Delfim Netto: do AI-5 a aliado de Lula
O economista e ex-ministro Antônio Delfim Netto morreu nesta segunda-feira (12) aos 96 anos, em São Paulo
O economista e ex-ministro Antônio Delfim Netto morreu nesta segunda-feira (12) aos 96 anos, em São Paulo. Ele estava internado desde o dia 5 agosto no Hospital Albert Einstein.
Delfim esteve no poder, fez oposição e nunca deixou de participar do diálogo sobre os rumos do país, na seara que gostava de discutir – a condução da política econômica e monetária.
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Algumas frases de Delfim ajudam a recontar a sua trajetória e exemplificam o caráter amplo e ímpar do seu pensamento.
A Inteligência Financeira separou algumas destas frases.
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Admiração por Lula
“Eu admiro a política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Lula teve uma intuição correta quando deu ênfase para melhorar a igualdade de oportunidade no Brasil. Para o mercado funcionar, ele tem que ter um mínimo de moralidade. E a moralidade no mercado vem da igualdade de oportunidade. É como uma corrida, e para que as coisas funcionem é preciso que todo mundo parta mais ou menos do mesmo ponto. Talvez, seja o papel fundamental do Estado: igualizar as oportunidades. O governo Lula é a intuição do Lula. Só isso. Na verdade, é o único sujeito no Brasil que quando fala em pobre está falando seriamente.”
A frase, publicada na revista do Ipea, em janeiro de 2008.
Delfim foi ministro do regime militar nos governos dos generais Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e João Baptista Figueiredo. Lula, por sua vez, presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no período, tendo sido preso em 1980. Os dois se aproximaram durante a campanha do petista em 2006. Posteriormente, Delfim participou do governo Lula como membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e conselheiro da Empresa Brasil de Comunicação.
Igualdade de oportunidades
“Eu sou um exemplo do ensino gratuito. Gastei 6 mil réis para fazer o curso inteiro na Universidade de São Paulo (USP). Passei no vestibular, comprei um selo para colocar no requerimento de matrícula na USP e lá eu recebi tudo.”
A questão da igualdade de oportunidades era um tema de Delfim.
Ele nasceu em 1928, num bairro operário de São Paulo chamado Cambuci, como costumava descrever. Estudou no Liceu Siqueira Campos, no Cambuci, depois fez curso de contador.
Quando chegou a época de escolher a carreira que seguiria, afirmou que seu desejo “era ser engenheiro.” Acabou desistindo “porque o curso era de tempo integral.” Na época, Delfim já trabalhava, começou aos 14, na Gessy, como office-boy. Ficou na empresa por quatro anos.
Ele prestou o exame na Universidade de São Paulo (USP), onde escolheu cursar Economia, que frequentou de 1947 a 1952. Delfim permaneceu na USP despois de formado, na condição de professor assistente. Logo depois, fez o doutorado. “Fiquei na escola praticamente até 1966,1967”, disse.
Em 1966, além da USP, Delfim era assessor da Associação Comercial de São Paulo. Lá, conheceu Laudo Natel (governador de São Paulo entre 1966 e 1967, quando substituiu Adhemar de Barros, afastado, e depois de 1971 a 1975, eleito indiretamente). Natel foi quem convidou para ser secretário da Fazenda no biênio 1966-67.
Foi aí que começou na carreira pública.
Apoio ao AI-5
‘Quando houve o Ato 5, do qual participei, e sempre continuo dizendo que, se as circunstâncias fossem as mesmas que eu vi e o futuro fosse conhecido, continuasse opaco como ele é, eu votaria como votei naquele momento. O meu depoimento tem sido um pouco controvertido. Algumas pessoas dizem que eu exigi até mais. Não. O que eu disse, e está escrito com todas a letras, é que eu queria aproveitar aquilo que estava acontecendo para completar as reformas que faltavam.”
A frase consta do arquivo histórico da Câmara dos Deputados.
Delfim participou dos governos dos generais Castello Branco (1964-1967), no Conselho Consultivo de Planejamento (Consplan); Costa e Silva (1967-1969) e Medici (1969-1973), como ministro da Fazenda; e Figueiredo (1979-1984), como ministro da Agricultura e secretário do Planejamento, controlando, a partir da primeira metade de 1979, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central.
Sua participação no governo militar é até hoje motivo de polêmica. Primeiro pelo alinhamento com os militares, depois pelo legado do período da sua gestão, chamado “milagre econômico”, que resultou numa hiperinflação e enorme dívida externa, nos anos 1980 e 1990. Ambos os desafios foram equalizados com o Plano Real.
‘Gênios’ dos juros altos
“A empregada doméstica virou manicure ou foi trabalhar num call center. Agora, ela toma banho com sabonete Dove. A proposta desses ‘gênios’ é fazer com que ela volte a usar sabão de coco aumentando os juros.”
A frase foi dita em entrevista ao jornal O Globo, em março de 2013. Naquele momento, a expectativa das instituições financeiras era de que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficasse por volta de 5,71% ao ano. Bem longe do centro da meta inflacionária estabelecida na ocasião pelo BC, de 4,5%.
Para um grupo de economistas a saída para debelar a escalada de preços seria por um freio na economia. E aumentar os juros seria o caminho mais curto para isso. Como efeito, haveria queda do nível de emprego.
O agravante, porém, é que a economia estava praticamente estagnada, tendo crescido apenas 0,9% no ano anterior. Aumentar os juros poderia significar intensificar esse processo, que na visão dele penalizaria os mais pobres.
Delfim Netto se opunha ao aumento de juros. Para o ex-ministro, o controle da inflação teria de ser feito sem afetar as conquistas dos mais pobres, que vinham desde o Plano Realhttps://inteligenciafinanceira.com.br/plano-real/.
Para ele a saída para a economia seria promover reformas estruturais que passavam pelo aumento da educação do trabalhador.
Coro contra Bolsonaro
“Estamos na boca de um buraco negro que está atraindo tudo lá para dentro. A conjuntura está piorando a uma velocidade enorme.”
A frase veio de um depoimento ao Valor Econômico, em maio de 2019. Na ocasião ficou subentendido que o ‘buraco’ era uma referência ao então presidente Jair Bolsonaro, mas isso Delfim não asseverou. Naquele momento, crescia a rejeição ao governo Bolsonaro.
O primeiro crítico, também remanescente do antigo regime militar, foi o ex-presidente José Sarney. Em entrevista ao Correio Braziliense, Sarney disse que Bolsonaro aposta “todas as suas as suas cartas no caos”.