‘Com o crescimento revisado para baixo e a inflação, para cima, os ativos de risco irão performar mal’, diz Camara Lopes, da Itaú Asset

Para Eduardo Camara Lopes, diretor de investimentos da Itaú Asset Management, alto grau de incerteza política e fiscal deve afetar mercados até o segundo turno

Camara Lopes, da Itaú Asset: " 'Coisas' andam mais que 'dinheiros' em uma crise inflacionária” — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Camara Lopes, da Itaú Asset: " 'Coisas' andam mais que 'dinheiros' em uma crise inflacionária” — Foto: Silvia Zamboni/Valor

A fragilidade do arcabouço fiscal brasileiro e a antecipação da discussão eleitoral foram dois fatores que pesaram no mercado no segundo semestre de 2021 e que levaram os ativos domésticos “para um lugar bem ruim”. Para haver uma descompressão dos prêmios de risco exigidos desde então, o diretor de investimentos da Itaú Asset Management, Eduardo Lopes, avalia que é preciso haver uma reversão dos fatores que geraram a necessidade desses prêmios maiores. “É preciso ter uma acomodação ou reversão das expectativas de inflação, que estavam deteriorando sem parar. Também precisamos parar de ver revisão de crescimento para baixo e ter uma menor incerteza política e fiscal”, disse em entrevista ao Valor.

No entanto, esse ambiente mais incerto deve acompanhar o Brasil ao longo do primeiro semestre. Apesar de ver um cenário no qual os ativos brasileiros estão muito baratos, o profissional observa que a incerteza elevada deve acompanhar os mercados domésticos ao menos até o fim de outubro. Camara Lopes, porém, ressalta que os preços dos ativos locais estão baratos, embora observe que há um apelo baixo ao se comparar com outros fatores. “Em um mundo que está discutindo viagem para Marte, carro autônomo, carro voador, chips, painel solar, energia limpa, grid de matriz energética, o Brasil não está em nada disso.”

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Valor: Como o sr. tem visto a recente reprecificação nos mercados à comunicação mais dura do Fed?

Eduardo Camara Lopes: O Fed está reagindo de maneira correta aos dados que vêm mostrando uma inflação persistente. Vemos a inflação persistente há pelo menos um ano. O Fed começou falando que a inflação parecia ser transitória e, por volta de agosto, o Jerome Powell [presidente do Fed] parou de classificar a inflação como transitória. Há um aumento no tom de preocupação, mas quando olhamos para as taxas longas, a de dez anos a 1,7%, ou a de 30 anos a 2,1%, é possível ver que o mercado não está com medo de uma inflação sustentada no longo prazo.

No ano passado, o S&P 500 subiu 27%. Neste ano, se subir entre 10% e 15%, está ótimo. Acredito que vamos continuar vendo recordes no S&P 500 ao longo de 2022.

Valor: Mas essa mudança no tom pode gerar um desafio adicional para os ativos de risco?

Camara Lopes: Temos um desafio com o Fed começando o processo de normalização monetária. A economia americana está em um momento do ciclo muito interessante, o que a gente chama de mid-cycle [meio do ciclo]. Está em uma fase muito saudável, que é a da expansão, onde as empresas continuam aumentando seus lucros, mesmo que em uma velocidade menor. A gente imagina que a bolsa vai continuar subindo lá fora. No ano passado, o S&P 500 subiu 27%. Neste ano, se subir entre 10% e 15%, está ótimo. Acredito que vamos continuar vendo recordes no S&P 500 ao longo de 2022, mas com uma volatilidade maior, porque o futuro é menos brilhante do que era há um ano.

Valor: Em que parte do ciclo está o Brasil no momento?

Camara Lopes: O ciclo no Brasil é basicamente definido por duas variáveis: inflação e crescimento. Em particular, a expectativa de inflação e a expectativa de crescimento. Desde o segundo trimestre do ano passado, começamos a ver uma deterioração das expectativas de inflação e uma revisão para baixo das expectativas de crescimento. No momento em que o crescimento é revisado para baixo e a inflação para cima, os ativos de risco irão performar mal.

Valor: A inclinação do Fed rumo a uma normalização da política monetária gera desafios adicionais para o nosso Banco Central?

Camara Lopes: Não há uma sincronia de ciclos econômicos ou de política monetária entre Brasil e EUA. As economias desenvolvidas, como um todo, acabam tendo uma certa sincronia, e os EUA acabam sendo o grande centro gravitacional. Já nos emergentes é algo totalmente descorrelacionado. Temos um pouco de vida própria. Se parte do nosso problema hoje é a inflação e a inflação tem a ver com commodities, quando os outros bancos centrais do mundo começarem a apertar as economias deles isso ajuda o nosso trabalho. Se os EUA e outros BCs sobem mais os juros, nós precisamos subir menos.

O real está desvalorizado (em relação ao dólar) em torno de 30% em relação ao seu preço justo. E o que precisa acontecer para o real apreciar? A gente precisa atrair capital. Para isso, temos que ter um ambiente de negócios diferente do que temos hoje.

Valor: Qual a avaliação dos ativos brasileiros no momento?

Camara Lopes: Nós caminhamos para um lugar bastante ruim. A fragilidade do arcabouço fiscal foi exposta, com a busca de uma política populista com pressão por novos gastos, e houve uma discussão antecipando as eleições. Esses fatores sugerem um enfraquecimento das instituições e falta de visibilidade. Existe uma incerteza maior sobre eleição, sobre o arcabouço fiscal… E, obviamente, as incertezas demandam prêmios de risco adicionais. A contrapartida é que o Brasil está muito barato. Todas as classes de ativos, com exceção do crédito, estão muito baratas. O Ibovespa está com um múltiplo muito depreciado e o real está cerca de 30% abaixo do valor justo. O crédito é o único mercado que está meio distorcido, porque há dinheiro saindo de ativos de fundos multimercado, de renda variável e indo para onde é percebido como um lugar de pouco risco. Os preços dos ativos brasileiros estão baratos e isso acaba sendo uma ótima defesa. Assim como a árvore não cresce para o céu, os preços não vão para zero.

Valor: O que pode fazer os prêmios de risco diminuírem?

Camara Lopes: Se entendemos o que fez os prêmios subirem, o que precisamos ver para que caiam é uma reversão. É preciso ter uma acomodação ou reversão das expectativas de inflação, que estavam deteriorando sem parar. Também precisamos parar de ver revisão de crescimento para baixo e ter uma menor incerteza política e fiscal. Esse ponto da eleição e do fiscal vai continuar no primeiro semestre, pelo menos. E, potencialmente, vamos ter um alto grau de incerteza até o segundo turno.

O dinheiro que foi levantado no mundo em venture capital acaba voltando para as grandes empresas de anúncios on-line, como Facebook e Google, e para as empresas de infraestrutura de tecnologia, como Microsoft e Amazon. E onde o Brasil entra nessa história? Em um mundo que está discutindo viagem para Marte, carro autônomo, carro voador, chips, painel solar, energia limpa, grid de matriz energética, o Brasil não está em nada disso.

Camara Lopes: Os ativos brasileiros se deterioraram e pediram mais prêmio de risco. Bolsa, juros, CDS… Então o real esteve em linha com isso. A segunda coisa é que, quando pensamos em câmbio, é preciso lembrar que são duas partes. O dólar, contra o resto do mundo, se fortaleceu. O real está desvalorizado em torno de 30% em relação ao seu preço justo. E o que precisa acontecer para o real apreciar? A gente precisa atrair capital. Para isso, temos que ter um ambiente de negócios diferente do que temos hoje. A visibilidade é muito pouca sobre o que vai ser o Brasil em três anos, por exemplo. Os problemas institucionais vieram se acumulando nos últimos cinco ou seis anos. De maneira estrutural, , para sermos atrator de capital do mundo, precisamos fortalecer as instituições para ter maior certeza sobre o futuro. Conseguindo isso, teremos maior confiança sobre fluxos de caixa futuros e eles acabam tendo valor presente maior.

Valor: Falta apelo para os ativos brasileiros?

Camara Lopes: O dinheiro esteve muito barato no mundo desde 2009 e houve um fluxo grande para venture capital. Muitas dessas empresas, que tiveram investimentos nas últimas décadas, ficaram mais maduras e acessaram o mercado de capital. Elas gastam aproximadamente 40% do capital que elas captam em aquisição de clientes, dois terços do restante em equipe e um terço em nuvem e infraestrutura. O dinheiro que foi levantado no mundo em venture capital acaba voltando para as grandes empresas de anúncios on-line, como Facebook e Google, e para as empresas de infraestrutura de tecnologia, como Microsoft e Amazon. E onde o Brasil entra nessa história? Parece que em nenhum lugar. Em um mundo que está discutindo viagem para Marte, carro autônomo, carro voador, chips, painel solar, energia limpa, grid de matriz energética, o Brasil não está em nada disso. Nós oferecemos commodities para o mundo. É pouco alimentar o mundo? Não, mas dá para ser muito mais. O Brasil está pouco sexy. A contrapartida é que está tudo muito barato. O dilema é comprar quando a incerteza está alta ou ficar preso no que é chamado de ‘value trap’, que está barato, mas vai continuar barato sempre.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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