Dissonância entre BC e governo pesa em ativos, diz Torós, da Ibiuna

Para economista, reprecificação se demonstra por meio do câmbio, que tem se apreciado; da inflação implícita e do juro real

Mário Torós, da Ibiuna: Combinação de fatores mostra que Brasil voltará a gastar, embora sem exageros, enquanto o BC se encarrega de ajustar a inflação — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Mário Torós, da Ibiuna: Combinação de fatores mostra que Brasil voltará a gastar, embora sem exageros, enquanto o BC se encarrega de ajustar a inflação — Foto: Silvia Zamboni/Valor

O mercado voltou a precificar os ativos brasileiros como imersos num ambiente em que, ao mesmo tempo, o governo pisa no acelerador no campo fiscal e o Banco Central (BC), no freio com a política monetária. “O que acontece? A taxa de juros se aprecia”, observa Mário Torós, sócio da Ibiuna Investimentos e ex-diretor do BC, ao participar do podcast “Itaú Views” ao lado do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita.

O processo de reprecificação dos ativos brasileiros pode ser demonstrado, na visão de Torós, por três canais principais: o câmbio, que tem se apreciado; a inflação implícita (embutida nas taxas dos títulos públicos), que disparou devido à guerra na Ucrânia, mas que já estava subindo para níveis próximos a 6% mesmo em prazos mais longos; e o juro real, que tem se mantido em níveis elevados.

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“É uma combinação de fatores que mostra que o Brasil voltará àquela situação de política econômica que era a que vigia no governo Lula: ‘manda pau’ no gasto na medida do possível, sem grandes exageros, e o BC ajusta a inflação via monetário”, diz Torós. O conteúdo, que vai ao ar nesta segunda-feira, foi antecipado para o Valor.

O economista ressalta, porém, que a principal questão neste momento será como adotar essa política quando a relação entre dívida e PIB deve chegar ao fim deste ano em torno de 85%.

Na avaliação de Mario Mesquita, a dívida não está em uma trajetória sustentável, ao ser considerados parâmetros como um juro real entre 5% e 6%. “Por que a gente não tem um estresse maior [no mercado]? Porque o mercado confia que, quem quer que esteja no poder em 2023, vai estabelecer um arcabouço fiscal consistente que vai sinalizar a sustentabilidade futura da dívida”, diz.

O economista do Itaú e também ex-diretor do BC avalia que o nível de dívida que deve causar estresse maior no mercado ainda não é conhecido. “Depende muito da confiança. Se os agentes confiarem que a dívida será bem administrada e que a política fiscal garantirá a sustentabilidade da dívida, eles convivem com patamares mais altos”, aponta Mesquita. Ele, contudo, enfatiza que, se houver perda de confiança por parte dos agentes do mercado, pode haver encurtamento do perfil da dívida, aumento de juros, troca de papéis com taxa fixa pelas LFTs e outros movimentos tradicionais em momentos de estresse no Brasil.

Mesquita acredita que essa preocupação não está presente no momento atual, em que o cenário mostra uma apreciação do real, turbinada por juros elevados. “Hoje em dia, quem tem taxa mais elevada é a Rússia, a Argentina e a Turquia. Estamos em um patamar de risco bem inferior”, diz. Assim, o Brasil atrai capital e consegue aproveitar, ainda, a alta dos preços das commodities.

“O mundo mais complicado pode ter benefícios de curto prazo para o Brasil com essa alta de commodities em um ambiente de juro local bastante elevado”, diz. O economista do Itaú, porém, enfatiza que, se a situação fiscal fosse melhor, com um arcabouço consolidado e que não sofre tantas alterações, “a gente poderia ter uma moeda mais apreciada e não precisaria ter um juro tão alto para controlar a inflação”.

Torós lembra, durante a conversa, que havia uma incerteza sobre as eleições, que remetia ao ano de 2002, quando o dólar disparou e as taxas de juros, de forma geral, subiram muito. “E o que a gente está vendo de reação dos preços dos ativos não é semelhante a 2002. Confesso que eu não imaginava que seria tão racional quanto está sendo. Na verdade, estamos sendo racionais. O governo Lula não é mais aquele que vai fazer uma auditoria na dívida externa, todas aquelas discussões que a gente tinha em 2002… É simplesmente um governo que vai gastar, não loucamente como na nova matriz econômica, mas vai gastar, e a taxa de juros vai fazer o serviço para fazer esse ajuste”, diz o sócio da Ibiuna.

Para ele, porém, como o balanço do Brasil se mostra mais deteriorado, como observado na relação dívida/PIB em níveis elevados e um nível de crescimento mais baixo, “parece ser uma situação bastante mais complexa para manter aquela política econômica”.

Ao comentar sobre a economia global e as implicações econômicas da guerra na Ucrânia, Torós avalia que, enquanto 2021 foi marcado pela aceleração da inflação, 2022 tende a ser o ano da reação dos bancos centrais. “Adicionando a isso, obviamente passamos a ter um risco geopolítico importante”, afirma, ao apontar que o conflito entre Rússia e Ucrânia reforça a visão da Ibiuna sobre uma inflação mais elevada ao redor do mundo e sobre como os bancos centrais irão reagir a esse cenário.

Para Mesquita, a guerra gera um novo choque de oferta, que atinge uma economia global já com problemas inflacionários e tende a exercer pressões baixistas sobre a atividade econômica global. E, em um ambiente de inflação mais alta, “os bancos centrais vão ter de repensar um pouco suas estratégias de política monetária”. O economista avalia, porém, que, no curto prazo, a incerteza elevada pode fazer os bancos centrais atuarem com parcimônia. Como exemplo, cita o Federal Reserve (Fed), que, nesta semana, deve elevar os juros em 0,25 ponto, após ter descartado uma alta mais forte, de 0,50 ponto, após o início da guerra.

Quanto ao Banco Central do Brasil, Mesquita avalia que o processo inflacionário já começou a ser combatido em 2021 e que, agora, o novo choque de oferta gerado pela guerra indica uma situação em que a autoridade monetária tem de administrar prejuízos. “Em parte, ele vai combater o efeito secundário, o efeito que o choque pode ter sobre as expectativas. E, em parte, vai se resignar ao fato de que a inflação vai ficar mais alta”, diz.

O economista do Itaú acredita que as projeções de inflação deste ano devem migrar de 5,5% para cerca de 6,5%. “Não tem muito o que ele possa fazer no curto prazo para evitar que isso aconteça”, diz. Para Mesquita, o que está ao alcance do BC é recalibrar a política de forma a evitar que a piora das expectativas inflacionárias deste ano se arraste para 2023 e 2024.

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