Balanços preservam ganhos em meio à piora do cenário econômico
Números vieram fortes no trimestre, mas pressão de custos maiores preocupa
Apesar de um trimestre mais turbulento, com agravamento da crise macroeconômica no Brasil e no mundo que trouxe de volta os fantasmas da inflação e juros altos, as companhias brasileiras ainda apresentaram bons resultados na safra de balanços que se encerrou na última semana.
Os ganhos foram expressivos não só em relação ao terceiro trimestre de 2020, um período ainda com reflexos da primeira onda da pandemia, mas também na comparação com o mesmo período de 2019.
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Dados de 298 companhias compilados pelo Valor Data, sem Petrobras e Vale para reduzir a distorção na amostra, mostram que o lucro líquido agregado no terceiro trimestre dobrou na comparação anual. A receita líquida aumentou 33%, enquanto os custos se elevaram em 31,8% sobre o mesmo período de 2020. A margem líquida da amostra subiu 2,7 pontos percentuais, para 7,7%.
Para que fosse possível identificar o efeito do aumento de custos, um dos temas mais comentados pelos executivos durante as teleconferências de resultados, o segundo trimestre foi adicionado à análise (veja tabela abaixo).
Nessa comparação do terceiro trimestre contra o segundo, o lucro líquido da amostra cai 37%, embora a receita líquida tenha crescido 10%. Os custos e as despesas avançaram 11,1% e 12,5%, respectivamente. Esse movimento ligado aos tremores macroeconômicos foi destacado pelos gestores das companhias, principalmente as de varejo.
Mas como amostra é diversificada, a perda de algumas é o ganho de outras. O dólar acima de R$ 5,50, que aterroriza as endividadas e pressiona custos, beneficiou as empresas em segmentos com receitas atreladas à divisa americana, como as que lidam diretamente com commodities minerais e agrícolas, além de proteínas animais.
Companhias como a Petrobras, que multiplicou por cinco o lucro recorrente, ou a Braskem, que teve um trimestre recorde beneficiado pelos preços dos petroquímicos, são exemplos. Os frigoríficos JBS e Marfrig, exportadoras, também tiveram um terceiro trimestre muito expressivo.
Já o minério de ferro, que vinha numa dispara histórica, perdeu força no terceiro trimestre e derrubou o resultado de empresas como Vale, CSN e Usiminas.
“As commodities continuam puxando para cima o resultado de uma forma agregada”, diz o estrategista-chefe do Bank of America (BofA) no Brasil, David Beker. Por isso, o terceiro trimestre mostrou “números muito bons” em relação ao ano passado, apesar da desaceleração.
Os patamares continuam elevados na comparação anual, mas para o estrategista-chefe do Bradesco BBI, André Carvalho, há um quê de decepção nos resultados. “Não é que o desempenho tenha sido ruim em termos absolutos, foi ruim em termos relativos”, diz. “As expectativas estavam infladas e, durante muito tempo, houve a combinação fantástica para commodities de alta nos preços e câmbio depreciado no Brasil.”
As companhias listadas no Ibovespa apresentaram lucro 14% acima do estimado pelo consenso de mercado, diz Carvalho, enquanto a receita superou as projeções em 18%. A amostra também exclui os resultados de Vale e Petrobras.
Setores de energia e de petróleo e gás superaram as expectativas, segundo Carvalho, com o petróleo negociado a preços históricos no mercado internacional e as elétricas com bons resultados operacionais mesmo com a crise hídrica.
A desaceleração na comparação com o segundo trimestre aponta para uma “normalização” dos resultados, segundo a estrategista de ações da XP, Jennie Li, algo que já está sendo projetado pelos analistas para os próximos trimestres.
De acordo com o estudo do Valor Data, a margem bruta das 298 empresas analisadas caiu 0,6 ponto percentual, de 28,8% ao fim de junho para 28,2% no fim de setembro. Setorialmente, esse impacto variou. Companhias de setores como construção, saúde e varejo, com uma atuação para o mercado doméstico, sentiram um impacto maior na margem de lucro.
O peso da deterioração macroeconômica faz a diferença quando se olha os números do segundo e terceiro trimestres. Apesar da melhora do quadro da pandemia, o impasse na questão fiscal no Brasil e uma inflação global que acaba tendo reflexos na maioria das empresas do país acabou resultando em uma alta de custos e despesas entre julho e setembro.
Para os últimos três meses do ano, os analistas acreditam que essa normalização na base de comparação pode trazer variações mais comedidas nos resultados, tanto na comparação anual quanto sobre o terceiro trimestre.
“Essa compressão de margem para alguns setores ainda não está clara, por causa do desafio de entender o impacto da crise no consumidor”, diz Beker, do BofA. Ele lembra, no entanto, que o caixa amealhado pelas empresas durante a pandemia faz com que elas tenham gordura para absorver parte da alta nos preços e não repassar tudo para aos clientes.
Jennie, da XP, diz que as empresas não vão necessariamente apresentar números negativos, mas devem ter uma certa piora, o que pode afetar ainda mais o humor dos investidores.
Mas há motivos para otimismo. As expectativas são altas para o varejo discricionário, pelo menos por parte das empresas. A Arezzo afirma que a retomada tem sido “quase assustadora”, com o mês de outubro alcançando receita histórica de R$ 393 milhões.
O desempenho, de acordo com o presidente, Alexandre Birman, reflete a estrutura verticalizada da companhia, o que permite flexibilizar a produção e alterar fornecedores e matérias-primas conforme a necessidade.
A estrutura diferenciada, segundo a companhia, foi uma das formas de mitigar a escala de preços na cadeia de produção.
O Bank of America colocou a Arezzo entre os destaques no terceiro trimestre. Para os analistas, a empresa representou a resiliência do segmento voltado à média e alta rendas, ao lado de nomes do varejo de moda como Lojas Renner e Grupo Soma.
A renda média mais alta dos consumidores também impulsionou o resultado das redes de shoppings Iguatemi e Multiplan.
Já o varejo, que sentiu em primeira mão a alta da inflação, veio com resultados mornos no terceiro trimestre Enquanto oito nomes apresentaram balanço acima das estimativas, outros cinco reportaram números aquém do esperado. A Natura &Co, por exemplo, é citada por Beker como uma das companhias afetadas pelo “cenário macro mais desafiador”.