Crédito corporativo retorna à prateleira do investidor após trauma com Americanas

Depois de um primeiro semestre difícil, a segunda metade de 2023 parece reservar boas oportunidades

Mercado de investimento (Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil)
Mercado de investimento (Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil)

Depois de um primeiro semestre difícil para o investidor que comprou crédito corporativo, classe de ativos que perdeu rentabilidade após a fraude da Americanas (AMER3) e o pedido de recuperação judicial da Light (LIGT3), a segunda metade de 2023 parece reservar boas oportunidades para o setor.

Após meses sem novos produtos, que praticamente secaram a oferta de crédito na praça, empresas como Aegea, TIM e Cosan reabriram o mercado de debêntures. Juntas, de julho para cá, elas emitiram mais de R$ 13 bilhões em títulos de dívidas, consideradas de alta qualidade pelas agências de classificação de risco.

Inscreva-se e receba agora mesmo nossa Planilha de Controle Financeiro gratuita

Com a inscrição você concorda com os Termos de Uso e Política de Privacidade e passa a receber nossas newsletters gratuitamente

Ao mesmo tempo, alguns fundos de renda fixa populares – apimentados por crédito – parecem ter recuperado o curso do ano anterior. Eles fecharam julho com desempenho acima do CDI (taxa de juros de referência que caminha de mãos dadas com a Selic) e, principalmente nos últimos 20 dias, experimentam um aumento na demanda por parte dos clientes.

Melhora na captação

Como consequência, o mercado de fundos expostos a crédito conseguiu estancar a fuga de investidores, que sacaram nada menos do que R$ 150 bilhões entre os meses de janeiro e maio de 2023, segundo compilação da Itaú Asset, com base em levantamentos da Anbima.

Os gestores, com isso, chegam à segunda metade de agosto animados. Eles aguardam por um movimento de alta de clientes daqui para o resto do ano, tendo como chamariz o prêmio de risco, que em um momento de tendência de queda da taxa Selic e de uma Bolsa que demora a engrenar, é considerado alto, acima dos demais produtos do mercado.

Sinais de um novo momento

Um exemplo é o que vem acontecendo com dois dos fundos que mais ficaram marcados pelos eventos de crédito do início do ano, o Nu Reserva Imediata, da gestora do Nubank, e o Itaú Personnalité Privilège, da Itaú Asset.

Até então, eles eram tidos como dois dos maiores fundos de varejo do setor. Mas, comprados de debêntures da Americanas e da B2W, o desempenho caiu para baixo da CDI, levando a uma enxurrada de saques.

Cerca de 450 mil clientes pediram resgaste do produto da Nubank (menos R$ 1,18 bilhão de patrimônio) e 26 mil retiraram R$ 7 bilhões do fundo da Itaú Asset.

Hoje, depois de limparem os papéis problemáticos do portifólio, os fundos voltaram a superar a taxa de referência. O volume de captação também voltou a subir. A Nu Asset diz que estabilizou a clientela no patamar de 1,7 milhão e o Itaú já está operando no azul.

“De fato, o que vem acontecendo ao longo dos últimos meses é que esse movimento de resgate, que foi mais forte em janeiro, fevereiro e março, se esgotou”, diz Pedro Boainain, diretor de investimentos de crédito e renda Fixa na Itaú Asset. “Em julho, o saldo entre resgates e aportes já ficou empatado. E, em agosto, está marginalmente positivo para captação”, afirma.

Mercado já conseguiu empatar as perdas

As empresas de gestão comemoram o fato que, após meses para se riscar da memória, o mercado parou de encolher. Os resgates estão em um ritmo considerado baixo – de forma geral, menor até mesmo que os da semana que antecederam a crise da Americanas, em janeiro. E os aportes retornaram, embora ainda aquém do que se viu até o ano passado.

“A gente está no zero a zero, o que é bom. A recuperação é devagar, mas os fundos deixaram de perder cotistas”, diz Marcelo Peixoto, gestor de renda fixa e sócio da Trígono.

Janela de oportunidade

Para o investidor, essa equação entre o lançamento de títulos de boa qualidade (originados por empresas com selo de boas pagadoras) e demanda ainda distante das máximas pode representar uma oportunidade de colocar um dinheiro extra no bolso.

Funciona mais ou menos assim: enquanto os investidores ainda não estão se acotovelando por um produto de renda fixa, o mercado sobe os juros ofertados para ver se atrai compradores. Quando a procura esquenta, o prêmio cai.

Nesse sentido, um levantamento da gestora da Porto Seguro, obtido com exclusividade pela Inteligência Financeira, mostra que, na média, os papéis de crédito corporativo estão 0,50% ao ano mais atrativos atualmente do que em agosto de 2022.

De acordo com a Porto, o spread dos títulos de crédito (a diferença entre o preço de compra e o de venda capturada pelo investidor), hoje oferece, na média, o retorno do CDI, acrescido de um extra de 2,15% ao ano, contra um prêmio que estava em 1,64% um ano atrás.

Numa conta simples, isso significa que um título comprado hoje apresenta um retorno médio de 15,40% ao ano para o aplicador – valor obtido pela soma da taxa Selic, atualmente em 13,25%, acrescido dos 2,15% extras.

Essa diferença já foi maior. Chegou a 2,51% acima do CDI em fevereiro. “A abertura de spreads entre janeiro e maio foi tão grande que os prêmios para o investidor ficaram muito interessantes”, diz Ivan Fernandes, gestor de crédito privado da Kinea. “O pessoal falou, ‘poxa, o spread abriu mais de 100 pontos base em alguns meses’. Então, o dinheiro começou a voltar para a indústria”, conta.

Na opinião de Alejandro Schiuma, que lidera a área de renda fixa e crédito do EQI, o momento é bom para o investidor. Mas a tendência é dessa curva de prêmios ir fechando. “O mercado viu ótimos produtos serem lançados a um juro muito alto. Isso tende a cair nos próximos meses”, diz.

Como funciona o crédito corporativo

O crédito privado é nada mais do que um título de dívida emitido por uma empresa que, geralmente, busca recursos para tornar possível um projeto, expandir um negócio ou por necessidade de capital de giro na operação. Comprar um título de crédito privado nada mais é do que emprestar dinheiro para a empresa, em troca de uma remuneração definida, geralmente em CDI, acrescido de um prêmio de risco.

Apesar de ser classificado como investimento de renda fixa, já que o investidor que mantém o papel até a data de vencimento sabe exatamente quanto ele irá receber, o título de crédito sofre flutuações ao longo do caminho, o tal do spread registrado no mercado secundário. Isso pode fazer com que o retorno fique mais alto ou mais baixo para quem quiser vender o papel antes do prazo do vencimento.

Quem costuma ganhar dinheiro com essas flutuações são justamente os fundos de investimento, que é onde boa parte dos investidores aplicam nessa modalidade hoje em dia no Brasil. Acredita-se que 15% de todo o montante atualmente aportado em fundos de investimento estão expostos a crédito corporativo. Foram justamente os fundos expostos a crédito os que mais sofreram com resgates após os eventos da Americanas e da Light, que pegaram o mercado financeiro de surpresa no começo do ano.

Colaborou Pedro Knoth

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


VER MAIS NOTÍCIAS