Análise: Mercado dá adeus aos dividendos da Petrobras

Analistas têm visões diferentes sobre uma possível interferência da política de preços, porém são unânimes com relação à mudança na alocação de recursos

Fachada da sede da Petrobras. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Fachada da sede da Petrobras. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Os analistas tinham um problema que era prever o futuro das empresas, especialmente as estatais, antes da eleição presidencial mais acirrada da história. Agora, com o destino do país selado, chegou o momento de recolher os cacos e refazer as contas.

No geral, o entendimento já consolidado é que varejo, educação e construção de renda baixa serão os setores mais beneficiados com o novo governo. No particular, começou a correção de preços e recomendação para as ganhadores e perdedores. A Petrobras, maior empresa brasileira por faturamento e por valor de mercado, está claramente no segundo grupo. Os movimentos dessa estatal gigantesca causam abalos sísmicos na economia e nos investimentos das pessoas. Pelos dados mais recentes da B3, são cerca de 718 mil pessoas físicas, 5,9 mil jurídicas e 2,9 mil investidores institucionais, no universo que é possível contar.

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Esse movimento de correção das casas de análise já vinha acontecendo mais discretamente depois do primeiro turno, ao sabor dos ventos das pesquisas e dos acontecimentos, e ontem ficou mais explícito.

A XP, logo pela manhã de ressaca eleitoral, veio com um corte de 25% no preço-alvo da Petrobras, ainda com recomendação de compra, e aproveitou para realocar suas apostas nas concorrentes privadas da estatal, como Prio (iniciou cobertura) e PetroRecôncavo (retomou). O BTG Pactual cortou 10% do seu preço, com recomendação anterior já neutra, e o J.P Morgan veio com o ajuste mais radical, de 30% no preço e redução de compra para neutra.

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Interferências

Os analistas têm visões diferentes sobre uma possível interferência da política de preços, porém são unânimes com relação à mudança na alocação de recursos — por exemplo, investimentos pesados em refinarias —, o que significa o fim da bonança de dividendos.

“Apesar de termos confiança de que muitos dos erros do passado não serão repetidos”, diz o relatório do BTG, “os investidores não podem subestimar a capacidade do novo governo de usar a Petrobras como veículo para impulsionar crescimento econômico, investimentos, empregos e segurança energética.” O banco calcula que um aumento de 50% nos investimentos reduziria o retorno com dividendos em 2023 de 21% para 15%, o que provocaria queda de 25% nas ações. Se os investimentos dobrarem, no pior cenário possível, o retorno cai para 9%, o que pode causar uma retração de 53% nos preços das ações.

O J.P. Morgan prevê pagamento de 25% do fluxo de caixa livre em dividendos, comparado a 60% atuais, e tem uma visão pessimista com relação à política de preços. O banco reduziu a projeção de repasse dos preços internacionais do petróleo de 60% para 40%.

“O novo governo criticou abertamente como a Petrobras é conduzida e já sinalizou mudanças na companhia”, diz o relatório.

As ações preferenciais da Petrobras estavam em ligeira queda no início da tarde desta terça-feira, em R$ 29,73, depois da retração de 8% no pregão de ontem.

A fase recente da estatal como investimento relativamente seguro e altamente rentável, depois de um longo processo de recuperação dos escândalos de corrupção do passado, criou uma grande expectativa com a continuidade da estratégia atual de desinvestimentos e dividendos fartos, além de uma sonhada privatização.

O choque de realidade foi enorme: desde o pico da ação em 21 de outubro, o valor de mercado caiu R$ 106 bilhões. E é política na veia, porque na comparação com os pares nacionais e estrangeiros todos sobem nesse período.

No ano, a empresa ainda tem um histórico respeitável de alta por volta de 50%, porém já perde para a Prio (ex-PetroRio), 78%, para a PetroRecôncavo, 70%, e para a rival americana Exxon, 80%.

O que esperar

E, para os próximos meses, não há nada a se esperar além de sobe e desce ao sabor das ondas do noticiário político. O balanço do terceiro trimestre, que sai na quinta-feira, vai ter pouco a dizer.

Para o J.P. Morgan, os papéis só vão sair de um cenário de volatilidade quando houver clareza sobre seus planos para a Petrobras, o que deve demorar pelo menos os seis primeiros meses da nova administração.

Enquanto isso, mais analistas vão rever seus preços para perto dos R$ 30, porque ainda tem muita gente bem acima disso, e a correção é inevitável. A empresa estava, mesmo com todos os problemas de uma estatal, chegando a múltiplos mais próximos de seus pares. Mas isso agora é história.

Por Nelson Niero, Valor — São Paulo (Com reportagem de Felipe Laurence).

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