Bolsa brasileira está descontada em 20% a 30%, diz chefe de investimentos do Itaú
‘Juro ficou frouxo demais por mais tempo do que deveria’, afirma executivo
Responsável pela recomendação de investimentos para clientes com carteiras que, apenas no segmento private, reúnem cerca de R$ 700 bilhões sob gestão, o executivo-chefe de investimentos do Itaú Unibanco, Nicholas McCarthy, vê a subida da bolsa brasileira como sustentável ao longo do ano, mesmo com inflação elevada, juros em alta e eleições pela frente. “Somos mais construtivos do que a média do mercado”, afirma o CIO do maior banco privado do país em entrevista ao Valor. “Os ativos brasileiros estão negociando com um desconto entre 20% a 30% na comparação com a média histórica”, avalia.
Até janeiro, McCarthy respondia como CIO do private, o segmento do banco para os clientes mais endinheirados, aqueles com investimentos a partir de R$ 10 milhoes. Há algumas semanas, o executivo assumiu também a responsabilidade pelos demais segmentos, que incluem a alta renda e o varejo. “As mesmas recomendações do private vamos expandir para todo o banco”, diz.
Receba no seu e-mail a Calculadora de Aposentadoria 1-3-6-9® e descubra quanto você precisa juntar para se aposentar sem depender do INSS
Sobre o otimismo cauteloso com a bolsa, o CIO do Itaú pondera que, em 2023, inflação alta, juros em elevação e incertezas políticas serão passado. “A partir da metade do ano, o foco dos investidores estará no que vai acontecer em 2023”, diz. “Se a gente acredita que a inflação vai cair e o próximo governo, seja qual for, terá uma agenda pró-país, então há espaço para queda de juros e PIB melhor.”
O executivo diz acreditar que o Brasil está mais resiliente a uma subida de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). “O Brasil está à frente do Fed na política monetária” e os ativos domésticos já precificam um cenário pior que o existente, o que confere certa capacidade de absorver um choque no exterior. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Últimas em Economia
Valor: Qual sua visão do mercado brasileiro para este ano?
Nicholas McCarthy: Nossa visão local é mais construtiva que a do mercado em geral. Se olharmos o ano passado, o PIB avançou – claro que ainda não saiu o número oficial, mas as estimativas indicam um crescimento de 4,5% a 4,6% – e vimos um lucro recorde das empresas da bolsa. Mesmo assim, a bolsa acabou caindo. E por que caiu? A gente acredita que a taxa de juros ficou frouxa demais por mais tempo do que deveria e isso levou a um deslocamento da inflação brasileira para acima de 10%. Então, o Banco Central começou uma política de normalização de taxas de juros. E, da mesma forma que um juro a 2% ao ano [no começo de 2021] levou a uma inflação de 10%, os juros em 11% ou 12% [estimado para o fim do ciclo de alta da Selic] trarão também a inflação para baixo.
Talvez não na velocidade que o BC gostaria. A bolsa no ano passado caiu porque todo mundo já estava olhando para este ano, em que havia uma trajetória de normalização da política monetária e isso levaria a um PIB mais baixo. E por que a gente entrou mais otimista [com a bolsa] neste ano? O desconto que ocorreu nos ativos brasileiros talvez tenha sido exagerado.
A gente está vendo aqui que, mesmo com o BC continuando o processo de alta de juros, a bolsa sobe, o dólar cai e as curvas de juros longa e intermediária estão em queda. Então ainda que neste ano o PIB venha ruim e a inflação não fique dentro da faixa que o BC gostaria haverá espaço, seja no fim deste ano ou no começo de 2023, para uma queda de juros. O mercado começa a olhar esse processo – em 2023 pode começar uma queda de juros e aí o PIB vai crescer mais e os resultados das empresas vão voltar a avançar. De modo geral somos mais construtivos em todas as classes de ativos brasileiras, sejam NTN-Bs, juros nominais, bolsa e dólar também.
Valor: O cenário fiscal pode afetar o desempenho dos ativos?
McCarthy: A gente entende que o Brasil tem um grande desafio fiscal. Mas tem coisas positivas. Mesmo este governo tendo gasto R$ 800 bilhões a R$ 900 bilhões para combater os impactos da covid-19, em 2021 a relação dívida/PIB acabou caindo de 88% para 81%. O governo foi, apesar dos ruídos, disciplinado. Entendo que há muitos desafios, é um ano complexo, tem pressão por aumentos de salários, inflação alta, várias demandas. Mas para o ano que vem o cenário melhora.
Valor: As eleições são apontadas como fonte de incertezas. Qual sua avaliação sobre o fator político?
McCarthy: Tentamos evitar operar o mercado político. Acho que dá pouco resultado e muita dor de cabeça. De forma geral, independentemente de quem ganhar a eleição, o Brasil tem de encarar uma agenda de reformas séria e de privatizações, de controle de custos e crescimento. Acreditamos que, qualquer candidato que vencer, vai ter de lidar com esse cenário. Se olharmos os governos anteriores, todos, em maior ou menor grau, acabaram fazendo seu dever de casa.
Por isso, nossa visão lá em dezembro tem se confirmado, de que os descontos gerados nos ativos eram precificação de um cenário pior do que temos. Acreditamos que há espaço até para piorar antes de voltar e há melhora [dos mercados] sem nenhum candidato ter vencido. O Brasil está entre 20% a 30% descontado em relação à média histórica. Com esse desconto, o Brasil pode aguentar cenários mais conturbados. Então estamos otimistas. Sei que não é consenso, mas nossa opinião é que os ativos têm prêmio interessante.
Valor: Uma subida de juros mais intensa pelo Fed pode afetar o mercado brasileiro negativamente?
McCarthy: Nos últimos 15 a 20 anos, o Brasil trabalhou com juro real [quando se desconta a inflação] entre 4% e 6%. Mas, de lá para cá, o país fez reformas importantes. A gente teve a reforma trabalhista, da Previdência, o governo atual somado com o anterior fez o maior número de privatizações da história, houve uma onda de IPOs, o Congresso aprovou várias legislações importantes, como a lei [marco regulatório] do saneamento, [marco regulatório] do gás, a independência do Banco Central, tenho comigo uma lista grande. Essas reformas ajudam. E, na nossa avaliação, o juro estrutural do Brasil caiu.
Acreditamos que algo entre 3% e 4% seria agora o juro real estrutural brasileiro. Hoje, quando olhamos os preços vemos [ativos com] juro real entre 5,70% a 6%. Voltamos para um patamar de preços de antes dessas reformas. A verdade é que a maioria dos mercados emergentes, liderados pelo Brasil, diferentemente do passado, começou um processo de alta de juros antes da mexida do Fed. Historicamente, os emergentes reagiam após a mexida do Fed. Esse movimento dos países emergentes aguenta bem o começo da alta de juros americana.
Valor: Qual sua estimativa para a subida de juros pelo Fed?
McCarthy: Nossa estimativa é de cinco altas, de 0,25 ponto percentual em 2022, e mais três de igual magnitude para o ano que vem. Mas o mercado brasileiro não está em pânico como estaria no passado. Houve um processo de normalização aqui no Brasil, ou seja, o país está “ahead of the Fed” [à frente do Fed]. O Brasil saiu de uma taxa de juro real de -6%, se olharmos a taxa nominal média em torno de 4% em 2021, para +6% agora. Então acreditamos que, pelo menos no caso do Brasil, o mercado aguenta sim algumas altas no mercado americano. Claro que, se houver um cenário em que o Fed tenha de subir o dobro disso, talvez a gente balance mais um pouco.
Valor: A atual alta da bolsa é sustentável em 2022?
McCarthy: Se não houver surpresas da inflação para cima, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, achamos que a subida da bolsa é sustentável. Isso porque a partir da metade do ano, entre julho e agosto, as pessoas vão começar a olhar para 2023. Se, de fato, a inflação estiver caindo, vai haver possibilidade de queda de taxa de juros. E isso gera um estímulo positivo. Dado o desconto [da bolsa] local, quem está comprando Brasil atualmente são os estrangeiros. Quem está saindo são os locais e quem está entrando são os estrangeiros. O mais importante para qualquer país, e isso também serve para os Estados Unidos, é o controle da inflação. A inflação controlada faz com que os ativos performem bem de modo geral, porque se tiver visibilidade da inflação pelos próximos anos isso estimula investimentos. Quando perde a visibilidade da inflação futura, normalmente, cortam-se os investimentos. No ano passado, provavelmente, o que aconteceu foi uma perda de visibilidade sobre a inflação. Mas agora parece que, dado a política monetária, isso melhorou. Mesmo com um PIB mais fraco neste ano, podemos ter uma surpresa positiva no ano que vem, se houver corte de juros. É isso que muitos estão olhando e como há desconto nos ativos brasileiros parece um bom momento para entrar.
Valor: Um avanço na renda variável pode ocorrer mesmo com eleições, inflação e juros em alta?
McCarthy: Muita gente fala para mim que juros baixos são bons e juros altos, ruins. Friamente falando, o importante é ter a inflação sob controle. No ano passado, tivemos juros [médios] de 4%, uma alta do PIB de 4,5%, resultados históricos das empresas e mesmo assim a bolsa caiu 12%. A nossa discussão tem sido que tanto faz o tamanho dos juros, o importante é ter a noção de controle da inflação. Isso é o que vai ser importante para os investimentos e agentes econômicos. Este ano parece mostrar isso nitidamente. A bolsa mesmo com juros bem mais altos está subindo.
Valor: Onde há oportunidades na renda fixa?
McCarthy: A gente tem estimulado muito uma carteira de renda fixa de curto prazo especialmente nos papéis isentos de Imposto de Renda [IR] tanto em [taxa] prefixado quanto em IPCA. A gente prefere essas duas modalidades em relação ao CDI. Isso porque, talvez, em 2023 haja espaço para queda do CDI. A gente prefere recomendar investimento em papéis prefixados ou atrelados ao IPCA com prazos de, pelo menos, cinco anos. Os agentes locais estão saindo da bolsa e aumentado a parcela de renda fixa e quem está aumentando a parcela em ações brasileiras são os estrangeiros. Hoje, temos uma taxa [prefixada] de juros de três anos perto de 11%, se estimarmos que a inflação neste ano vá ser algo entre 5% e 6%, em 2023, entre 4% e 5%, e em 2024 de 3% a 4%, estamos falando de uma média de inflação de 4,5% e com juros a 11% – ganhar 6% de juro real é extremamente bom para qualquer um. A cada 11 anos dobra seu patrimônio em poder aquisitivo nesse patamar. Aqui temos ainda a possibilidade de investir em papéis atrelados ao IPCA mais um spread de 6% e isentos de IR.
Valor: Qual sua visão sobre as commodities? Ainda há oportunidades de ganho?
McCarthy: Quem quiser acertar a visão [direcional] das commodities tem de ter a visão do dólar. Se a moeda americana por um motivo ou outro for para baixo as commodities performarão bem, de um modo geral. Se tiver dólar mais forte mundialmente, as commodities performarão mal. Dada a alta de juros dos países emergentes, o dólar perdeu valor [em relação às moedas emergentes] e as commodities têm tido desempenho relativamente bom. A gente é mais construtivo sim em relação a commodities. Mas é preciso lembrar que no ano passado os preços das matérias-primas dobraram de valor. E isso dificilmente vai acontecer de novo neste ano. O preço do petróleo, por exemplo, saiu de US$ 30 o barril para encerrar o ano em US$ 70 e hoje está próximo de US$ 85. Ainda que haja espaço para mais elevações, a grande alta já aconteceu. Mas prefiro colocar dinheiro nas empresas de commodities. Se você gosta de petróleo, melhor comprar uma petroleira, e assim por diante.
Valor: O real pode retomar o rumo da desvalorização?
McCarthy: O dólar em relação ao real está fora do preço. Está havendo uma normalização de política monetária brasileira mais rápido que no resto do mundo e isso fará com que, ao longo do tempo, a relação dólar-real ceda. Obviamente no meio do percurso temos a eleição que acaba gerando muita volatilidade; [a moeda americana] já caiu bastante neste ano, mas o dólar pode deslizar para algo em torno de R$ 5 ou até abaixo disso. Se o ganhador da eleição tiver uma agenda olhando para o Brasil estruturalmente há espaço para valorização do real.
Essa taxa de juros mais alta ajuda. Todas as moedas com exceção do real voltaram ao patamar pré- covid. Tirando Argentina e Turquia, que têm políticas mais radicais, em todos os emergentes similares ao Brasil as moedas voltaram ao nível de antes da pandemia. No Brasil, houve agravantes, como a política monetária muito frouxa e os ruídos políticos. Uma agenda positiva de reformas, de controle de gastos, porém, pode criar novamente ambiente favorável à valorização do real. A gente sempre foi um país muito curto prazista. Se a gente acredita que a inflação vai cair e o próximo governo, seja qual for, terá uma agenda pró-país, então tem espaço para juros caírem, ter um PIB melhor, aos ativos brasileiros que estão baratos andarem.
Valor: O varejo do Itaú terá acesso a mais produtos internacionais?
McCarthy: Minha intenção é continuar com a mesma recomendação que eu tenho [no private] e expandir para todo o banco. O Personnalité [segmento de alta renda do Itaú] já tem feito um trabalho interessante de ampliação desse olhar para o mercado internacional não só em termos de recomendação, mas também em acesso via fundos globais, ETFs, o próprio BDR. Então obviamente sempre tiveram acesso. Não tem porque ser um CIO de todo o Itaú se não tiver uma recomendação só para todo mundo.