Desancoragem da inflação se agrava e preocupa mercado
Focus indica IPCA na meta somente em 2027 e provoca estresse nos juros futuros, que voltam a subir
Parece cada vez mais distante o momento em que a inflação voltará ao centro da meta do Banco Central. Ao menos é o que indicam as expectativas de mercado. O último Boletim Focus mostrou que os economistas de mercado esperam, no geral, que isso ocorra somente em 2027. Essa piora das expectativas de inflação tem se aprofundado a cada semana, elevando a pressão sobre o BC – se os índices de preços não esfriarem como o esperado, fica cada vez mais distante o momento de ser iniciado o processo de corte de juros.
No boletim divulgado ontem pela autoridade monetária, o Focus mostrou que a mediana das projeções para o IPCA no fim deste ano passou de 5,36% para 5,39% e o ponto médio das estimativas para a inflação em 2024 se manteve parado em 3,70%, bem acima do centro da meta (3%). Foi o movimento em horizontes ainda mais longos que aumentou a preocupação: a mediana das projeções dos economistas de mercado para o IPCA de 2025 subiu de 3,30% para 3,50%; enquanto o ponto médio das estimativas para a inflação de 2026 avançou de 3,20% para 3,22%.
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“A desancoragem de expectativas de longo prazo, que ainda estão fora do horizonte relevante para a política monetária, como 2025 e 2026, geralmente é sintomática de algum desequilíbrio percebido pelo mercado como potencialmente mais permanente”, observa o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski.
Para ele, o descolamento das expectativas pode decorrer da percepção de que a meta de 3% é “excessivamente apertada para um país com o histórico inflacionário brasileiro, com alta indexação ou difícil de ser entregue na ausência de uma correção mais ambiciosa na política fiscal que restaure superávits primários de forma consistente”. Assim, para Secemski, o mercado parece entender que o custo para a entrega da inflação na meta seria “muito alto”, já que poderia requerer um aperto monetário maior, “que talvez não seja perseguido naquele horizonte”.
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A percepção de juros mais altos por um período prolongado se mostrou não somente no Focus, mas também nos preços dos ativos financeiros. No relatório do BC, o ponto médio das projeções dos economistas de mercado para a Selic no fim deste ano subiu de 12,25% para 12,5%. Já na curva de juros, a taxa do DI para janeiro de 2025 saltou de 12,42% para 12,635%, afetada não só pelo Focus, mas também por rumores sobre o aumento do salário mínimo.
O mercado tem visto os sinais do novo governo de que pretende gastar mais e de que, portanto, a política fiscal deve ser mais expansionista e é esse cenário que tem pressionado a inflação de longo prazo, diz o economista Raí Chicoli, da Citrino Gestão de Recursos. “E há dúvida sobre se a autoridade monetária vai conseguir reagir da forma adequada para levar a inflação para a meta, sem contar que estamos em um contexto de meta cadente, o que gera dificuldade adicional para o BC”, enfatiza Chicoli, cujo cenário-base aponta para uma Selic em 13,5% no fim do ano.
“A inflação está, realmente, surpreendendo para melhor, mas ainda está muito pressionada. No entanto, do ponto de vista negativo, temos a questão fiscal, com uma política mais expansionista, que está contaminando as expectativas. O que tem ajudado é a taxa de câmbio bem comportada até agora”, afirma Chicoli. “Caso comecemos a ver uma âncora fiscal boa e uma discussão mais positiva, talvez com uma reforma tributária positiva, podemos ver o mercado migrando para cortes de juros mais cedo, mas, hoje, preferimos ter um posicionamento conservador.”
Avaliação semelhante é defendida pelo economista-chefe do Opportunity Total, Marcelo Fonseca, para quem, ainda que um novo arcabouço fiscal esteja sendo desenhado pela equipe econômica, quando se avalia a expansão fiscal prevista para este ano, é provável que uma dinâmica mais elevada de gastos se materialize nos próximos anos. “Por melhor que seja, do ponto de vista teórico, a nova regra dificilmente vai implicar uma trajetória de despesas tão disciplinada quanto a regra que está sendo substituída”, afirma Fonseca.
No atual contexto, o BC, que já chamava a atenção para o aumento na média das projeções de inflação de longo prazo, deve reforçar a comunicação a respeito do tema, enfatiza o economista do Opportunity. “Desde a última reunião do Copom, as medianas [das expectativas de inflação] também começaram a se elevar substancialmente e o BC deve reforçar sua comunicação em relação ao elemento”, nota.
Na visão de Fonseca, o risco de que uma deterioração ainda mais expressiva das expectativas force o BC a retomar o ciclo de aperto monetário existe, mas não é considerado como provável. A maior probabilidade, no momento, é que os agentes continuem a postergar as expectativas para o início e o tamanho do ciclo de flexibilização da taxa básica de juros.
É o que também indica o economista-chefe da WHG, Fernando Fenolio, cujo cenário central aponta para a Selic em 13,5% no fim deste ano. “Temos esse número porque queremos deixar um sinal de que é possível cortar juros em 2023. A atividade econômica vai estar mais fraca; os dados de crédito já estão desacelerando e a inadimplência está assustadoramente alta. No entanto, há muita incerteza em relação à magnitude”, afirma.
Ao observar o comportamento das expectativas de inflação de 2024 e 2025, Fenolio nota que o mercado tem, hoje, mais confiança de que a política econômica terá mais expansionismo fiscal, o que pode não ser compatível com a meta de inflação de 3%. “Não existe mais confiança de que a inflação em 3% é factível nesse horizonte de projeção”, diz o economista.
O processo de desancoragem ocorre, inclusive, mesmo em um ambiente de autonomia do Banco Central. Para Fenolio, o mercado pode estar se antecipando à mudança no comando da autoridade monetária a partir de 2025. “Existe uma incerteza grande sobre o BC e o mercado não tem convicção de que será um BC com a mesma função de reação. A credibilidade, então, não é transportada a partir de 2025”, nota.
Outra hipótese levantada pelo economista da WHG está na possibilidade de os preços de mercado já trabalharem, mesmo que indiretamente, com uma meta de inflação maior, em torno de 4%. “Como os preços muitas vezes vão na frente, o questionamento que fica é o quanto o mercado já não embute de chance de a meta mudar para 4%. Talvez o mercado já tenha desistido seja por causa do novo combo de política econômica ou do ambiente de inflação mais alta no mundo todo”, observa Fenolio.
A economista-chefe e sócia da Gap Asset, Anna Reis, concorda que, além da questão fiscal, a incerteza relacionada à possibilidade de mudança da meta de inflação pressiona para cima as expectativas inflacionária. “Em junho, o CMN [Conselho Monetário Nacional] se reúne para definir as metas de inflação para 2026, mas também para reafirmar os objetivos de 2024 e 2025, que já estão estabelecidos em 3%. Não houve nenhuma sinalização do governo neste sentido, mas há riscos e o mercado se antecipa”, afirma a economista.
Ela ainda lembra que, no fim de 2024, o governo irá indicar o novo presidente do BC. “Mesmo sem mudança de meta de inflação, pode vir a indicação de alguém mais ‘dovish’ [favorável a juros mais baixos] e que seja percebido pelo mercado como menos propenso a fazer o que for preciso para atingir o centro da meta. Essa possibilidade de um BC futuro mais leniente com a inflação também entra no radar.”
Apesar das incertezas elevadas relacionadas ao novo governo, Reis ainda enxerga certa “gordura” para que a autoridade monetária precise retomar o ciclo de aperto monetário no momento. “No curto prazo, para retomar a alta de juros, você precisaria ter uma desvalorização de câmbio relativamente expressiva. Se o real não desvalorizar muito, o BC pode manter sua estratégia de que vai demorar ainda mais para cortar os juros”, defende.
Por Victor Rezende e Gabriel Roca