Cenário de dólar abaixo de R$ 5 no fim do ano ganha força
Choque nos preços de commodities e juros elevados ajudam a explicar câmbio apreciado; ritmo de aperto monetário nos EUA é fator a ser observado
Diante da forte valorização exibida pelo real nos últimos dias, o consenso do mercado tem cada vez mais migrado para níveis de câmbio mais apreciados no fim do ano. Se, no fim de março, quando o dólar já operava abaixo de R$ 4,70, economistas ainda trabalhavam com um cenário de câmbio a R$ 5,25, agora o número de analistas que veem chance de o dólar encerrar o ano negociado abaixo do nível de R$ 5 tem crescido.
Nos cálculos do economista-chefe da Trafalgar Investimentos, Guilherme Loureiro, o choque que elevou os preços das commodities ajuda a explicar cerca de 65% do movimento de apreciação do real neste ano, enquanto os juros elevados respondem pelos outros 35%. “E são coisas que vieram para ficar. O cenário de commodities está mais esticado do que as nossas estimativas anteriores e o cenário de juros também, já que devemos ter uma Selic bem alta pelo menos até o fim do primeiro trimestre do ano que vem”, argumenta.
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Para Loureiro, a aposta na expressiva valorização do câmbio brasileiro vista neste ano não era algo tão óbvio antes do choque nos preços das commodities. “A grande surpresa do real foi devido ao ponto de largada bem depreciado, em cerca de 30% em relação ao valor justo”, observa o economista. “O Brasil era um candidato natural [a receber o fluxo externo] e o fato de a moeda estar muito barata gerou esse movimento.”
Na visão da Trafalgar, a situação, agora, se mostra diferente da observada no início do processo de apreciação do câmbio. Na quarta-feira, o dólar encerrou o pregão negociado a R$ 4,6194, nível próximo ao do valor justo de longo prazo, que, nos cálculos da gestora, está entre R$ 4,50 e R$ 4,60.
Em pesquisa com 74 instituições financeiras e consultorias publicada pelo Valor na semana passada, o ponto-médio das estimativas para o câmbio no fim do ano apontava para o dólar a R$ 5. BTG Pactual (R$ 4,80), Itaú Asset Management (R$ 4,80) e Western Asset (R$ 4,90) são algumas das casas que já contemplam em seus cenários a moeda americana abaixo do nível psicológico de R$ 5.
“O câmbio não para de surpreender”, observa Daniel Tatsumi, gestor de moedas da ACE Capital. Ele nota que os preços de commodities continuam em alta e que o diferencial de juros permanece elevado – fatores que dão apoio ao real neste momento. “Não achamos que, após ter apreciado 20%, o real irá subir mais 20%, mas a direção continua a mesma.”
Para Tatsumi, é possível que o câmbio comece a ficar um pouco mais “parado”, após a apreciação expressiva do real neste ano. “Aquele fluxo estrangeiro que estava vindo diminuiu bastante e a posição do investidor local está em um nível bem favorável ao real, que nós não costumávamos ver no passado recente. Achamos que o câmbio continua melhorando, mas a grande valorização ficou para trás”, diz.
Um dos riscos citado pelo gestor da ACE para o cenário projetado para o câmbio está na atuação do Federal Reserve (Fed), que pode ser mais agressivo na condução do aperto monetário. “Se os EUA subirem os juros com crescimento e sem ‘risk-off’, pode ser um risco para o real e o dólar deve voltar a se fortalecer. Já estamos vendo isso em relação a moedas de países com juros baixos”, observa Tatsumi, ao se referir, em especial, ao iene.
O profissional, porém, enfatiza que a valorização do real, embora surpreendente, é bem justificada. “Estamos longe de falar que houve um exagero. Tudo caminhou na direção de um real mais apreciado”, argumenta. Em relação ao curto prazo, porém, ele nota que ajustes sazonais podem dar alguma força ao dólar, ao lembrar que em maio e em junho o fluxo comercial deve começar a diminuir e pode haver saída de dividendos. Tatsumi observa que parte relevante do fluxo é de origem estrangeira, o que casa com um período sazonalmente negativo nos próximos meses.
Olhando mais à frente, o Santander defende, em seu cenário básico, um dólar a R$ 5 no fim deste ano. Antes, a expectativa do banco era que a moeda americana terminaria 2022 negociada a R$ 5,40.
Em revisão de cenário divulgada na semana passada, os economistas do Santander apontam que esperam algum enfraquecimento do real em relação aos níveis atuais ao longo do segundo semestre do ano, “na esteira da normalização mais célere da política monetária nas economias avançadas e de alguma volatilidade gerada pelo debate sobre os rumos da política econômica a partir de 2023”.
Apesar disso, os economistas do banco dizem entender que a alta nos preços das commodities e uma provável mudança estrutural na alocação de recursos dedicados a mercados emergentes, derivadas do conflito entre Rússia e Ucrânia, além do diferencial de juros ainda significativo, “deverão resultar em uma taxa de câmbio mais apreciada do que imaginávamos”. O Santander acredita que os juros nos EUA devem chegar a 3% no fim deste ano e a 3,5% em 2023, enquanto as projeções para a Selic apontam a taxa básica em 13,25% neste ano e em 10% em 2023.
Na visão de Alfredo Menezes, sócio-fundador da Armor Capital, o comportamento do câmbio irá depender de como ficará o cenário até o fim do ano, dos termos de troca e da dinâmica da política monetária nos EUA. “Se o Fed for mais austero do que o mercado está esperando, as commodities devem ceder um pouco e, então, os termos de troca não serão tão bons assim.”
Para ele, de forma geral, o cenário se mostra mais nebuloso no segundo semestre. Menezes, inclusive, diz acreditar que o fluxo para renda variável, que tem favorecido o real neste ano, não deve se perpetuar até o fim do ano. Além disso, ele observa que o fim do ano “sempre tem um fluxo mais apertado em função de remessas”, o que deve levar o dólar a algo entre R$ 5,10 e R$ 5,20 no fim do ano. “Mas nada impede que, em janeiro de 2023, volte a cair.”
O cenário externo é um dos motivos alegados pelos economistas do Citi para a defesa de um dólar a R$ 5,19 no fim do ano. “Esperamos um ambiente global menos benigno para os mercados emergentes, por trás do esperado aperto monetário assertivo dos EUA, que pode ter implicações negativas para moedas de mercados emergentes, como visto em 2013 durante o ‘taper tantrum’ [quando o Fed reduziu as compras de ativos]”.
Além disso, os profissionais do Citi lembram que um potencial fortalecimento do dólar e preços mais baixos das commodities “podem exacerbar os impactos negativos sobre o real”. Eles notam que o fortalecimento adicional do dólar de forma geral “é muitas vezes acompanhado de queda nos preços das commodities, o que pode reforçar os ventos contrários para o real”. O Citi, porém, ressalta que esse movimento não tem sido visto ainda neste ano, até o momento.