‘Não acho que o Fed irá realizar cortes de juros este ano’, diz ex-vice do banco central dos EUA
Para ele, os bancos regionais dos EUA devem passar por um ciclo de consolidação diante dos problemas de liquidez
Os bancos regionais dos Estados Unidos devem passar por um processo de consolidação diante dos problemas de liquidez que começaram a surgir – como os que afetaram o Silicon Valley Bank e o Signature -, na avaliação do ex-vice-presidente do Federal Reserve (Fed) Richard Clarida.
“O instrumento de financiamento de emergência criado pelo Fed vai dar algum tempo para esses bancos regionais. Alguns vão conseguir atrair depósitos oferecendo juros mais altos e vão reduzir os seus lucros. Outros vão ter dificuldades em atrair volumes suficientes de depósitos para ter lucro”, disse em entrevista ao Valor, em rápida passagem por São Paulo. Desde agosto de 2022, Clarida é consultor econômico global e membro do comitê de investimentos da Pimco, gestora onde também trabalhou entre 2006 e 2018.
Receba no seu e-mail a Calculadora de Aposentadoria 1-3-6-9® e descubra quanto você precisa juntar para se aposentar sem depender do INSS
Colapso dos bancos
Clarida disse que é difícil estimar o número de bancos que enfrentarão problemas, mas afirma que vamos ver mais casos como o do Signature, banco cujos ativos foram adquiridos pelo FDIC – a agência garantidora de depósitos dos Estados Unidos. “Agora o Signature está em processo de ser vendido para outro banco. É assim que o FDIC gosta de atuar: encontrando um comprador. Vamos ver mais desses casos, tomara que sem a urgência vista recentemente”, afirma.
O economista também afirma que provavelmente haverá uma maior regulação e supervisão desses bancos regionais – conhecidos como “super regional banks” por ter uma atuação bastante local – pelo Fed nos próximos meses. “Mas isso vai reduzir os empréstimos através de aperto nos padrões de financiamento, o que vai ajudar o Fed em seu trabalho de diminuir a disponibilidade de crédito na economia”, afirmou o executivo.
Últimas em Economia
Clarida foi vice-presidente do Federal Reserve durante o auge da pandemia, entre setembro de 2018 e janeiro de 2022, quando saiu em meio a investigações sobre operações financeiras realizadas em 2020. Logo depois, investigações internas feitas pela agência de supervisão do Fed retiraram qualquer suspeita de infração cometida por ele.
Injeção de liquidez
Para Clarida, o Fed fez o que pode para socorrer os bancos, agindo rapidamente na criação de um pacote de emergência de injeção de liquidez e elevando o prazo de pagamento de noventa dias para um ano. Segundo ele, há discussões sobre a expansão do seguro de depósitos, mas isso é algo que não está entre as atribuições do Fed, e depende do FDIC ou do Congresso.
“O Fed fez o suficiente, mas ainda há coisas que potencialmente o FDIC, o Tesouro e o Congresso podem fazer”, explica. Porém, Clarida não acredita que mudanças na legislação sejam aprovadas pelo Congresso para proteger o sistema bancário nos próximos meses. “Temos um Congresso bastante dividido e não temos maioria o suficiente para aprovar mudanças nem no Senado nem na Câmara”, afirma.
A expectativa do economista é a de que os juros americanos irão atingir seu fim de ciclo na reunião de maio, entre 5% e 5,25%, com uma alta de 0,25 ponto percentual a ser divulgada na reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto de hoje e mais uma alta de 0,25 ponto em maio. “Eu não acho que o Fed irá realizar cortes de juros este ano. Existem alguns cenários em que a inflação cai rapidamente ou em que a economia se desacelera muito e derruba a inflação e o banco central corta os juros. Mas esse não é o cenário mais provável.”
Apesar de alguns analistas apontarem que o Fed deve manter os juros inalterados hoje, essa não é a visão de Clarida. “É difícil comunicar uma decisão de pausar a alta de juros com uma inflação elevada. Nós tivemos algo parecido quando eu era vice-presidente do Fed três anos atrás. Nós tivemos alguns cortes inesperados de juros durante a pandemia e os mercados reagiram com um forte movimento de venda achando que o Fed sabia de algo que eles não sabiam”, disse.
Precificação do mercado
Clarida também afirmou que o presidente do Fed, Jerome Powell, tem lidado com sua comunicação muito bem, apesar de muitas vezes o mercado precificar um corte de juros em breve.
“A precificação do mercado reflete um leque de cenários possíveis incluindo um em que a inflação cai de forma rápida. As projeções do Fed são a do cenário mais provável. Então, não é incomum haver divergências entre a precificação do mercado e o indicado pelo Fed. Eu não acho que a comunicação do Fed foi falha. Acho que o Fed focou no cenário-base e o mercado precificou outros cenários.”
O economista também não acredita que o Fed vai pausar o aperto quantitativo em vigor. “Não espero uma mudança da redução do balanço de ativos do Fed para breve”, disse. Segundo ele, o objetivo do Fed é reduzir a liquidez do mercado ao longo do tempo, mas nesse momento é necessário adicionar liquidez para os bancos que necessitam.
Clarida acredita, contudo, que o Fed poderia ter iniciado o aperto monetário alguns meses antes. “Sabendo o que sabemos agora, vendo um mercado de trabalho forte e uma inflação persistente, seria melhor ter elevado os juros antes, mas a história é o que ela é. O comitê recomendou no outono de 2021 que precisava começar o aperto monetário e o fez, primeiro reduzindo o programa de compra de ativos, depois encerrando o afrouxamento quantitativo e depois elevando os juros. Mas é legítimo dizer que o comitê poderia ter iniciado o processo alguns meses antes.”
Juros em terreno restritivo e combate a inflação
Segundo ele, até o momento os membros do Fomc tem permanecido unidos para elevar os juros para terreno restritivo e reduzir a inflação. “Agora, com o cilo chegando próximo ao fim, embora ainda não veja evidências, acredito que poderá começar a ter divergências de opiniões em breve na votação. Durante meu período no Fed, houve decisões que não foram unânimes. Mas, historicamente, é incomum ter mais de três membros dissidentes. E não tem registro na história do Fed de uma decisão contrária ao desejo do presidente.”
Clarida também projeta que os Estados Unidos devem entrar em recessão este ano, mas bem suave. “O pouso da economia será suave, suavezinho”, disse.