O câmbio e o desmonte de carry trades

Afinal, o que diminui nossa fragilidade a carry trades e outros fluxos financeiros de curto prazo?

Iene, moeda do Japão: payroll e dados mais fracos nos EUA, combinados com juros em alta no Japão, tiveram impacto no mercado cambial global - Foto: Unsplash
Iene, moeda do Japão: payroll e dados mais fracos nos EUA, combinados com juros em alta no Japão, tiveram impacto no mercado cambial global - Foto: Unsplash

A volatilidade do real frente ao dólar foi enorme nas últimas semanas. A cotação de fechamento chegou a R$ 5,76 por dólar em 5 de agosto, antes de voltar para abaixo de R$ 5,50 mais recentemente.

Há, sem dúvida, razões locais que explicam parcialmente estes fortes movimentos do câmbio.

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Em particular, a comunicação do Copom, que em uma semana passou de um “acompanhamento diligente” e “de maior cautela” (no comunicado da reunião de 31 de julho) para uma declaração de que o comitê “não hesitará em elevar a taxa de juros” se achar apropriado (na ata da mesma reunião, divulgada na semana seguinte).

Isso ajudou a conter a parte da desvalorização do câmbio que decorria da dúvida se a taxa de juros iria subir no Brasil. Se isso se fizer necessário.

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Mudanças no cenário global

Mas a própria mudança de tom do Copom foi, em si, um reflexo da forte volatilidade cambial. Esta, por sua vez também teve um componente externo muito relevante.

Mais especificamente, no Japão, o banco central havia subido juros, de 0,10% para 0,25% e, na ocasião, sinalizou mais altas de juros à frente. A decisão japonesa ocorreu em 31 de julho. O mesmo da reunião do Copom no Brasil. E dois dias antes da divulgação do número de empregos nos EUA (payroll), que veio abaixo do esperado.

O payroll e outros dados mais fracos nos EUA, combinados com juros em alta no Japão, tiveram um importante impacto no mercado cambial global.

O motivo é que, com esta conjuntura, as operações de carrego – ou carry trades, que se financiaram no Japão com os juros baixos, para comprar ativos com retornos mais promissores em outros lugares – começaram a ser desfeitas.

Afinal, a perspectiva de uma economia menos dinâmica nos EUA implica que os juros poderiam cair mais rapidamente por lá.

Ao mesmo tempo, o BC japonês sinalizava que poderia subir mais o juros. Com isso, tomar emprestado em ienes para investir em dólares tornou-se, sem dúvida, menos atraente.   

Os efeitos do desmonte dos carry trades

Na medida em que os carry trades começaram a ser desfeitos, houve uma forte valorização da moeda japonesa (que passou a ter menos vendedores). Isso aumentou o prejuízo para os que estavam alavancados em ienes, levando à venda de vários outros ativos para cobrir chamadas de margem.

Além disso, o iene mais valorizado acabou ajudando a derrubar a bolsa japonesa. Ela é repleta de empresas exportadoras, que experimentou a maior queda diária em 37 anos.  

Naturalmente, nesse contexto, carry trades com outras moedas na ponta longa que não o dólar americano também começaram a ser desmontados.

Em particular, o peso mexicano e o real brasileiro, duas moedas favoritas para este tipo de operação por terem juros altos, se desvalorizaram na medida em que os fluxos financeiros voltavam para o Japão.

O leste asiático: por que lá foi diferente?

No entanto, chamou atenção que, apesar deste “risk off” global, nem todas as moedas de economias emergentes perderam valor. Enquanto moedas latino-americanas com juros altos – como o real brasileiro e o peso mexicano – desvalorizaram, moedas do leste asiático se fortaleceram no mesmo período.

Uma razão importante para essa divergência, um tanto atípica em momento de alta aversão a risco no mundo, é que as moedas asiáticas há muito deixaram de ser atraentes para a ponta longa dos carry trades. Isso por conta das taxas de juros baixas nestes países.

Isso mostra como a prática nas economias asiáticas com políticas fiscais e monetárias críveis e coerentes, ao permitirem que as taxas de juros se equilibrem em níveis mais baixos, reduzem a fragilidade de suas moedas a momentos de maior aversão a risco no mundo.

Como reduzir a fragilidade do real em momentos de incerteza global?

Para o Brasil, fica a lição.

Um governo de tamanho grande e uma política fiscal cronicamente expansionista, razões fundamentais para que o juro brasileiro seja mais elevado em equilíbrio, acabam criando condições que atraem um tipo de capital externo especulativo que aumenta a fragilidade (e a volatilidade) do nosso câmbio em momentos de incerteza global.

Esta lição se junta à lista de razões para focar em reformas que racionalizem o tamanho do estado e melhorem a trajetória fiscal esperada no Brasil.

Somente assim, criaremos as condições para que nosso juro se equilibre em níveis mais próximos dos de economias emergentes do leste asiático. Isso diminuirá nossa fragilidade a carry trades e outros fluxos financeiros de curto prazo.  

Há naturalmente muitas dúvidas se será duradoura a melhora recente de humores nos mercados globais, decorrente de novos dados melhores nos EUA (cendas no varejo, por exemplo) e da nova comunicação do BC japonês de que não insistirá em mais altas de juros.

Mas a essa altura não deveria restar dúvida que a falta de coerência entre as políticas fiscal e monetária no Brasil nos coloca em posição cada vez mais vulnerável em diversos aspectos. Desta vez, à desmontagem de carry trades.  

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

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