Consumo baixo na China é uma ameaça para toda a economia global

Enquanto muitos países em desenvolvimento contaram com investimentos e exportações para impulsionar seu crescimento inicial, a China é um caso à parte, tanto em termos do quanto seu consumo é baixo como de seu tamanho gigantesco

Foto: Anton Petrus/Getty Images
Foto: Anton Petrus/Getty Images

A economia da China é atípica. Enquanto em outras grandes economias os consumidores contribuem com 50% a 75% do Produto Interno Bruto (PIB), na China eles são responsáveis por 40%. O restante corresponde a investimentos, como em imóveis, infraestrutura e fábricas, e às exportações.

Nos últimos tempos, esse consumo baixo se tornou um obstáculo para o crescimento da China porque o investimento no setor imobiliário, que era um dos principais componente da demanda, entrou em colapso.

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Isso não é um problema só para a China; é um problema para o mundo todo. O que as empresas chinesas não conseguem vender aos consumidores chineses, elas exportam. O resultado: um superávit anual no comércio de mercadorias que hoje está em quase US$ 900 bilhões, ou 0,8% do PIB mundial. Esse superávit requer de fato que outros países tenham déficits comerciais.

Incômodo para os EUA

O superávit da China é uma questão espinhosa para os Estados Unidos já faz tempo e cada vez mais para outros países também. Segundo dados compilados por Brad Setser, do Council on Foreign Relations, a balança comercial de 12 meses da China com os EUA cresceu US$ 49 bilhões desde 2019, com a União Europeia, aumentou US$ 72 bilhões, com o Japão e as economias recentemente industrializadas da Ásia, US$ 74 bilhões, e com o restante do mundo, cerca de US$ 240 bilhões.

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Logan Wright, chefe de pesquisa sobre a China da empresa americana de pesquisas Rhodium Group, disse que a China responde por apenas 13% do consumo mundial, mas por 28% de seu investimento. Na sua avaliação, esse investimento só faz sentido se a China tira participação de mercado de outros países, o que torna inviável o investimento deles em manufatura própria.

“Neste momento, o modelo de crescimento da China é dependente de uma abordagem de mais confrontação com o resto do mundo”, afirmou ele.

Menos dependência do mercado interno

Enquanto muitos países em desenvolvimento contaram com investimentos e exportações para impulsionar seu crescimento inicial, a China é um caso à parte, tanto em termos do quanto seu consumo é baixo como de seu tamanho gigantesco.

Em um relatório, a Rhodium estima que se a participação do consumo da China se igualasse à da União Europeia ou à do Japão, os gastos anuais das famílias chinesas seriam de US$ 9 trilhões, em vez de US$ 6,7 trilhões. Essa diferença de US$ 2,3 trilhões – mais ou menos o PIB da Itália – é equivalente a um buraco de 2% na demanda mundial.

As causas desse consumo abaixo da média estão profundamente enraizadas nos sistemas tributários da China e em suas escolhas em termos de políticas.

Desigualdade de renda

A renda dos chineses é muito desigual e, como os ricos gastam uma parte menor de sua renda do que os pobres, isso automaticamente deprime o consumo. Dados citados pela Rhodium apontam que as famílias que ocupam os 10% mais altos na escala de renda detêm 69% do total da poupança, enquanto um terço tem taxas de poupança negativas.

Outros países lidam com essas disparidades com uma tributação mais pesada para os ricos e o aumento do poder de compra das classes baixa e média por meio de transferências de dinheiro e de saúde e educação públicas. A China faz muito menos do que isso.

Pela estimativa da Rhodium, apenas 8% de sua receita tributária vem do imposto de renda de pessoas, em comparação com 38% dos impostos sobre valor agregado, semelhantes aos impostos sobre vendas, que têm um impacto muito mais forte sobre as famílias de baixa renda.

A China também gasta menos em saúde e educação do que as principais economias de mercado, o que obriga as famílias pobres e de renda média a gastarem uma parte maior de seu rendimento disponível com isso.

Cenário ajuda na lucratividade das empresas

Enquanto isso, salários e taxas de juro reprimidos enfraquecem a renda e os gastos das famílias, ao mesmo tempo em que elevam os lucros das empresas estatais. A autoridade tributária limitada dos governos locais os obriga a aumentarem suas receitas com a venda de imóveis para manufatura e infraestrutura, o que inflaciona ainda mais o investimento.

Uma década atrás, os principais responsáveis pelas políticas chinesea compartilhavam a perspectiva dos economistas ocidentais de que, no nível macro, a China precisava se reequilibrar, de maneira a reduzir o peso do investimento e aumentar o do consumo. Em 2013, o governante Partido Comunista anunciou que dali em diante o crescimento dependeria das forças do mercado e dos consumidores.

Mas o presidente Xi Jinping acabou indo na direção oposta; o consumo continuou fraco enquanto o controle estatal sobre a economia cresceu. Ele substituiu os reformistas por pessoas fiéis ao regime, mais preocupadas com metas específicas de seus setores do que com o crescimento como um todo.

Liderança do país busca ‘independência e autossuficiência’

O princípio fundamental por trás do comércio é a vantagem comparativa: os países se especializam no que fazem melhor e exportam esses produtos em troca de importações. Xi rejeita esse princípio. Em busca da “independência e da autossuficiência”, ele quer que a China produza o máximo de produtos de que for capaz e importe o mínimo possível.

Andrew Batson, da Gavekal Dragonomics, diz que autoridades chinesas se gabam de que a China é o “único país a ter produção em cada uma das categorias de produtos industriais listadas pelas Nações Unidas”.

Ao mesmo tempo em que a China mira produtos avançados, como veículos elétricos e semicondutores, ela se recusa a abrir mão da sua participação de mercado nas áreas de mercadorias de menor valor: “Estabeleçam o novo antes de quebrarem o antigo” foi a orientação de Xi a seus burocratas, segundo relatos de meus colegas.

Baixa exportação

A Rhodium argumenta que, como resultado disso, “a China oferece menos oportunidades como mercado de exportação para os países emergentes, enquanto compete de frente com eles no espaço das mercadorias de baixa e média tecnologia”.

Países que antes viam a China como uma cliente agora a veem como uma concorrente. “Muitas empresas chinesas manufaturam mercadorias intermediárias, que são basicamente as que exportamos”, disse o presidente do Banco da Coreia, Rhee Chang-yong, no ano passado. “O suporte de uma década originário do boom econômico chinês desapareceu.”

O ministro das Finanças do México, Rogelio Ramírez de la O, reclamou do mesmo problema no mês passado: “A China vende para nós, mas não compra de nós, e isso não é um comércio recíproco.”

EUA são vistos como ameaça ao comércio mundial

Ironicamente, autoridades estrangeiras tendem a ver os EUA como a maior ameaça ao sistema de comércio mundial, desde que o então presidente Donald Trump impôs tarifas muito altas sobre produtos da China, em 2018, e tarifas mais limitadas sobre os de outros parceiros comerciais. Ele prometeu ampliar essas tarifas se for eleito para a Presidência neste outono.

No entanto, as tarifas de Trump devem ser vistas como uma reação ao fato de que a China segue uma política comercial flagrantemente abusiva e que desconsidera as regras comerciais.

Ainda assim, nenhum país pode resolver o problema sozinho. Como um dique que desvia as águas de uma enchente, as tarifas dos EUA transferem as exportações chinesas para outros mercados.

Reação dos países parceiros

Hoje, esses países começam a entrar em ação. México, Chile, Indonésia e Turquia informaram que estudam a possibilidade de impor tarifas sobre produtos da China este ano. O Canadá anunciou nesta semana novas tarifas mais pesadas sobre veículos elétricos, aço e alumínio chineses, alinhadas com as que já foram divulgadas pelos EUA.

Mas até o momento o mundo não tem uma solução unificada para a questão do baixo consumo dos chineses, porque a China se recusa a aceitar que isso é um problema.

Xi rejeita medidas de apoio tributário para as famílias, que classifica como “assistencialismo” que gera preguiça. Em abril, a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, reclamou que o “fraco consumo das famílias e o superinvestimento empresarial” da China ameaçam empregos nos EUA.

A agência estatal de notícias Xinhua chamou a declaração de um pretexto para o protecionismo. No início deste mês, o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou a Pequim que gaste 5,5% do PIB, ao longo de quatro anos, para comprar imóveis residenciais inacabados. Pequim recusou polidamente.

Com a China entrincheirada, certamente mais atritos se seguirão e um sistema de comércio mundial que já é frágil será pressionado até o ponto de ruptura.

Com informações do Valor Econômico

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