o Fed, nesta quarta (21) o comitê brasileiro vai anunciar seus próximos passos na estratégia para conter a inflação, e a ampla expectativa dos analistas é de que mantenha os juros no nível atual.

Há uma minoria projetando mais um aumento de 0,25 p.p., mas, na avaliação de Marilia Fontes, sócia-fundadora da casa de análises de investimentos independente Nord Research, o mais provável é que o Copom segure a Selic nesse patamar por mais tempo. “Acredito que só vai começar a recuar no segundo semestre do ano que vem”, afirma.

Não está fácil, para os economistas, fazer previsões. Diversos aspectos do cenário atual vão contra as teorias clássicas. Por exemplo, a taxa de desemprego no Brasil caiu para 9,1% no trimestre encerrado em julho (dados mais recentes disponíveis). É a menor porcentagem desde outubro de 2015.

“Com a alta dos juros, o esperado era que o desemprego aumentasse”, diz Fontes. Para ela, a explicação que mais faz sentido é que os estímulos dados pelo governo brasileiro recentemente estão ajudando a impulsionar a atividade. Nos últimos meses, o governo federal cortou impostos dos combustíveis e da energia elétrica, aumentou o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e concedeu abonos para os taxistas e caminhoneiros.

A pressão inflacionária desses estímulos pode diminuir bastante a efetividade da política monetária. Se causarem uma nova onda de aumentos de preços, o BC teria que elevar mais a Selic antes de voltar a reduzi-la.

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