O que explica a apreciação do real frente ao dólar?
Uma série de fatores fortalecem a moeda local
Nos últimos dias, o dólar pegou muitos investidores de surpresa, ficando abaixo de R$ 5. Mas, afinal, o que está acontecendo? E, mais até do que isso: a cotação continua caindo até quando? Para Luiz Cherman, economista do Itaú Unibanco, e Matheus Marques, estrategista do Itaú BBA, o cenário econômico e geopolítico está muito volátil, o que favorece ao real. Segundo Cherman, existem três variáveis que sustentam essa análise:
- Exportações de commodities, como minério e soja: o conflito na Ucrânia elevou os preços das matérias-primas, o que fez com que nossa balança comercial melhorasse. “Ela está positiva em algo em torno de US$ 70 bilhões anualizados”, afirma;
- Crescimento econômico: o início de ano foi mais forte do que o que analistas e economistas esperavam, por vários fatores – todos eles temporários, como a reabertura do comércio pós-covid. “Os números que mostram o consumo estão melhores, apesar de não haver aumento de renda”, aponta Cherman. Além disso, tivemos políticas fiscais de estímulo da economia, como aumento no salário mínimo no começo do ano, governos estaduais dando reajuste salariais, liberação de valores do FGTS. “Tudo isso ajuda o consumo, e atrai investimento estrangeiro.”
- Taxa de juros brasileira em comparação com a dos EUA: Selic em 11,75% e os juros americanos entre 0,25% e 0,50%: “a diferença de mais de 11 pontos percentuais faz com que investir aqui seja mais atrativo”, diz Cherman. Segundo o Banco Central, até meados de março, entraram US$ 10 bilhões, maior fluxo dos últimos dez anos.
Qual é a tendência para o câmbio?
Todo esse cenário não deve se sustentar por muito tempo. “A partir do segundo semestre e no ano que vem, essas três variáveis devem mudar. Commodities são beneficiadas pelo conflito na Ucrânia, mas em alguma hora ele termina. O crescimento econômico é por estímulo temporário. O que sobra para a economia é o impacto acumulativo de todas as altas que aconteceram. Vale lembrar que os juros estavam em 2% em março e agora está em 11,75% devendo chegar em 13,75% e vão tendo efeito retardado na economia, com impacto maior no segundo semestre”, afirma Cherman.
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O crescimento deve ser fraco no segundo semestre ou até mesmo negativo. Soma-se a isso o fato de o Banco Central dos EUA continuar subindo as taxas, que devem terminar em algo entre 2,5% e 3% até o final desse ano, e em 4% em 2023. “A Selic deve começar a cair, chegando a pouco mais de 8%. O dólar, então, bate emR$ 5,25 no final deste ano, e a R$ 5,50 no final do ano que vem”, diz Cherman.
Investidor estrangeiro beneficiado pela liquidez
As empresas de commodities acompanharam os preços internacionais. Logo, o mercado reajustou a expectativa de lucro dessas companhias, que representam uma parcela relevante do Ibovespa num setor concentrado em large caps. “Quando o investidor estrangeiro entra na Bolsa brasileira, ele se beneficia com a maior liquidez“, diz Matheus Marques, estrategista do Itaú BBA. “Também é importante destacar a boa performance dos grandes bancos e da B3, que também têm liquidez interessante, e com valuation muito atrativo.”
Juros afetam consumidores e custo das empresas
No mercado interno, cenário é desafiador: com os juros mais elevados, o poder de compra dos consumidores e o custo financeiro das empresas são atingidos. “Mas temos que destacar dois sub-setores que tiveram performance positiva: o de supermercados e de utilities”, afirma Matheus Marques, estrategista do Itaú BBA. Utilities engloba os serviços essenciais, como água, gás e energia, que são mais defensivos.
No final do dia, quando se compara o Brasil com outros países emergentes, estamos em uma posição melhor. “Temos uma moeda mais forte e somos menos afetado pela guerra. E ainda temos o diferencial dos juros, que ainda estão elevados”, afirma Matheus.