‘Cashback’ de Itaipu não será suficiente para evitar alta na conta de luz, dizem especialistas

Governo federal garantiu que não haveria elevação de custos aos consumidores após acordo que aumenta a tarifa de energia de Itaipu, pois o lado brasileiro da usina reembolsará US$ 301 mi em 3 anos

Após o anúncio do acordo entre Brasil e Paraguai sobre o aumento de 15,4% da tarifa da usina de Itaipu Binacional para o ano de 2024 com relação a tarifa de 2023 e da promessa de que o reajuste não teria impacto na conta dos consumidores brasileiros, um grupo de especialistas dizem que o ‘cashback’ (devolução financeira de recursos previamente cobrados) não será suficiente para anular o impacto no bolso do consumidor.

Em maio, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD/MG), se reuniu com o presidente do Paraguai, Santiago Peña, e ambos selaram um acordo para elevar a tarifa da energia produzida na usina, passando de US$ 16,71 por quilowatt (kW) em 2023 para US$ 19,28 por kW entre 2024 e 2026.

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Silveira garantiu que não haveria elevação de custos aos consumidores, pois o lado brasileiro da usina reembolsará US$ 301 milhões para o triênio que serão abatidos do plano de investimentos da parte brasileira.

A promessa não convenceu os especialistas, já que o aumento pode ser maior do que o cashback previsto. A tarifa de Itaipu para a venda às concessionárias de energia no Brasil é definida a partir do Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade (Cuse), um tripé que inclui a dívida contraída para a construção, pagamento de royalties e despesas de exploração.

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Em fevereiro de 2023, Itaipu pagou a última parcela e quitou a dívida histórica da construção da hidrelétrica, que representava cerca de 60% dos custos da estatal. Como o Tratado de Itaipu estabelece que a hidrelétrica não pode ter lucro, a expectativa era que o fim da dívida fosse incidir na redução da tarifa dos consumidores, mais de 100 milhões de brasileiros.

Não foi o que aconteceu. Os dados da empresa mostram que, entre 2022 a 2024, as despesas de exploração — a única componente que se eleva quando a Cuse sobe via negociação binacional — cresceram na medida em que a dívida de construção foi desaparecendo.

No orçamento divulgado pela empresa para 2024, já considerando o acordo internacional entre os dois países, o Cuse é de US$ 2,81 bilhões (R$ 15,4 bilhões). Deste montante, US$ 527,2 milhões são destinados ao pagamento de royalties. As despesas de exploração, por sua vez, aumentaram de US$ 1,51 bilhão em 2023 para US$ 2,17 bilhões em 2024, representando um acréscimo de US$ 660 milhões.

A Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar), estatal responsável pela contratação do Brasil com a Itaipu, informou ao Valor que contratou 80,5% da potência da hidrelétrica.

Isso implica que os consumidores brasileiros do mercado cativo terão que assumir 80,5% desse aumento, ou seja, US$ 531,3 milhões. Este cálculo não considera o custo da cessão de energia pago pelos brasileiros.

O ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e colunista do Valor, Edvaldo Santana, diz que a ideia do cashback é interessante para que se evite impacto ao consumidor brasileiro, mas ele pondera que o governo precisa esclarecer melhor de onde sairão os recursos.

“Para que haja o ‘back’, antes alguém precisa mostrar que existe o ‘cash’, e isso ainda não ficou claro”, ironiza Santana.

Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores, menciona o Anexo C do Tratado, que define como o custo de Itaipu deve ser calculado. Segundo Barata, neste pacto que rege as bases financeiras da usina não há margem para negociações políticas neste processo.

“Desde a assinatura do Tratado, há 50 anos, já fora determinado que ao se concluir o pagamento das despesas financeiras dos empréstimos contraídos para a construção da usina, a tarifa de Itaipu para brasileiros e paraguaios deveria ter uma queda proporcional à participação dos custos financeiros no Cuse, ficando entre US$ 10 por kW e US$ 12 por kW”, diz.

“O governo brasileiro presta um desserviço e um desrespeito aos consumidores de energia elétrica das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil”, acrescenta.

O também ex-diretor da Aneel, Jerson Kelman, é outro especialista que não concorda com o cálculo do governo e é categórico ao afirmar que nenhuma negociação precisaria ter sido feita. Para ele, esse último acordo do ministro Silveira só deveria ter sido fechado depois da aprovação por ambos os Congresso, do Brasil e do Paraguai.

Kelman lembra que nestes últimos três anos, “o Brasil fez desnecessárias negociações com o Paraguai sobre tarifa de Itaipu para empilhar gastos socioambientais” no orçamento da usina que nada têm a ver com a operação, o que triplicou do custo, de US$ 700 milhões para US$ 2,17 bilhões por ano.

“Metade das bondades socioambientais de Itaipu beneficia os brasileiros do Paraná, Mato Grosso do Sul e, em recente decisão, de Belém do Pará. A outra metade, os paraguaios. Mais de 80% desta ‘festa’ é paga pelos consumidores de energia elétrica do mercado cativo do Sul, Sudeste e Centro-Oeste e uma pequena parte pelos paraguaios”.

Procurada, a Itaipu disse que os números apresentados estão em desacordo com as regras de composição das bases financeiras da Prestação de Serviço de Eletricidade da entidade, por não levarem em conta todos os componentes do Cuse.

A estatal reafirmou seu compromisso em compensar a diferença do Cuse, de US$ 16,71/kW mês para US$ 19,28/kW mês, nos anos de 2024 a 2026, “através do repasse estimado de cerca de US$ 300 milhões por ano para a Conta de Comercialização de Itaipu”.

Já o Ministério de Minas e Energia (MME) disse que o “custo unitário do serviço de eletricidade de Itaipu manter-se-á constante, até 2026, no patamar de US$ 19,28/kW.mês”.

Adicionalmente, ficaram estabelecidos repasses do orçamento de Itaipu Binacional para a ENBPar, de modo a manter a tarifa percebida pelos consumidores brasileiros. “Ou seja, pelo lado brasileiro, a tarifa continuará em US$ 16,71, viabilizando o valor final de venda pela [agência reguladora] Aneel (R$ 205 MWh)”.

Em recente entrevista ao Valor, o presidente da ENBPar, Luís Fernando Paroli, também disse que o cashback seria suficiente. Segundo ele, os estudos indicam que são suficientes, com a previsão para os anos de 2024, 2025 e 2026 e há uma queda nesse valor, já que no no acordo o Paraguai se comprometeu a aumentar o seu consumo de potência ao longo dos anos.

“Então há uma tendência de queda deste valor que foi calculado. É claro que são feitas estimativas, pois a gente não sabe o quanto vai chover, o quanto de água vai ter e o quanto de energia vai gerar, mas são feitas estimativas e nossos técnico chegaram àqueles números e estamos confiantes que estão corretos”, diz.

Diante da controvérsia, a reportagem do Valor solicitou à TR Soluções, empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia, que realizasse o cálculo. O resultado reforça a tese de que os US$ 301 milhões propostos pelo governo não serão suficientes para cobrir a diferença na tarifa combinada entre os dois países.

Helder Sousa, diretor da empresa, também destaca que na projeção da potência a ser contratada pelo Brasil, foi considerado um aumento anual de 10% na demanda contratada pelo Paraguai. Ou seja, o Paraguai vai ter menos para vender ao Brasil.

A diretora técnica da consultoria PSR, Angela Gomes, explica que a diferença entre a tarifa de Itaipu acertada com o Paraguai de US$ 19,28 por kW e a tarifa de 2023 de US$ 16,71 por kW resulta numa conta aos brasileiros de US$ 310 milhões, de modo que o cashback proposto praticamente anula esse custo.

No entanto, ela ressalta que “como em 2024 não há mais a parcela residual da dívida de US$ 272 milhões que existiu em 2023, a tarifa neste ano poderia estar caindo proporcionalmente à esta redução da dívida”, diz Gomes.

Os gastos de Itaipu têm gerado reações de antigos dirigentes da empresa, como o ex-diretor-geral da usina, Altino Ventura, e do antigo conselheiro da hidrelétrica, José Luiz Alquéres.

Este último critica as negociações tarifárias que, segundo ele, “impõem custo desproporcional aos consumidores brasileiros, constituem grave violação do espírito original do Tratado e um crime de Lesa-Pátria, passível de ser imputado aos altos executivos brasileiros”.

Com informações do Valor Econômico

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