Bullying no trabalho: quando ocorre e o que pode ser feito

Desde humilhações constantes até a sabotagem de carreira, os abusos no local de trabalho são comuns, mas difíceis de erradicar. Será que os empregadores deveriam estar se esforçando mais?

30% dos americanos sofrem assédio moral no trabalho, em sua maioria vindo de cima — Foto: Unsplash
30% dos americanos sofrem assédio moral no trabalho, em sua maioria vindo de cima — Foto: Unsplash

Gritos. Broncas. Ataques pessoais, enquanto se apropriavam de suas pesquisas. Pois bem, esses são alguns dos comportamentos que Morteza Mahmoudi diz ter tolerado de um colega sênior. Cientista da Michigan State University, especializado em nanotecnologia médica, Mahmoud estava no início da carreira quando sofreu o chamado bullying no trabalho.

Portanto, desconcertado com o tratamento, ele reclamou a um superior. Mas em vez de enfrentar o bullying, o superior instruiu um protegido do suposto agressor a passar a supervisionar Mahmoudi. Assim, a vida dele, que já era ruim, ficou ainda pior.

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A história de Morteza Mahmoudi

“Precisava conseguir aprovação para fazer experimentos. Precisava conseguir autorização para comprar materiais – isso é menos liberdade do que um estudante de doutorado tem”, diz.

Assim, investigadores internos descobriram que muitas de suas acusações tinham fundamento. Mas decidiram manter seu antagonista no cargo e, então, Mahmoudi se demitiu.

“Tive sorte. Afinal, eu tinha um ótimo currículo, um ‘green card’ e ofertas de outras instituições. Para a maioria das pessoas, esse não é o caso”, afirma Mahmoudi. Posteriormente, cofundou uma organização sem fins lucrativos, o Academic Parity Movement, para combater o bullying no trabalho.

Mais comum do que deveria ser

Histórias de supervisão abusiva são comuns. Além disso, em termos gerais, se definem como um comportamento visto pelos subordinados como hostil. Dessa forma, variam de humilhações constantes à sabotagem de carreira. Segundo o Workplace Bullying Institute (WBI), nos Estados Unidos, o assédio moral no trabalho atinge 30% dos americanos. E em sua maioria vindo de cima.

Promover funcionários com base em suas habilidades técnicas sem a devida preparação para gerenciar é parte do problema, acredita Gary Namie, cofundador do WBI. Esses gerentes recém-empossados ficam no comando e “as pessoas precisam migrar para sobreviver”. Isso porque eles querem imitar os déspotas e valentões retratados em romances e dramas nas telas, segundo Namie.

Ainda assim, nem todos os chefes que fazem bullying são do tipo Thomas Gradgrind. Ou seja, o personagem obcecado pela frieza dos números, do romance “Tempos Difíceis”, de Charles Dickens… E nem mesmo do tipo de chefe estressado que age sob pressão para atingir metas.

De acordo com um número cada vez maior de pesquisas, tanto desempenhos ruins quanto bons atraem fatias desproporcionais de bullying no trabalho. Um sinal de que alguns indivíduos o praticam não como uma forma equivocada de melhorar o desempenho… Mas sim como uma ferramenta de carreira, para tirar espaço dos que estão abaixo e mostram chances de que podem superá-los.

Mulheres no mundo acadêmico relataram que sofreram bullying pela primeira vez, ou que ele se intensificou, depois de conseguirem grandes bolsas ou louvores. O dado é de um estudo holandês.

Além disso, experimentos mostraram que, quando as mulheres entram em jogos online, os homens com as pontuações mais baixas demonstram hostilidade. Isso acontece provavelmente por medo de perder status.

Quem exerce poder sobre quem, é outra faceta do bullying

Quando os supervisores são vistos pelos subordinados como “guardiões” do emprego e da oportunidade de crescimento, alguns abusam desse poder. É o que sugerem estudos com pessoas em situação de precarização de trabalho e com estagiários de direito e medicina.

Em uma pesquisa analisada por Mahmoudi e seus copesquisadores, alguns jovens acadêmicos e pós-graduados falaram sobre como seus supervisores usaram “dados em artigos/patentes sem reconhecer” a contribuição deles. Outros descreveram ter sido coagidos a abrir mão de seus direitos sobre as próprias descobertas.

Acadêmicos estrangeiros estiveram especialmente vulneráveis à exploração, com alguns relatando como seus superiores ameaçavam cancelar seus vistos, colocando-os em risco de deportação.

“O bullying deixa de ser uma pessoa se comportando mal em relação a outra”, diz Narinder Kapur, professor visitante de neuropsicologia da University College London. Ele se refere a quando os superiores fazem mau uso dos processos empresariais para punir funcionários cuja presença ou franqueza os deixam ressentidos. Assim, o bullying torna-se algo “sistêmico”.

Kapur, ele próprio denunciante de um ex-empregador, diz que recursos lhe foram negados. E que foi demitido de um cargo em um hospital por ter se queixado de práticas que considerava inseguras.

Um tribunal de trabalho julgou que suas preocupações eram legítimas e que o desligaram de forma injusta. Mas também determinou que o motivo da demissão foi um rompimento nas relações com seus gerentes, não sua denúncia.

Ouvidoria e canais de denúncia são suficientes?

Kevin Poulter, sócio da Freeths, uma banca de advocacia britânica, diz que o bullying retaliatório contra funcionários que levantam preocupações legítimas “ocorre mais do que se imagina”. Convencer os investigadores, entretanto, pode ser uma tarefa complicada.

Com o tempo, “há um padrão de tratar uma pessoa de maneira diferente”, o que se soma ao bullying, diz. Isoladamente, porém, cada microagressão parece trivial – como recusar pedidos de um funcionário para participar de cursos ou conferências que seriam aprovados para seus colegas.

No Reino Unido e nos EUA o assédio moral no local de trabalho não é ilegal, a menos que haja violações da lei de igualdade. Ao contrário de alguns países europeus.

No entanto, muitos empregadores criaram departamentos de ouvidoria, linhas diretas de denúncias e declararam que o bullying não será tolerado. Mas isso só depois do #MeToo e das medidas de autoridades reguladoras e de órgãos de concessão de bolsas para punir organizações que protegem assediadores morais.

Ainda assim, apesar dessas medidas, 70% dos acadêmicos alvos de bullying entrevistados por Mahmoudi e seus coautores não denunciaram os abusos sofridos à instituição da qual faziam parte. Em sua maioria, por medo de repercussões. Entre os que o fizeram, grande parte relatou que nenhuma ação foi tomada. Ou que o assediador moral foi protegido. E também disser ter sofrido represálias.

A influência de quem está acima

Na raiz da dificuldade de coibir o bullying no trabalho pode estar o fato de que, embora as organizações manifestem que o abominam, poucas enfrentam de fato os desequilíbrios de poder que beneficiam os agressores e enfraquecem as vítimas.

Quando um gerente influente é alvo de acusações, “culturalmente, haverá relutância em encontrar irregularidades”, diz Charlie Thompson, sócio da Stewarts, outro escritório de advocacia britânico.

Os funcionários de recursos humanos (RH) muitas vezes hesitam em responsabilizar os gerentes. Já os superiores podem ser motivados a reinterpretar o bullying como mal-entendidos e conflitos interpessoais, ignorando o abuso de poder ocorrido.

Quando se opta por usar processos de mediação, por exemplo, o foco é “como podemos viver no futuro, não reviver o passado?”. É o que afirma Loraleigh Keashly, professora do departamento de comunicação da Wayne State University, em Detroit. Mas ignorar o passado, acrescenta, “pode inadvertidamente se tornar a ferramenta” que permite a continuidade do bullying no trabalho.

Mesmo quando empregadores e vítimas se sentam para negociar, o poder desigual favorece o agressor. Na área de serviços financeiros, “a maior ameaça usada para intimidar é [ser colocado em] um plano de melhoria de desempenho ou [ficar manchado com] um problema de conduta”. E isso pode chegar aos ouvidos de outros possíveis empregadores e afugentá-los, diz Fudia Smartt, sócio da banca londrina de advocacia Spencer West.

Como consequência, mesmo com evidências sólidas, poucas vítimas insistem em pedir a punição de seu agressor. A maioria “só quer seguir em frente, acertando [entre eles] alguma referência”, acrescenta Smartt.

Leah P Hollis é igualmente cética em relação a promessas no papel. Ela é pesquisadora associada sênior da Rutgers University, cujo foco é o assédio moral no local de trabalho. “Políticas e procedimentos são tão bons quanto as pessoas que os administram. As pessoas as quebram o tempo todo”, observa.

Uma alternativa para não ter que recorrer àqueles com poder de autopoliciamento pode ser a união de forças daqueles que não o têm. Ao denunciar assédio moral, procure outras pessoas na mesma situação, aconselha Mahmoudi. “Se você apresentar seu caso em conjunto e documentar exemplos, seu poder será maior. Isso torna mais difícil para que os empregadores acobertem as acusações”, diz.

Como lutar contra o bullying no trabalho na prática

Redimensionar o equilíbrio de poder pode até mesmo reparar a confiança nos processos de empresas vistos como carentes de independência ou facilitadores da injustiça.

Há uma ideia apoiada por cerca de 20 grupos de trabalhadores da área de saúde. Incluindo o centro de estudos independente Our NHS Our Concern e a Associação de Médicos do Reino Unido (DAUK, na sigla em inglês). A ideia é a criação de comissões de fiscalização eleitas pelos funcionários com poderes estatutários para supervisionar ações disciplinares, impedido as que tenham motivação mal-intencionada.

Teriam comissões integradas por médicos, enfermeiros e diretores não-executivos responsáveis pelas finanças do Sistema Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido. Essas comissões dariam a confiança de que “o sistema é justo”, diz Arun Baksi, médico consultor aposentado e ativista. “Isso mudaria a cultura”.

Isto é, atribuir maior peso nos processos de seleção à opinião de colegas e de funcionários em início de carreira. Principalmente por meio de alguma forma de feedback de 360 graus. Isso pode ajudar a livrar-se dos candidatos que sobem na hierarquia bajulando os superiores e intimidando os inferiores.

Mas as organizações devem estar prontas para agir de acordo com o que aprendem, alerta Poulter, do escritório de advocacia Freeths. “Se você descobrir que algumas coisas não estão certas, então você precisa lidar com elas”. E isso pode ser “o motivo pelo qual as abordagens de baixo para cima não são mais difundidas”, acrescenta.

Para superar a inércia que recompensa o bullying no trabalho, as organizações devem “reforçar a tolerância zero”. Assim como mecanismos que não dependam de que as próprias instituições ou empresas façam a denúncia aos reguladores, reflete Mahmoudi. “Todo mundo sabe que o bullying ocorre”, diz. “Mas ninguém fala sobre isso. Ninguém age.” (Tradução Sabino Ahumada)

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