Credit Suisse mantém América Latina no foco, mas enfrenta desafios
Crise de grupo suíço respinga em operação no Brasil
A reestruturação anunciada pelo Credit Suisse, com um aporte de US$ 4 bilhões, um programa de venda de ativos, saída de Wall Street e demissões para cobrir deficiências de capital, colocou o banco numa avaliação de US$ 15 bilhões pós-capitalização. O plano não prevê, pelo menos neste momento, que o grupo se desfaça das operações na América Latina, como chegou a ser cogitado. À imprensa, o chairman da instituição financeira, Axel Lehmann, disse que a região é “absolutamente core”, ou seja, relevante para a estratégia.
No entanto, o Modal informou, em comunicado, que o Credit Suisse Brasil reduziu na véspera do anúncio da reestruturação sua fatia no banco digital para 9,8%, ante os 16% que detinha, realizando um prejuízo. Aos preços de fechamento na bolsa na quarta-feira, a operação movimentou R$ 92,9 milhões, uma ninharia perto da capitalização de US$ 4 bilhões que será feita no grupo suíço por um banco árabe e outros investidores.
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Em meados de 2020, o Credit Suisse fechou acordo para comprar até 35% do Modal por meio de opções, chegou a exercer 20%, parcela que foi diluída no IPO (oferta inicial de ações) do banco no ano passado. O acordo de distribuição permanece, mas após da venda do negócio como um todo para a XP, em janeiro, a leitura é que Modal perdeu relevância para os suíços.
De qualquer forma, a turbulência em um dos grupos financeiros suíços mais tradicionais do mundo respinga no mercado brasileiro, onde o Credit Suisse é o estrangeiro mais bem-sucedido no segmento de gestão de fortunas. Tem um volume estimado em mais de R$ 300 bilhões. Na gestora de recursos, cujos dados são públicos na Anbima, o banco detinha R$ 105,5 bilhões ao fim de setembro, último dado disponível, antes, portanto, de a crise do banco lá fora começar a bagunçar o dia a dia da operação local neste mês.
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O lado mais visível dessa desconfiança aparece nos fundos de renda fixa líquidos, é nessas carteiras que os investidores deixam o seu caixa. Só no fundo CSHG Master DI houve resgates de R$ 4,3 bilhões em outubro até o dia 25, segundo dados da MorningStar, compilados por Marcelo D’Agosto, coordenador do Guia Valor de Fundos. Este é um fundo que acolhe aplicações de outros fundos em cotas e que até junho tinha uma posição de 15,40% em debêntures e 0,66% em outros títulos de crédito privado. O patrimônio médio em 12 meses, de R$ 12,2 bilhões, agora está de R$ 8,9 bilhões.
Parte dos resgates, segundo um interlocutor próximo ao banco, foi para o CSHG Soberano Master DI, carteira que reúne só títulos públicos. O patrimônio estava em R$ 2,5 bilhões há três dias, ante uma média de R$ 1,2 bilhão desde outubro de 2021, com ingressos líquidos de R$ 1,7 bilhão no mês.
Segundo executivos do segmento de gestão de riqueza, que atendem também investidores do CS, teria causado desconforto a convocação de assembleia de cotistas em setembro para permitir que o Master com crédito pudesse ter uma fatia alocada em dívida no exterior de até 20%, algo que até então não estava previsto no mandato.
“Foi uma faísca. O investidor não gostou, não sei se compraram de forma direta ou indireta os títulos [do CS] lá fora no olho do furacão, mas teve quem tenha preferido sair”, comenta um executivo. “Quem quer ativos no exterior vai para outro veículo, recorre ao ‘asset allocation’, eu não faria isso no fiduciário.” Às consultas feitas por clientes, a resposta foi que não haveria razão para turbinar o retorno de fundo DI num momento de Selic a 13,75% ao ano.
Dentro do CS no Brasil, o que se diz é que a alteração no regulamento tinha como objetivo aproveitar oportunidades com ativos de crédito no mercado internacional, em meio à alta de juros nos Estados Unidos e em outros desenvolvidos. A gestão não fez, contudo, qualquer movimento recente de compra de papéis do próprio banco. No passado, chegou a deter na carteira 0,2% em títulos do Credit Suisse, posição que atualmente está zerada.
Em portfólios de renda fixa, o CS detém pouco mais de R$ 15,8 bilhões, uma parcela pequena do seu bolo sob gestão. Pela compilação de D’Agosto, há R$ 39 bilhões em fundos restritos familiares, um público que tem mobilidade para mudar de custódia ou de gestor porque os recursos estão debaixo de um CNPJ exclusivo. Uma eventual transferência de recursos só será percebida nos rankings de gestão mais adiante, pois a migração pode levar de 30 a 60 dias para ser executada.
Como o cliente private costuma ter relacionamento com mais de uma instituição financeira, a concorrência está em polvorosa para abocanhar um pedaço maior dos recursos. Há quem estime que o CS possa perder de R$ 10 bilhões a R$ 20 bilhões em mandatos de gestão discricionária.
O setor é movido pelo “rouba-monte”, especialmente em períodos de baixo crescimento. O último dado disponível da Anbima, referente a agosto, mostrava um estoque de R$ 1,85 trilhão nos serviços de gestão de fortunas nos bancos, uma evolução de 3,65% em relação a dezembro. Não corrigiu nem a inflação. Havia então R$ 415,2 bilhões em fundos exclusivos/reservados, com incremento de 1,52% em oito meses.
“Quando tem rumor, a turma aproveita, mas uma coisa é carregar um ‘business’ pesado, que consome capital, outra é falar que o banco vai quebrar”, diz um banqueiro, lembrando da enfrentada pelo BTG Pactual por ocasião da prisão de André Esteves no fim de 2015. Segundo essa fonte, em situações risco de quebra, a concorrência tira proveito da assimetria de informações, que leva as famílias endinheiradas a não querer “esperar para ver”.
Na atual temporada de vaivém do dinheiro, o BTG e o Itaú são os mais citados entre executivos do setor como destino dos recursos. Outro nome que aparece, pela origem do negócio, é o da WHG, fundada por ex-executivos do Credit. Mesmo quem não faz um corpo a corpo acaba sendo beneficiado, afirma o sócio de uma gestora de patrimônio, que atende o nicho de ultrarricos, especialidade do grupo suíço, porque o cliente quer ser acolhido.
A área de gestão do Credit Suisse ainda tem R$ 68,4 bilhões em multimercados. Desses, R$ 21,6 bilhões são fundos espelhos, de gestores externos. Há outros R$ 10 bilhões em fundos imobiliários e até nessa categoria, que nada tem a ver com o suposto risco CS, houve resgates, citou um executivo da área de distribuição. Procurado, o Credit Suisse não comentou o assunto.
Por Adriana Cotias