Disputa por gestão de fortunas acelera com alta de juros e crescimento baixo

Dados da Anbima mostram crescimento de 5,23%, para R$ 1,874 trilhão, no volume sob gestão dos serviços de private banking no Brasil

Ilustração: Renata Miwa
Ilustração: Renata Miwa

Num ano em que o segmento de private banking pouco cresce no Brasil, tem sido a velha disputa por um pedaço maior do patrimônio do investidor de alto patrimônio que prevalece entre os principais competidores. A alta de juros contribuiu para a volta de investidores para a renda fixa dos grandes bancos, enquanto a diversificação internacional e regional das estruturas ajudou a trazer famílias ligadas a setores que estavam subatendidos, como o agronegócio.

No ambiente concorrencial, o ruído envolvendo o Credit Suisse globalmente — banco estrangeiro mais bem sucedido no Brasil em administração de fortunas — serviu de munição para algumas conversas. Quem esboça dúvidas ou se sente desconfortável com o processo de capitalização do grupo suíço é naturalmente acolhido.

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Os dados fechados até o terceiro trimestre divulgados pela Anbima, que representa os mercados de capitais e de investimentos, mostram um crescimento de 5,23%, para R$ 1,874 trilhão no volume sob gestão dos serviços de private banking no Brasil — a conta não inclui recursos no exterior. A variação foi pouco acima do IPCA, de 4,8%, no acumulado do ano até setembro, pelos efeitos temporários da queda dos preços de energia. A inflação de bens e serviços consumidos pelas famílias endinheiradas pode ser, contudo, maior por haver uma parcela mais representativa dos gastos em moeda estrangeira.

“Não foi um ano tão fácil para ativos em geral. Na parte local, os multimercados foram bem, mas se olhar para a bolsa, principalmente os gestores de retorno absoluto — não aqueles que ficam preocupados em seguir o Ibovespa —, sofreram mais, não entregaram tanta geração de alfa [retorno excedente]. Somado a isso, quem tinha ativo offshore na carteira foi impactado”, resume Rogério Pessoa, sócio-responsável pela divisão de gestão de riqueza do BTG Pactual.

O executivo diz que, apesar disso, o banco conseguiu captar dinheiro novo. Foram atraídos cerca de R$ 60 bilhões no primeiro semestre, a R$ 463 bilhões, partindo de R$ 428 bilhões ao fim de 2021. Os dados relativos ao terceiro trimestre serão divulgados nesta terça-feira junto com o balanço do BTG, e o estoque deve superar a casa dos R$ 500 bilhões, estima o executivo. Nessa conta, entram os clientes do “wealth” proprietário e as grandes contas originadas do relacionamento da plataforma de agentes autônomos.

Pessoa o avalia como um excelente resultado, considerando-se um 2022 em que o movimento foi mais tímido em operações de mercado de capitais, especialmente em ofertas secundárias de ações — cuja liquidez vai para o bolso dos acionistas e não para o caixa das companhia.

“A dinâmica é mais de rouba monte mesmo, e daí acaba trazendo recursos da concorrência”, afirma o executivo do BTG. “Plantamos a semente por muitos anos. No nosso pipeline [operações em preparação], sem falar nenhum nome específico, tem mais R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões, se vai se materializar até o fim do ano, a gente não sabe.”

A atração de três escritórios de assessorias que eram ligados a outras plataformas tem potencial de acrescentar R$ 10 bilhões, calcula Pessoa.

No segmento de fortunas, há um deslocamento de recursos no “flight to quality” (a fuga para a qualidade), que ainda não aparece nas estatísticas da Anbima até setembro. É um movimento de outubro, diz Fernando Beyruti, CEO global do private banking do Itaú Unibanco. “Temos sido cautelosos com a situação, só que realmente, pelo fato de o banco ter um market share relevante, tem muito cliente que liga perguntando, tem um fluxo razoável vindo, mas a gente tem todo o cuidado, não querendo fomentar [a desconfiança], porque não tem um problema mais sério [no Credit Suisse], especialmente no Brasil.”

Só em ativos locais sob o guarda-chuva do Itaú eram R$ 534 bilhões até setembro — conta que beira os R$ 800 bilhões se considerar a parcela internacional, que não entra nos números da Anbima. Até o terceiro trimestre, o Itaú tinha captado liquidamente cerca de R$ 25 bilhões, mas se somar o fluxo de outubro já são mais R$ 39 bilhões, diz Felipe Nabuco, que lidera as equipes comerciais e de recomendação de investimentos do banco no Brasil e no exterior.

O executivo diz que, no primeiro semestre, houve um ingresso forte para ativos de renda fixa, depois de os investidores testarem posições mais arriscadas na fase de juros ultrabaixos. “Normalmente, o cliente tem uma conta no Itaú e num segundo e terceiro bancos, manda para cá parte dos recursos e uma parte para a concorrência. Essa parte da concorrência diminuiu, uma das razões é a renda fixa, e um pouco de rouba monte foi por questões de performance em outros players do mercado.”

Beyruti acrescenta que, no objetivo de ganhar fatias adicionais de mercado, tem feito diferença projetos de regionalização e integração com outras áreas do grupo nessa abordagem, como corporate, mercado de capitais, equipe de gestão de patrimônio e a capilaridade com os escritórios de assessoria ligados à corretora Íon. “O eixo Rio-São Paulo já é muito relevante, é difícil mudar quando você já tem cerca de 30% de market share.”

Nabuco diz que ao levar o banco todo para apresentações onde o private banking não estava presente tem sido uma grande oportunidade que começa a dar frutos.

No BTG, as adições à estrutura, no Brasil e no exterior, têm auxiliado no efeito multiplicador, com o fortalecimento da equipe em Miami, por exemplo, diz Pessoa. O escritório em Portugal, criado há 2,5 anos, virou corretora e hoje responde por cerca de bilhões de euros. Já tem um banqueiro em Londres, e em 2023 terá presença em Madri para atender clientes latinos que mudaram a residência fiscal. No Brasil, foram abertos cinco escritórios no Nordeste, ampliando a cobertura, antes restrita ao Recife, para Salvador e Fortaleza.

Considerando só a captação doméstica, dentro do Bradesco a estimativa é de ingresso líquido de R$ 30 bilhões, para R$ 392 bilhões, segundo o diretor de private banking, José Augusto Ramalho de Miranda. Essa soma inclui cerca de R$ 6 bilhões provenientes da transferência da operação de gestão de fortunas no Brasil do BNP Paribas para o banco, anunciada em junho.

“Foi um ano de cinto apertado, que até teve geração de riqueza, mas não como em 2021 com aquela quantidade de IPOs [ofertas iniciais de ações]”, diz Miranda.

O crescimento foi em cima do aumento do time da linha de frente, com 62 pessoas entre banqueiros, assistentes e outros profissionais de mercado, que responderam por “60% a 65% desse rouba monte”. O executivo afirma que instituições que dependem mais da atividade de banco de investimento para turbinar o private banking podem ter sofrido mais, e que o banco conseguiu se aproveitar da oferta cruzada com outras áreas, como o corporate.

A presença constante do Credit Suisse no noticiário trouxe questionamentos, com “alguns clientes muito preocupados”, afirma Miranda. “Aqui o discurso foi ‘fair’ [justo] ao tratar o que [o banco] está passando, a gente não percebe que haja um desespero, mas dado o desconforto, de forma tranquila se colocou à disposição. A orientação foi tratar com responsabilidade um momento complexo. O nervosismo maior já foi, mas de qualquer forma ficamos na posição de apoio para as famílias que quiseram conversar.”

Com a divulgação da estratégia global, “ficou claro um inequívoco foco nas atividades de ‘wealth management’ e nos mercados com alto potencial de crescimento, como o Brasil”, escreveu em nota Rafael Gross, responsável pela área de clientes do Credit Suisse localmente. “Nos últimos anos, nossa operação para clientes brasileiros (‘onshore’ e ‘offshore’) cresceu 15% ao ano em média. O Brasil continua sendo absolutamente foco para o Credit Suisse e nossa meta de dobrar o tamanho da operação no país entre três e cinco anos não se alterou.”

Miranda, do Bradesco, diz também ter percebido o retorno de clientes que testaram casas menos tradicionais em gestão de fortunas, porque acabaram não percebendo “muito valor agregado em produtos vendidos”, menos triviais. No ano passado, em meio a alta acelerada da Selic, sobraram perdas para carteiras de renda variável e de renda fixa. “Não tem problema se o cliente for agressivo, mas se for alguém mais conservador, talvez não faça sentido.” E como o ativo vencedor de 2022 é o velho e bom CDI, o investidor fica mais confortável nas alternativas convencionais dos títulos emitidos pelos grandes bancos.

A dinâmica da renda fixa gorda também pesou a favor do incremento dos volumes sob o guarda-chuva do private banking do Santander. Segundo o diretor da divisão, Vitor Ohtsuki, o patrimônio cresceu 9% até setembro. O banco não dá abertura para os valores. “A gente aproveitou essa onda da busca do cliente pelas opções com juros mais altos, e acelerou bastante a captação, com letras, LIGs [título imobiliário] as mais variadas”, diz.

O executivo afirma que toda vez que há algum tipo de ruído no segmento de fortunas há um “flight to quality” e diz que o Santander costuma ser beneficiado nesses momentos, sem citar um nome em particular. O banco também ganhou terreno no segmento agro, na sequência da estratégia de interiorização, em regiões que são grandes produtoras de alimentos, no centro-oeste e sul do país.

Eventos de liquidez no Nordeste e a adoção de uma estrutura de vendas cruzadas com o “middle” [empresas médias] e “large corporate” [grandes empresas] deram a sua contribuição. Exemplo disso é que o Santander dobrou a carteira de financiamento de aeronaves neste ano, via leasing para importação. Com o crédito, o cliente acaba se vinculando à instituição. Ele calcula que o banco tenha de 5% a 6% dos volumes de crédito tomados no segmento private, volume que somava R$ 85,8 bilhões ao fim de setembro, segundo a Anbima.

Com cerca de 40% da alocação em ativos no exterior, os clientes do UBS Consenso sentiram os efeitos da desvalorização dos ativos nas suas carteiras neste ano de alta de juros nos Estados Unidos e queda das bolsas. Segundo Bruno Barino, que co-lidera a área de gestão de riqueza, o banco não tem estimulado aumentar a exposição internacional, mas não sugeriu diminuí-la, por considerá-la estrutural, é uma diversificação bem vinda para o longo prazo. Mas, em termos de captação, o executivo diz que houve um incremento na casa de 15% a 20%, sem abrir os valores.

Em relação ao episódio do Credit Suisse, Barino diz que não houve nada específico, mas percebe que o investidor de alto patrimônio está cansado de ser acessado a todo momento e que há quem venha buscando a centralização dos mandatos que casam gestão local e offshore. “O problema maior acontece quando se oferece o produto certo para o cliente errado. Negócios focados num modelo de remuneração mais agressivo, sem base fixa de pagamento para o assessor, quando vai oferecer para o cliente maior, fica torta a equação”, diz Barino, referindo-se à distribuição pelo canal dos agentes autônomos. “É diferente de você fazer um trabalho sem aquela pressão de que se não vender, não ganha nada.”

Por Adriana Cotias

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