Brasil parece barato, mas capital externo pesa se vale o risco
Sem previsibilidade fiscal e com inflação mais alta, estrangeiro privilegiará outros mercados
Embora os preços dos ativos brasileiros pareçam atrativos, a disposição para o capital externo investir em bolsa ou renda fixa por aqui é baixa. Depois do estresse disparado com o declarado furo do teto de gastos na semana passada, o balanceamento entre risco e retorno desencoraja a avaliação das oportunidades locais, segundo especialistas que participaram do painel “Por dentro da mente do investidor estrangeiro: o que pensa do Brasil e dos mercados emergentes”, no Anbima Summit, ontem.
Segundo Cassiana Fernandez, economista-chefe do J.P. Morgan no Brasil, pela primeira vez desde 2016, os investidores voltaram a fazer perguntas sobre a solvência da dívida brasileira. “O que vai acontecer com a dívida/PIB se não tem ancorarem fiscal, vai pagar ou não?” Sem um ajuste pelo lado dos gastos no horizonte, o receio colocado na mesa é o país trabalhar com uma carga tributária ainda maior. “Vou olhar para o valor das empresas ou colocar o risco de o governo não honrar todos os compromissos e ser obrigado a ter uma inflação mais elevada? Inflaciona e tem o ajuste na dívida nominal.”
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Nos preços dos ativos, o nível alcançado pela inflação implícita já mostra que essa é uma preocupação que investidores, principalmente estrangeiros, já enxergam hoje, disse Fernandez. Ela acrescentou que quem olha o país lá de fora reconhece ter menor vantagem competitiva para analisar a política econômica brasileira, então a preferência é se ater aos mercados que conhece melhor.
“Se quiser trazer de volta o estrangeiro para o Brasil, a palavra que precisa, mais do que falar em reformas, é um pouco mais de previsibilidade”, comentou. “Trazer, pelo menos nas próximas semanas, uma confiança sobre quais decisões tomadas para poder garantir que [o país] vai honrar os compromissos trazidos. Do lado do investidor, do lado do empresário, é a parte mais importante para atrair investimentos de volta no curto prazo.”
Os estrangeiros costumam ser pragmáticos, olham risco e retorno e querem um norte fiscal, segundo Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas, gestora que pertence ao americano Principal Group. “O teto de gastos já foi alterado e pode passar por novas altas. E pode haver algum risco ao longo do processo eleitoral no ano que vem”, afirmou. Na reconstrução da confiança não existe um fator único que vá tirar o Brasil dessa encruzilhada, mas ela citou que a “articulação política tem que mostrar coerência e que o regime fiscal novo não é o da irresponsabilidade
“Aumento de carga tributária e contabilidade fiscal criativa? Essas podem ser a saída?”, questionou a economista. “Pode ser até um equilíbrio pior que antes, mas precisa saber em que nível [o país] vai trabalhar.” De qualquer modo, ela vê um custo alto para a inflação.
O cenário internacional também não parece muito construtivo para os emergentes, principalmente pela desaceleração chinesa. Com revisões para o crescimento no ano que vem do país asiático abaixo de 5% e o PIB potencial também caindo ao longo do tempo, isso vai ter repercussões para o Brasil, disse Fernandez. Isso significa que o dinamismo para os principais produtores de commodities será bem mais fraco do que no início dos anos 2000.
Outra conclusão é que o ciclo de crescimento econômico tende a ser mais desigual. O investidor vai acabar diferenciando países que podem se dar ao luxo de esperar para retirar estímulos econômicos e aqueles emergentes, grupo em que o Brasil se sobressai, que vão ter que tirar mais agressivamente, sacrificando crescimento econômico de curto prazo, disse Fernandez.
Um dos principais temas que ainda vai se desenrolar nos próximos meses é o quão temporários tendem a ser os efeitos inflacionários no pós-pandemia, afirmou Rocha. A combinação de retomada econômica com descompasso em cadeias de suprimentos e políticas fiscais e monetárias ainda frouxas tem feito os índices de preços ficarem acima das metas dos principais bancos centrais.
Uma das dúvidas é até onde vai a disposição do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) em tolerar inflação descolada do seu objetivo, o que pode desancorar a expectativa, com os choques que já vêm sendo observados. Nesse balanço negativo para os próximos meses, Rocha diz já trabalhar com inflação entre 4% e 4,5% nos EUA por muito tempo. “Essa resposta da política monetária pode ser mais rápida do que se imaginava.”
Mesmo que a comunicação do Fed seja melhor do que na redução dos estímulos do pós-2008, “telegrafando os próximos passos com transparência”, Rocha lembra que a reversão chega numa fase em que os emergentes lidam com uma conjuntura mais adversa. “É um momento em que os BCs emergentes têm que subir os juros para combater a inflação, não têm espaço para reagir.”
Enquanto alguns países podem conviver com inflação mais alta sem comprometer a credibilidade da política econômica, “outros vão ter que cortar ainda mais a sua demanda, é isso que está na mente dos investidores”, disse Fernandez.