Discussão sobre meta de inflação fica aquecida
Críticas do presidente Lula ao Banco Central alimentam debate entre economistas
Em meio ao ambiente de juros elevados e com a perspectiva de que o Banco Central irá, pelo terceiro ano seguido, descumprir a meta oficial de inflação, as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a autoridade monetária levantaram um debate entre economistas sobre qual seria o nível ótimo para a meta brasileira. Ainda que parte deles defenda que uma elevação do marco inflacionário possa trazer benefícios para a economia, alertam que a discussão precisa ser feita com muito cuidado, sob pena de desgastar a credibilidade da autoridade monetária.
Segundo o ex-diretor do BC Tony Volpon, o debate sobre as metas de inflação envolve duas discussões que precisam ser feitas em momentos distintos. Para ele, existe um debate sobre qual seria a meta ideal e é possível argumentar que uma meta tão baixa quanto 3% não é a melhor para o caso brasileiro. Por outro lado, é preciso reconhecer que a meta já foi estabelecida e, dada a conjuntura política e econômica, pode ser contraproducente modificá-la neste momento.
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“Você pode defender que a meta seja maior do que 3%. E também concluir que não é o momento de mudar isso. Você pode trazer mais danos à situação econômica e fiscal conturbada querendo mexer nisso nesse momento”, afirma Volpon.
O ex-diretor do Banco Central afirma que, após ter se posicionado publicamente de modo favorável à redução da meta nos últimos anos, reconhece que foi um erro de avaliação. Segundo ele, a volatilidade acentuada do câmbio no mercado brasileiro acaba sendo transmitida para o sistema de preços, aumentando também a volatilidade da inflação. Isso dá força ao argumento de que uma meta de inflação mais alta no país pode ser mais adequada. “A inflação volátil é um argumento. Seria melhor ter o centro da meta um pouco para cima e ter uma banda maior.”
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Já o segundo argumento é político. De acordo com Volpon, governos só deveriam criar metas para instituições e autarquias autônomas, como é o caso do Banco Central, se houver grande consenso político ao redor dos temas propostos. “Claramente, não temos isso no Brasil. Toda a esquerda brasileira não concorda com uma meta tão baixa quanto 3%. É muito ruim sempre que houver uma alternância política, começar um questionamento sobre o sistema de metas, como vem ocorrendo agora”, avalia.
O economista-chefe da Bram, Marcelo Toledo, investigou qual seria a meta de inflação ótima para o Brasil em sua tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo em 2011. Ele conta que, naquela altura, havia argumentos robustos para advogar por uma redução da meta de inflação praticada de 4,5%. “No entanto, os ganhos obtidos com uma redução de 3,5% em diante, à época, eram limitados frente aos custos”, afirma.
Segundo Toledo, uma das motivações para a sua tese de doutorado foi a falta de estudos técnicos e rigorosos sobre qual deveria ser a meta de inflação ótima para o país. “O que está na raiz da discussão que enfrentamos hoje, e que é bastante espantoso, é como há poucos trabalhos realmente acadêmicos, do Ministério da Fazenda ou do próprio BC, que se debruçam com algum rigor sobre qual é a meta de inflação ótima para o Brasil. O que é feito é observar a experiência internacional: nos desenvolvidos temos 2%; nos emergentes 3%. Não é uma análise totalmente ruim, mas não é a ideal”, afirma.
Em sua visão, debates de revisão da meta de inflação – tanto para cima quanto para baixo – deveriam ocorrer em uma situação de relativa estabilidade de inflação e dos juros. “Isso foi um problema na redução da meta, quando houve um certo otimismo generalizado. Hoje estamos numa fase de juros muito altos e as pessoas ficam propensas a dizer que poderíamos ter uma meta mais alta. Esses momentos são muito ruins para discutir mudanças”, avalia.
Na visão de Julia Braga, professora de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma meta de 3% é “completamente irrealista” para um país emergente como o Brasil. Ela nota que o núcleo da inflação no Brasil rodou ao redor de 5,5% desde o início do regime de metas, ao passo que o desvio padrão desse núcleo foi de 2%.
Segundo ela, a meta brasileira é irrealista mesmo para padrões mundiais, já que, segundo dados do FMI, a média da inflação ao consumidor no mundo entre 1999 e 2021 ficou em 4%.
“A consequência de adotar uma meta irrealista é que, diante de choques muito fortes como os que aconteceram por conta da pandemia seguida da guerra da Ucrânia, o BC não consegue cumprir a meta. Não por acaso, existe nova ameaça de não cumprir em 2023”, lembra. Além disso, “não faz sentido esperar a inflação alcançar 3% porque isso vai requerer uma Selic muito alta por muito tempo e vai produzir um desemprego muito alto. É um pouco da discussão antiga sobre a Curva de Phillips, da forte penalidade que se paga para ter um ganho pequeno na inflação.”
Para Braga, o ideal seria uma meta maior, perto de 4,25%. Mudar a meta no próprio ano é algo meio complicado, contraproducente. Por outro lado, o BC já sinalizou que talvez não cumpra a meta. Dessa forma, pode ser possível estabelecer mudança para 2024 e meio que tolerar que o que se está fazendo, na prática, é abandonar a necessidade de cumprir o ano-calendário. É algo que o atual BC meio que já vem fazendo, mirando sempre dois anos à frente, diz.
Professor de Economia da PUC-RJ, Marcio Garcia entende que o Brasil pode rediscutir sua meta de inflação, desde que isso ocorra após mudanças em economias centrais, como Estados Unidos e União Europeia. “Nossa inflação depende da inflação que vai vigorar nesses lugares. Em um mundo hipotético em que a inflação for mais alta nos países centrais, teria implicações para nós também. Mas esse não parece ser o cenário mais provável, é só você ver o que vem dizendo os economistas do Banco Central Europeu [BCE]”, diz.
Em sua avaliação, um caminho possível nessa discussão é ampliar o intervalo de tolerância da meta, de 1,5% para 2,0%, como era praticado até 2017. “Existem evidências de que países emergentes sofrem mais com choques na inflação do que países centrais. Isso justificaria ter uma banda maior. Acredito que um intervalo de 2% ampliaria o espaço do BC para acomodar choques e não passaria a imagem de que está sendo mais leniente.”
Por Gabriel Roca e Marcelo Osakabe