Transição para ‘economia verde’ e IA pressionam fiscal, diz Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do FMI

Professor da Universidade de Chicago e ex-presidente do banco central da Índia, Raghuram Rajan participa, na segunda-feira (14), do Macrovision, evento de economia do Itaú BBA

Raghuram Rajan: professor da Universidade de Chicago e ex-presidente do banco central da Índia. Foto: Divulgação/Universidade de Chicago
Raghuram Rajan: professor da Universidade de Chicago e ex-presidente do banco central da Índia. Foto: Divulgação/Universidade de Chicago

A demanda por gastos para financiar a transição verde, o investimento em infraestrutura para manejar a inteligência artificial (IA) e a crescente militarização ao redor do mundo devem continuar a impulsionar gastos públicos e privados e a pressionar as taxas de juros globais, avalia Raghuram Rajan, professor da Universidade de Chicago e ex-presidente do banco central da Índia (RBI).

Raghuram Rajan concedeu entrevista ao repórter Gabriel Roca do Valor Econômico, parceiro de conteúdo da Inteligência Financeira.

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Segundo Rajan, o cenário de juros reais mais altos demanda atenção e acende um alerta para países que têm um grande estoque de dívida e baixo crescimento.

Na visão de Rajan, também ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), os sinais de que a economia dos EUA se mantém aquecida, com um mercado de trabalho pujante, sugerem que a taxa de juros de equilíbrio do país — aquela que não acelera nem desacelera a atividade econômica — pode ser mais elevada do que se imaginava anteriormente.

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Isso implica que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) pode precisar ser mais cauteloso na condução do afrouxamento monetário e promover menos cortes de juros que o esperado.

O economista estará no Brasil na próxima semana para participar do Macrovision, evento do Itaú BBA sobre macroeconomia.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista a Gabriel Roca, do Valor Econômico.

Os fortes dados do mercado de trabalho dos EUA em setembro mudaram a perspectiva sobre o ritmo de cortes de juros nos EUA. O que o sr. espera em termos de política monetária à frente?

Acredito que o Fed será bastante vigilante e há menos pressão agora para cortar os juros. Provavelmente haverá alguma reavaliação. É curioso como os dados acabaram nos movendo de um extremo para o outro. A desinflação vinha ocorrendo mesmo sem uma desaceleração forte na economia.

Havia uma sensação de que talvez tivéssemos um ‘soft landing’. Aí tivemos o ‘payroll’ [relatório de emprego] de julho, que foi bem ruim, com uma grande revisão para baixo nos dados de criação de emprego.

O que aconteceu foi que o Fed viu esse dado como a possibilidade de ter ficado atrás da curva. Em setembro, o Fed corta os juros em 0,5 ponto e o que acontece é que o ‘payroll’ de setembro vem bastante forte…

E isso muda o cenário?

A boa notícia é que a economia não está caminhando para uma recessão. E a notícia potencialmente não muito boa para o Fed é que o mercado de trabalho permanece bastante forte. Portanto, eles precisam se manter atentos.

A inflação está caindo, mas a melhora da inflação de serviços depende de um mercado de trabalho estar relativamente frouxo.

Se ele voltar a se apertar e o crescimento dos salários for forte, podemos ver um repique da inflação. Isso significa que o Fed precisa ser cauteloso em decidir o tamanho dos cortes de juros.

O Fed acertou em focar mais no mercado de trabalho?

Com os dados que eles tinham em setembro, eles escolheram ser mais agressivos. Presumo, agora, que se eles soubessem o que viria pela frente, teriam começado com 0,25 ponto.

Mas é preciso seguir os dados e o que isso significa é ser mais cauteloso à frente. Isso não quer dizer, no entanto, que o primeiro corte foi um erro.

Então o ponto final do ciclo precificado pelo mercado, com juros por volta de 3%, está correto?

A economia americana ainda está forte, o que sugere que a taxa real de equilíbrio é um pouco maior do que imaginávamos. O juro atual, que era imaginado como extremamente restritivo, provavelmente não é tão restritivo assim.

Se essa tendência continuar, haverá menos cortes e em um ritmo mais lento. Vejo o juro neutro de curto prazo ao redor de 3%. É preciso acrescentar a isso mais 0,5 ponto ou um pouco mais de prêmio a termo.

É possível imaginar que a taxa de juros de 10 anos hoje reflete o que é o juro de equilíbrio de longo prazo, por volta de 3,8% a 4%. Portanto, o Fed tem menos espaço para cortar até chegar ao equilíbrio. E isso indica que ele também deve ser mais cauteloso.

Isso tem a ver com a política fiscal dos EUA?

Há uma série de fatores, mas, com certeza, os EUA estão em um déficit fiscal enorme para o que é, essencialmente, um período de crescimento elevado.

Há demandas que pressionam o fiscal e vou citar três delas: os investimentos para fazer a economia ‘mais verde’; a necessidade de trabalhar com a inteligência artificial e todas as formas de digitalização, o que demanda investimentos em infraestrutura; e a terceira é a preparação para a guerra e a militarizaçã.

Ao redor do mundo, mas nos EUA também, isso está consumindo recursos.

Esses fatores vão impulsionar gastos, tanto públicos quanto privados, e pressionar as taxas de juros.

Um mundo endividado e com juros altos é preocupante?

Rajan: O que faz a dívida menos sustentável é o juro real alto com baixo crescimento. Felizmente, algumas razões dos juros reais mais altos vêm de necessidades de investimento mais elevadas, que podem desencadear um crescimento mais forte no futuro. Não vamos voltar à situação de estagnação secular que víamos antes da pandemia.

Mas, à medida que o aumento dos juros reais excede as possibilidades de crescimento, temos problemas maiores. Esse é um cenário que precisa ser analisado país a país, mas aqueles com dívidas elevadas podem ficar insustentáveis, como a Itália, que tem níveis elevados de dívida e baixo crescimento.

Se eles tiverem que enfrentar níveis muito altos de juros, por um fenômeno global, seria um cenário difícil.

A sustentabilidade da dívida é um assunto observado de perto no Brasil…

E o Banco Central tem elevado as taxas de juros, em parte, em reação a esses riscos. No longo prazo, alguns dos países emergentes que acumularam muitas dívidas recentemente podem enfrentar dificuldades.

Não acho que é um problema imediato para o Brasil ou o México, mas podem virar um problema maior caso o tema não seja tratado com atenção.

Os sinais da economia americana mostram que ela segue robusta. Se o Fed precisar manter os juros altos, isso coloca muitos países emergentes alertas. É preciso cuidado.

A Índia tem atraído grande otimismo entre os mercados emergentes… Como vê o cenário?

É preciso separar o crescimento de curto prazo do crescimento potencial de longo prazo. No curto prazo, as coisas estão razoavelmente boas. A Índia cresce razoavelmente rápido, de 6% a 7% ao ano, e pode seguir nessas taxas por algum tempo.

Há uma expansão gigante de infraestrutura na Índia, um pouco como na China no início dos anos 2000, e há muito dinamismo e companhias sendo criadas.

Há desafios?

A maior preocupação na Índia, e que certamente tem relação com as preocupações no Brasil, é se todos estão sendo beneficiados deste crescimento. Para isso, todos precisariam de um emprego razoável. Um problema que a Índia tem hoje é um elevado nível de desemprego.

Se observarmos a indústria, o crescimento tem sido mais nos setores de capital intensivo, e não nos setores de mão de obra intensiva. E parte do problema é que a mão de obra indiana, por ser barata, nem sempre é bem qualificada.

Há uma preocupação mais estrutural?

A infraestrutura da Índia está melhorando, mas o mundo está se tornando mais protecionista em relação à manufatura. Portanto, seria muito difícil para a Índia ser um gigante da manufatura, como a China, no ambiente em que a Índia está crescendo.

Frequentemente há iniciativas no Brasil de proteger a indústria local. Esse é um bom caminho para um país avançar?

Eu não quero ser um pessimista sobre a manufatura. Há exemplos de sucesso no Brasil, como a Embraer. Eu diria que a manufatura e os serviços estão ficando cada vez mais difíceis de serem separados. Há muitos serviços que estão conectados à manufatura.

Há mais propriedade intelectual no design dos produtos e muitas maneiras de distribuí-los. Mas, às vezes, a manufatura é apenas o aspecto de commodity de toda a cadeia de suprimentos.

Sim, existem empregos na manufatura, mas grande parte do valor agregado está em coisas como a propriedade intelectual, que não está necessariamente ligada ao “chão de fábrica”.

O sr. acredita que deveria haver incentivos mais equilibrados entre os setores?

Com o tipo de população que o Brasil e a Índia têm, é possível que pelo menos uma parte da população se concentre em fazer programas de computador, inovar em novos medicamentos e coisas do tipo.

Não é que devemos mudar completamente da manufatura para os serviços, mas não devemos incentivar excessivamente a manufatura, pensando que é a única maneira de crescer.

Existem caminhos alternativos ao crescimento, mas muitos deles requerem que você faça das pessoas o seu maior ativo. Por meio do investimento em saúde e educação, mais pessoas tenham mais chances.

O sr. identificou riscos antes da crise de 2008. Quais grandes riscos o sr. monitora atualmente?

Obviamente os grandes riscos são aqueles que não conseguimos enxergar. Por exemplo, o que poderia acontecer se as guerras escalarem a um nível ainda mais preocupante? E se uma delas escalar para um conflito nuclear?

Os riscos geopolíticos são muito grandes e difíceis de incorporar aos cenários. Sempre que há bastante otimismo nos mercados, como atualmente, qualquer risco pode criar muita turbulência e transformar um mercado financeiro tranquilo em um mercado muito feio.

Como estamos em termos de regulação nos mercados?

Rajan: Parece que fizemos um trabalho razoável nos grandes bancos. Mas sempre que os grandes bancos não estão assumindo riscos, eles migram para outros lugares do sistema e o que é mais difícil de dizer é para onde esses riscos migraram.

Seria uma ilusão os reguladores dizerem que não há mais riscos, que eles já foram endereçados, já que esse sistema está sempre assumindo novos riscos.

Houve episódios recentes de quebras de bancos nos EUA…

Quando o Silicon Valley Bank (SVB) quebrou, vimos que muitos desses bancos estavam assumindo riscos de liquidez. Isso passou despercebido pelos órgãos reguladores. Há um novo documento do Fed que mostra que houve 22 corridas bancárias em andamento na época em que o SVB quebrou.

O problema foi resolvido com um resgate maciço. Basicamente, eles garantiram todos os depositantes não segurados do sistema e as corridas pararam, mas foi uma grande falha de supervisão.

Os riscos nesse lado, então, estão controlados?

Quando você pergunta aos reguladores, eles não estão satisfeitos com o quanto fizeram no ‘shadow banking’, o sistema financeiro não bancário. Eles parecem regular o sistema financeiro visível de forma razoável.

Mas pense em todos os fundos de pensão, mútuos, mercado monetário, hedge funds, private equity. Quando você vê tudo isso junto, não fica claro apontar onde estão os riscos.

Em termos econômicos, o sr. está otimista com o futuro?

Acho que é fácil ser pessimista. Acredito que uma maneira de ser otimista é olhar para as décadas passadas e perguntarmos se estamos melhores ou piores. Estamos em um momento de tempos ruins sem precedentes?

Eu acredito que não. Falando em termos econômicos, certamente temos o desafio da dívida crescente à frente e temos investimentos muito importantes a fazer. A mudança do clima afeta de maneira desproporcional os países em desenvolvimento, como o Brasil está experimentando.

É fácil ser pessimista, mas acredito que, como seres humanos, criamos problemas, mas também inventamos soluções. Sou sempre um otimista em relação à tecnologia.

Que tipo de tecnologia?

Já temos o potencial para tornar os carros realmente elétricos. A China tem a capacidade de produzir muito, o que estamos deixando de lado neste momento. Se quisermos nos tornar elétricos rapidamente, isso ajudará o clima.

Há várias soluções como essa. Se pudéssemos nos unir, poderíamos implementar soluções que aliviariam nossos piores problemas. É claro que é um grande “se”. Se pudéssemos nos unir no Oriente Médio, não haveria guerra.

Não acontece tão facilmente, mas temos que lutar por isso. A tecnologia nos fornecerá os instrumentos. Mas precisamos nos dedicar à política.

Entrevista concedida a Gabriel Roca do Valor Econômico.

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