Empresas retiraram ao menos R$ 10 bi de mercado nos últimos 15 meses

Com alta de juros e incerteza para investir, companhias recompram ações e encolhem participação na Bolsa

Pregão na B3. Foto: Paulo Whitaker/Reuters
Pregão na B3. Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Com a acelerada alta de juros promovida pelo Banco Central contra a inflação e as incertezas que rondam a economia brasileira no ano eleitoral em meio a um quadro econômico global conturbado, o mercado de ações tem sofrido. A desvalorização dos papéis provocada pela aversão dos investidores ao risco aumenta o número de empresas que vão à Bolsa de São Paulo, a B3, comprar suas próprias ações.

Um levantamento feito pelo gestor de renda variável da Kínitro Capital, Marcelo Ornelas, estima que ao menos R$ 10 bilhões em ações foram tirados do mercado brasileiro nos últimos 15 meses pelas próprias emissoras dos papéis.

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O fenômeno vai na contramão das ofertas públicas iniciais (IPOs), quando as companhias emitem ações para levantar recursos para investir em projetos, que bateram recorde em 2020 com juros baixos e otimismo na Bolsa. Com a reversão do quadro, não apenas sumiram as novas ações. As empresas resolveram enxugar o volume de papéis em circulação. Analistas explicam que essa é uma forma de tentar ajudar a elevar as cotações, mas também um sintoma do “compasso de espera” que prevalece entre as companhias no atual contexto econômico.

A maioria passou por fortes ajustes na pandemia para reequilibrar as contas, mas não tem confiança para fazer agora aportes em novos projetos, como a construção de uma nova fábrica, a compra de novos equipamentos, a contratação de trabalhadores ou a aquisição de outras empresas. Com o caixa cheio, estão preferindo usar parte dos recursos para comprar as próprias ações.

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33 registros só neste ano

Um relatório do banco BTG Pactual mostra que, em 2021, foram anunciados e executados 59 programas de recompra de ações por empresas listadas na B3, bem mais que em 2020 e 2019: 38 e 20, respectivamente. Só na primeira metade deste ano, foram 33. Isso sem contar os programas registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas não concretizados. Entre as grandes empresas com programas abertos estão Vale, Azul, Ambev e Vibra. O crescimento coincide com a trajetória de alta da taxa básica de juros (Selic), que saiu de 2% ao ano no início de 2021 e alcançou 13,75% no mês passado.

“Quando você tem juros nos patamares que se tem hoje e ações muito baratas, as empresas fazem recompra e investem menos, já que o retorno de outros projetos fica mais difícil”, analisa Carlos Eduardo Sequeira, chefe da área de Análise e Pesquisa do BTG Pactual para América Latina, ressaltando que a recompra é só mais um sinal da conjuntura desfavorável ao crescimento das companhias.

“Nenhuma empresa para de investir ou de comprar outras empresas, por exemplo, só para fazer recompra de ações, porque a quantidade de dinheiro necessária para fazer grandes projetos de expansão é muito maior”, diz Sequeira.

Camila Goldberg, sócia das áreas de Mercados Financeiro e de Capitais do BMA Advogados, diz que investimentos em projetos, fusões e aquisições não têm sido prioridade nas empresas por causa das incertezas econômicas e políticas:

“Estamos num momento em que as companhias estão em compasso de espera, por causa da eleição em dois meses. Negócios desse tipo só serão fechados se houver oportunidade muito específica.”

Gabriel Meira, sócio da Valor Investimentos, concorda que, como o mercado de fusões e aquisições anda cauteloso e projetos estão mais arriscados, tornou-se interessante para uma empresa usar uma parte do caixa acumulado para recomprar ações, o que só ocorre quando avaliam que a cotação está abaixo do real valor da companhia.

“Via de regra, quando há várias empresas fazendo recompra de ações, o alarme de que momento está bom para compra é acionado. Vale a pena ficar de olho porque significa que as ações estão baratas.”

Limite de 10%

Tentar atrair a atenção dos investidores foi mesmo a razão principal da Yduqs, holding com foco no ensino superior, para abrir, em março, um programa para recompra de 20,5 milhões de papéis.

“As ações estão muito baratas na Bolsa. São preços que, definitivamente, não refletem a qualidade da empresa, nem a perspectiva que vemos para ela. Não vemos nenhum uso melhor do nosso caixa do que esse”, diz Rossano Marques, vice-presidente Financeiro e de Relações com Investidores da companhia. “A estratégia é, por ora, manter as ações em Tesouraria e reavaliar conforme evolui o mercado”, completa.

De acordo com as regras do mercado de capitais, as companhias listadas podem anunciar recompras de até 10% do seu capital em Bolsa. Elas precisam comunicar à CVM e à B3 quanto pretendem comprar e por quanto tempo (em geral, de 12 a 18 meses), mas não são obrigadas a adquirir o volume total. Segundo o BTG, as recompras têm ficado, em média, em torno de 5% do total de ações. Dos programas analisados pelo BTG, apenas 44% recompraram mais de 50% do limite previsto, como os de Gol, Americanas, Cosan, Odontoprev, Gerdau e JBS.

Os papéis são comprados aos poucos ao longo da vigência do programa, segundo a conveniência da cotação diária. Podem ser mantidos pela companhia e revendidos depois, usados como moeda de troca em fusões e aquisições de outras empresas ou cancelados. Marcelo Ornelas, da Kínitro, explica que a maioria das companhias no Brasil recompra ações em baixa com a pretensão de vendê-las adiante, num momento de alta, o que vira nova fonte de ganhos:

“É uma estratégia de alocação de capital. Quando vê o preço da sua própria ação baixo, com potencial de retorno maior do que teria se fizesse outros investimentos, a empresa decide comprar.”

Movimento similar nos EUA

Já a recompra de até 36,9 milhões de ações anunciadas pelo Santander Brasil neste mês tem entre os objetivos cancelar parte dos papéis. Essa é uma forma de aumentar a valorização das ações remanescentes em poder dos acionistas, que passam a receber uma fatia maior dos dividendos. O Conselho de Administração do banco registrou que o programa servirá para “maximizar a geração de valor para os acionistas”, além de viabilizar o pagamento de executivos e funcionários em seus planos de incentivo.

Guilherme Gentile, head de análise da Dividendos.me,observa que o cancelamento é mais comum em outros países, como os EUA, onde há taxação de dividendos, por ser uma forma de fugir dos tributos. Com a forte queda das ações no mercado americano, empresas que integram o S&P 500, um dos principais índices da Bolsa de Nova York, gastaram US$ 269 bilhões em recompras só no primeiro trimestre de 2022. A previsão é que a cifra atinja o recorde de US$ 1 trilhão até o fim do ano.

“Apple e Facebook são empresas que têm esse hábito. E isso pode se popularizar aqui se tivermos a taxação dos dividendos (proposta feita pelo governo no âmbito da reforma tributária, que não avançou no Congresso)”, diz Gentile.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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