Como um ex-diretor da XP montou uma corretora nos EUA para levar os brasileiros a investir no exterior

Roberto Lee montou do zero a Avenue, que hoje tem 500 mil clientes, recebeu aporte de R$ 150 milhões do Softbank e foi vendida para o Itaú, numa transação de quase R$ 500 milhões

Roberto Lee, CEO da corretora Avenue. Ilustração: Marcelo Andreguetti
Roberto Lee, CEO da corretora Avenue. Ilustração: Marcelo Andreguetti

Logo após fundar a corretora americana Avenue, o empresário Roberto Lee levou um balde de água fria de um importante investidor americano da cena de venture capital que colocou em risco sua ambição de criar uma porta de entrada para o brasileiro investir nos EUA. Era 2018, ele tinha vendido sua participação na XP e se mudado para Miami com mulher, dois filhos pequenos e dois cachorros boxers para abrir a Avenue, então menor que uma salinha no WeWork na cidade.

“Escuta aqui: você veio para Miami para empreender ou para ficar ‘de boa’? Deve estar de brincadeira; está aí para passear e não para trabalhar. Não vou investir na Avenue porque está em Miami.” E não colocou nenhum centavo na empresa, que hoje tem 500 mil clientes, recebeu aporte de R$ 150 milhões do Softbank e que foi vendida em julho para o Itaú, numa transação de quase R$ 500 milhões.

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Roberto Lee, que segue como CEO da Avenue mesmo após o negócio com o Itaú, montou do zero e depois vendeu três corretoras, num mercado acirrado, que passou por sucessivas ondas de consolidação e em que poucos se deram bem na disputa pelo dinheiro do investidor pessoa física brasileiro.

Colegas da Faria Lima dizem que Lee, como é conhecido, queria mesmo se mudar para a Flórida para ter uma vida mais tranquila, ainda antes dos 40 anos, e após vender dois empreendimentos bem-sucedidos para concorrentes brasileiros.

Miami é uma cidade cosmopolita, com pessoas de todo o mundo e onde se ouve inglês, espanhol e português na rua. A cidade se tornou refúgio para aposentadoria de americanos de classe média alta da costa leste e latino-americanos endinheirados autoexilados nos EUA. Só mais recentemente virou um hub de startups de criptoativos e de fintechs com interesse na América Latina.

Quando saiu da XP, Lee conta que estava decidido a abrir uma corretora nos EUA voltada para brasileiros porque enxergava um estrangulamento da variedade de produtos oferecidos ao público local. Então, afirma ele, era hora de levar o brasileiro a prateleiras internacionais de investimentos para ver o mundo como ele é lá fora.

“A Avenue é um pouco da Patagon, mas 20 anos depois. A ideia lá era fazer o brasileiro acessar produtos fora do país. Mas a internet era discada”.


Roberto Lee

Lee já tinha apresentado sem sucesso a ideia para a XP e outros players brasileiros, mas a proposta não foi bem aceita porque as plataformas de investimentos americanas trabalhavam com margens apertadíssimas, que chegam a ser menos da metade da brasileira. Por que trazer esse mundo hiperultracompetitivo para o Brasil, enquanto ainda havia muita margem para ser explorada aqui?

Rumo aos EUA, Lee chegou a cogitar com a mulher, Carol, fazer isso em Nova York, mas percebeu que sua vida não seria muito diferente daquela de outros brasileiros trabalhando em Wall Street. Iria morar num cubículo em Manhattan, andar de metrô e táxi amarelo o dia todo, ter uma vida estressante, com maratonas de reuniões, além de passar frio.

Outra opção, completamente diferente, seria a Califórnia — lugar efervescente, que respira tecnologia, berço das startups que mais deram certo. Seria um ambiente disruptivo, mais relaxado e quente do que Nova York, mas longe de tudo e em outro fuso horário — tema importante para quem vai trabalhar com brasileiros, falando português e desenhando produtos para clientes no Brasil.

Para ele, a decisão mais sensata era Miami, na Flórida, que está no “meio do caminho” entre São Paulo, Nova York, San Francisco e mesmo da Europa. A Flórida trabalha num fuso horário não muito diferente do Brasil e tem vários brasileiros e latino-americanos para contratar, o que facilitaria a operação.

Como fez em diferentes momentos de sua vida de empreendedor ao iniciar um novo negócio, logo que se estabeleceu em Miami foi procurar as demais corretoras de investimento, gente do mercado financeiro, autoridades e reguladores. Queria se apresentar, falar do projeto da Avenue, pedir indicações de caminhos a seguir, saber sobre possíveis contratações.

“Foi um choque. Lembro que voltei para casa e disse: ‘Carol do céu, parece que mudamos para Cuiabá, estamos fora do circuito…’. Porque Miami era isso. Só que demos uma sorte, e a cidade se transformou.”

“O mercado, a cada dez anos, troca de mãos. Cada época tem seus vencedores. Acredito que agora será a Avenue, com internacionalização”.

Roberto Lee

Filho de dono de corretora da antiga Bovespa, Roberto Lee tem hoje 42 anos e sua trajetória profissional se confunde com a evolução dos investimentos para pessoa física no Brasil. Ainda criança visitava clientes e o pregão da bolsa com o pai, um imigrante chinês, dono da Investplan. Ele desenhava em cautelas de ações. Cresceu em meio à velha-guarda dos corretores da bolsa. “Todos muito agradáveis, bons de conversa, mas que tomavam uísque às três da tarde na segunda-feira”, diz.

Para este “À Mesa com o Valor”, Lee escolheu o Sallvattore, no Itaim. Ao longo de um almoço de quase três horas, numa tarde fria e cinzenta de São Paulo, Lee discorre com detalhes mínimos sobre cada uma das fases do mercado de investimentos no país. Narra em diversos momentos sua obsessão por descobrir qual seria a próxima tendência desse mercado, sempre a partir da correção de rota ou de limitações do período anterior. E como estruturava o serviço financeiro que poderia suprir essa demanda — eram os períodos de “garagem”, como ele se refere às fases de incubação de uma nova empreitada.

Roberto Lee começou em 1997 como trainee do banco Bilbao Vizcaya, onde foi operador de pregão viva-voz da bolsa de valores, ainda antes de completar 18 anos, no final dos anos 90. “Para entrar no pregão tinha que ser emancipado e usar terno e grava. Era só homem no pregão, não tinha nem banheiro feminino. Tinha trote na bolsa. Os caras me colocaram para ninar um extintor. De hora em hora, tinha que trocar a fralda do extintor. A ficha de corretagem era um cartão perfurado”, diz.

Depois, embarcou na onda das empresas pontocom e trabalhou na antiga Patagon, uma das primeiras corretoras digitais da época da internet discada. De origem argentina, a Patagon era rival do antigo Investshop, na época do Bozano, Simonsen, de onde saiu o colega Guilherme Benchimol antes de fundar a XP. A Patagon tinha operação em vários países latino-americanos e almejava vender ações e investimentos do mundo globalizado para o brasileiro.

“Era como o WeWork, inchado, tinha gastos que não precisavam, salários bizarros daquelas confrarias pontocom. Era uma grana danada. Por mais triste que fosse, e muita coisa legal sendo feita por lá, sabia que não ia dar resultado. Poderia acontecer, mas depois de dez anos. Só que para a infraestrutura do mercado como um todo, a contribuição daquela época foi fundamental. Eles criaram as bases para o que está acontecendo hoje”, diz.

Sem estrutura de banda larga, dificuldades regulatórias e com público muito pequeno, a Patagon não sobreviveu ao estouro da bolha da internet. Já Roberto Lee aprendeu nessa casa o que seria a principal proposta da Avenue de internacionalização do investidor brasileiro.

“A Avenue é um pouco da Patagon, só que 20 anos depois. A ideia lá era fazer pessoas físicas acessarem produtos financeiros de fora do Brasil. Abria conta no site, colocava dinheiro no Brasil, fazia uma operação nos EUA e passava o cartão na Alemanha para tomar um sorvete. Só que naquela época a internet era discada”, diz.

“Era uma loucura justificada no plano de negócios. Diziam: ‘nós vamos crescer e dominar o mundo. Será tão dominado, que isso aqui vai ser um troco’. É muito parecido com a narrativa de hoje do mundo cripto”, diz, se referindo à atual febre das criptomoedas e à corrida de bancos e corretoras para tokenizar ativos e oferecer produtos para os clientes.

Com a experiência da Patagon, Lee foi estruturar o homebroker da Ágora, então uma das maiores corretoras para investidores institucionais e que apenas cogitava se aventurar no promissor, porém instável segmento de varejo de pessoa física pela internet.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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