Diretor do Banco Central explica por que juro não cai: ‘Estamos vendo expectativas de inflação desancoradas’

Diogo Guillen diz que país venceu primeira etapa do combate ao índice de preços, mas há pressões sobre serviços

Diogo Guillen, diretor de política econômica do Banco Central. Foto: Brenno Carvalho/Agência ao Globo
Diogo Guillen, diretor de política econômica do Banco Central. Foto: Brenno Carvalho/Agência ao Globo

O diretor de Política Econômica do Banco Central, Diogo Guillen, em sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo, em abril de 2022, diz que o país venceu a primeira etapa do combate à inflação, mas ainda precisa superar a batalha mais difícil: a pressão sobre os preços no setor de serviços. Responsável pela elaboração das Atas do Copom, ele diz que é preciso “paciência e serenidade” antes do início do corte dos juros.

Guillen explica que a apresentação do arcabouço fiscal pelo Ministério da Fazenda reduziu os riscos na economia, mas que ainda é preciso esperar os seus efeitos sobre as expectativas de inflação, o dólar e a curva de juros. E não há prazo para isso.

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Sobre a indicação do secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, para o cargo de diretor de Política Monetária — hoje também ocupado por Guillen interinamente — afirmou que espera um “debate profundo e técnico” e que tudo seguiu conforme o rito.

A inflação está em queda, mas os juros continuam altos. Como o BC explica esse cenário?

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A forma como temos descrito o processo desinflacionário é em dois estágios. O primeiro estágio, que aconteceu, digamos, no fim do ano passado e início deste ano, era o mais fácil. Ele é mais concentrado em itens administrados e fora do núcleo de inflação. O segundo é esse em que você vai atingir a inflação de serviços e os núcleos de inflação.

Estamos neste segundo estágio. O processo de desinflação é mais lento, por isso exige paciência e serenidade. A política monetária deve ficar restritiva.

O Copom chegou a sinalizar, em novembro, um possível início do ciclo de cortes nos juros, a partir de junho. O que mudou?

A principal mudança foi na parte das expectativas. As expectativas de inflação estão desancoradas, a partir de 2024 para os anos subsequentes, quase um ponto acima da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (em 2024 e 2025 o centro da meta é de 3%).

Ocorre que a expectativa de inflação é muito importante porque ajuda a guiar a definição de preços e salários. As pessoas usam como farol. Então, uma expectativa desancorada exige uma restrição de política monetária maior. Esse foi o maior aspecto.

Há uma crítica de que o Banco Central dá muita ênfase às previsões do Boletim Focus.

Quando você olha, historicamente, o Focus é um bom previsor de inflação. Tanto que, se olha os papers (estudos), eles sempre fazem como comparação ao Focus, porque é um bom previsor da inflação. Olhando o Focus, no período corrente, ele também não parece descolado do comportamento usual. Não vejo nenhuma anormalidade.

Quais os principais riscos do cenário?

Tem um risco para cima, que é uma inflação mais resiliente, a inflação de serviços e núcleos, o segundo estágio da inflação. O segundo é o risco fiscal, que diminuiu, porque os riscos de cauda (riscos inesperados) diminuíram depois da apresentação do arcabouço.

Mas eu acho que o mais importante a responder é como o arcabouço afeta a dinâmica inflacionária, porque não há relação mecânica entre o arcabouço e a política monetária. Quando você pensa como o fiscal mais afeta a política monetária, o principal é o canal expectacional, como isso muda prêmios de risco, ativos e expectativas. É esse o canal que faz ter uma ligação maior entre o fiscal e o monetário.

O efeito do arcabouço é sobre o dólar e condições financeiras?

O que acontece com o dólar, com as expectativas, as condições financeiras que são afetadas (pelo arcabouço). O terceiro ponto, pensando no balanço de riscos, é a parte da desancoragem. Estamos vendo as expectativas desancoradas, mas se ela fica desancorada por muito tempo ou se ela desancora mais, ela pode levar a uma mudança na dinâmica de reajuste de preços. Há também resiliência da inflação de serviços.

A inflação de serviços está muito ligada ao mercado de trabalho, e o desemprego já está muito elevado. O que o Banco Central espera nesse cenário?

No período recente observamos um mercado de trabalho resiliente, aumento das vagas líquidas, um desemprego relativamente estável. O cenário do Comitê é de desaceleração do crescimento econômico, em linha com a política monetária mais restritiva. A relação da inflação de serviços com o mercado de trabalho é importante.

A inflação de serviços acaba mostrando como está se dando o processo do mercado de trabalho e o repasse de preços. Ela ajuda a enxergar não só as perspectivas futuras, seja por projeções, mas também o que está acontecendo.

Do ponto de vista fiscal, o que precisa acontecer para se ter efeito na política monetária?

Fica essa busca pela relação mecânica (entre o arcabouço fiscal e a queda dos juros), mas não há. Temos que pensar quais são os canais de transmissão da política fiscal sobre a política monetária. O principal é o canal expectacional. Como é que a política fiscal vai afetar os ativos de risco, as expectativas de inflação e as condições financeiras.

Isso que vai dar as condições para uma mudança na dinâmica inflacionária, porque no fim, o que estamos querendo ver é o que acontece com a dinâmica de inflação.

Historicamente, existe algum prazo para isso? Quando que se tem essa transferência para o canal de expectativas?

Não é claro. Por um lado, é uma informação pública, então as pessoas reagem mais rapidamente porque todo mundo recebe, lê o jornal, então isso levaria a ser mais rápido esse processo de expectativa.

Por outro lado, tem o processo de aprendizado, sobre o que está acontecendo, como é que é, qual é o comprometimento, se vai ter uma mudança de entrega, arrecadação, implementação. É difícil dar uma resposta.

Nesta semana, o secretário executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, mencionou que seria natural a indicação de alguém alinhado com o governo ideologicamente. Considerando que a diretoria monetária e econômica são as que dão maior embasamento técnico ao Copom, o senhor visualiza potencial divergência na atuação de ambas?

O debate da diretoria é muito técnico. Um debate muito embasado no trabalho dos servidores daqui. Tem essa personificação do Copom, mas a opinião dos diretores é muito embasada pela análise dos departamentos, seja a discussão de crédito, da dinâmica inflacionária. Eu espero um debate profundo e técnico (com Galípolo) como a gente tem atualmente (entre as diretorias).

A relação que tenho, tanto com o secretário-executivo quanto com o Ailton (Ailton Aquino dos Santos, para a diretoria de Fiscalização), é boa. É um processo descrito na Lei de Autonomia, prerrogativa do presidente, indicação de dois nomes. Está conforme o rito.

Há uma corrente de economistas que defende que juro não combate inflação. Como o senhor vê essa tese?

O nosso arcabouço é que a elevação de juros reduz a inflação. É um ponto pacífico. O segundo ponto é quanto afeta a desinflação, aí você vai depender um pouco se você observa que é uma inflação de demanda ou uma inflação de oferta, ou seja, quanto a política monetária bate na inflação. Quando você olha a composição da inflação atual, você vê que é uma inflação puxada por serviços, por núcleos associada a essa inflação de demanda.

Em resumo, o BC venceu o primeiro estágio de combate à inflação, mas falta o segundo, mais difícil?

Sim. O lado bom é que estamos no segundo estágio, mas é mais lento, mais custoso e exige perseverança.

Por Renan Monteiro e Alvaro Gribel

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