Escolha de diretor vai testar governo e autonomia do Banco Central

Vaga para área de política monetária vira marco na relação da gestão Lula com um BC autônomo

Fachada da sede do Banco Central, em Brasília (DF). Foto: Adriano Machado/Reuters

Apontada como um possível marco nas relações da gestão Lula com o Banco Central autônomo, a indicação do próximo diretor de política monetária do BC tem provocado debates dentro do governo federal. Ainda não há consenso sobre um nome, segundo o Valor apurou. Mas discute-se qual o perfil ideal do escolhido, se essa seleção deve ser articulada com o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, e a repercussão de uma eventual opção heterodoxa tanto no mercado quanto no Senado, responsável pela sabatina e aprovação do nome.

Internamente, a avaliação no BC é que não haverá ruído nessa articulação, a qual deve tomar corpo só depois da eleição para presidente do Senado e da definição de quem presidirá a Comissão de Assuntos Econômicos da casa (CAE). Aposta-se em uma boa relação com a equipe econômica e em uma escolha “consensual”. Conforme mostrou o Valor recentemente, o presidente do BC já sondou economistas do mercado para o cargo, a fim de levar sugestões ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O mais cotado por Campos é o economista do Santander Sandro Mazerino Sobral.

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No governo, observa-se em silêncio a movimentação. O assunto é tratado como “em aberto”.

A vaga na Diretoria de Política Monetária será aberta formalmente no dia 28 de fevereiro, quando terminam os mandatos do atual titular, Bruno Serra, e também do diretor de fiscalização, Paulo Souza. Mesmo que não sejam reconduzidos, eles podem aguardar no cargo a nomeação dos novos membros.

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Porém, a expectativa é que Souza permaneça no colegiado por mais quatro anos, já que sua posição é mais técnica e normalmente ocupada por servidores da casa. Serra, por sua vez, decidiu que não quer continuar. Sua opção já era conhecida desde o ano passado. Agora, contudo, o debate sobre seu sucessor ocorre em meio aos recentes comentários do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista à “GloboNews”, a respeito da necessidade de o Brasil ter um BC formalmente independente.

Lula também criticou o patamar atual da taxa básica de juros e a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a qual, segundo ele, atrapalha o crescimento da economia. A meta de inflação para 2023 é de 3,25%, podendo oscilar 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Já a Selic está em 13,75% ao ano, patamar que será reavaliado na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Nesse contexto, alas do governo não descartam a indicação de alguém que faça um contraponto, dentro do Copom, à atual gestão. Na avaliação de fontes do Executivo, esse discurso pode ganhar força, a depender da decisão do colegiado em sua próxima reunião.

Essa postura não é consensual. Um outro grupo argumenta que tal abordagem elevaria as preocupações no mercado com o comportamento da inflação e ampliaria a desconfiança entre os agentes econômicos.

Uma fonte do Executivo reconhece que as projeções compiladas pelo BC no Boletim Focus já apontam esse risco. Para essa fonte, deve-se ter em mente que as expectativas podem se deteriorar ainda mais num cenário de incertezas em relação à condução da política monetária, mesmo que os fundamentos econômicos atuais não justifiquem esse temor.

Nos bastidores, aponta-se também o risco de o Senado não aprovar um nome que possa criar ruídos na economia.

A escolha dos diretores e do presidente do BC é uma prerrogativa do presidente da República. Mesmo depois da aprovação da autonomia do BC, permanece sendo do chefe do Poder Executivo a assinatura do despacho com os nomes, que é encaminhado ao Senado com as indicações.

No Senado, cabe à CAE sabatinar o indicado e fazer a votação do parecer de um relator, o qual, por fim, é apreciado pelo plenário. As votações são secretas.

Estas são apenas as primeiras vagas que irão se abrir na diretoria do BC nos próximos anos. O próprio cargo de presidente deve ficar vago em 2024, uma vez que Campos já afirmou publicamente que não pretende ser reconduzido.

Em dezembro, em entrevista coletiva para apresentação do Relatório de Inflação dois dias depois de se encontrar com o ministro da Fazenda, Campos disse que esse sempre foi um processo discutido com outros membros do colegiado, e que algumas cadeiras são “mais técnicas” e precisam ter continuidade na gestão. “O que a gente tem discutido e o que eu conversei com o ministro Haddad é que o ideal é que a gente continuasse conduzindo esse processo de uma forma suave e consensual”, ressaltou na ocasião.

Ex-diretor de política monetária, Reinaldo Le Grazie, atualmente sócio da Panamby Capital, acredita que a junção de experiências do setor privado, público e da academia “funciona bem”. Segundo ele, a atual equipe de Campos tem essa característica. “Entendo que o governo não queira alguém do mercado nessa posição, mas o BC tem ótimos servidores. Acho que seria uma boa solução também. Levar alguém do mercado gera um ganho na integração e troca de experiências, mas escolher um servidor também tem vantagens”, afirma.

Já o ex-diretor de assuntos internacionais do BC Tony Volpon pondera que este não é o melhor momento para se fazer uma escolha não consensual, especialmente por ser a primeira troca no colegiado pós-autonomia, em um governo com ideias divergentes em relação à gestão anterior. “Quando a questão fiscal for definida, o grau de liberdade na política monetária do atual governo será maior. Agora ainda temos muita incerteza fiscal.”

Ele ressalta que, apesar da reação negativa do mercado às críticas de Lula à autonomia do BC, o petista não deu sinais de que pretende adotar atitudes concretas, como revogar a lei. Além disso, ele lembra que o presidente costuma ser pragmático em suas decisões.

Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro e sócio da Oriz Partners, vê com preocupação as declarações do presidente e uma possível intenção de indicar diretores “inadequados” à função. “Na diretoria do Bruno Serra [política monetária], o novo membro vai lidar diretamente com a gestão de liquidez do sistema financeiro e com o mercado de câmbio”, diz. “É preciso ter conhecimento técnico apurado. A melhor opção seria ter um consenso. Não faz sentido ter alguém que tenha perfil inadequado a essa função.”

Segundo ele, o mercado “está de olho” nessa transição porque é a primeira que ocorre depois da aprovação da autonomia. “A ideia de consenso é absolutamente fundamental”, frisa. “O presidente da República tem a prerrogativa da escolha, o Ministério da Fazenda pode ter sugestões, não vejo problema que seja feito a quatro mãos e que o BC também dê opinião”, completa.

Para Ricardo Barboza, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), é importante que “se busque alguma diversidade intelectual” dentro do Copom, independentemente da origem do futuro diretor: academia, mercado ou o próprio BC. Segundo ele, o histórico indica que o risco de uma nomeação inadequada é “muito baixo”.

Por Larissa Garcia, Renan Truffi, Fabio Murakawa, Estevão Taiar e Fernando Exman

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