Negociações de jogadores de futebol: a arte de comprar e vender atletas
Times fortes e competitivos permitem uma boa performance, mais receitas e maior visibilidade para os atletas
Neste final de semana foi encerrada a chamada “janela de transferências de atletas” europeia, período que vai do final de junho ao final de agosto. Neste período são feitas as negociações de jogadores de futebol entre os clubes.
Negociação de atletas é uma atividade importante no modelo de negócios e gestão de um clube de futebol. Muitos torcedores e analistas esportivos no Brasil erram quando acreditam que esta é uma particularidade do nosso futebol e dos nossos clubes, que precisam vender atletas o tempo todo para fechar suas contas.
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Não estão errados quanto ao objetivo. Clubes brasileiros precisam negociar atletas para fechar as contas, é fato. No entanto, negociações de jogadores de futebol é prática comum em todos as ligas e clubes, mesmo as maiores e melhores competições mundiais.
Quando acontecem as negociações de jogadores?
Há dois momentos de negociações de jogadores. O mais longo, no início da temporada. No caso do Brasil, acontece entre janeiro e março. Já na Europa vai de junho a agosto.
A janela mais movimentada é a de início de temporada, pois é quando os clubes estão montando seus elencos.
Para se ter uma ideia da importância financeira desse momento de negociação de jogadores, na atual janela as 5 maiores ligas do mundo (Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França) movimentaram cerca de € 6,3 bilhões. São 1.344 negociações, que incluem as definitivas e empréstimos, segundo informa o jornal britânico The Guardian.
O CIES Football Intelligence, centro suíço de análise do futebol, indica que a janela inteira movimentou mundialmente € 9,05 bilhões. Assim, esse valor seria 31% superior ao movimentado no ano passado (€ 6,9 bilhões).
Liga Árabe representa 12% do total
Muito se fala do impacto da Liga Árabe nesse movimento, mas segundo dados da ESPN, os atletas que chegaram ao novo oásis do futebol mundial teriam custado cerca de € 780 milhões em pagamentos pela liberação contratual, o que representa cerca de 12% do total movimentados nas 5 maiores ligas europeias.
As maiores movimentações de dinheiro estão associadas aos pagamentos de salários. Esse é o caso de Benzema e seus (supostos) € 400 milhões por dois anos de contrato, ou Neymar e seus (supostos) € 120 milhões por dois anos de contrato.
A negociação de jovens atletas
Negociar atletas é um modelo de negócios. Há muitos clubes que trabalham este conceito de forma eficiente, investindo em jovens com potencial de desenvolvimento, contratando-os por valores baixos, e depois negociando seus direitos por valores substancialmente maiores.
Um exemplo de negociações de jogadores de futebol mais jovens e recorrente é a Atalanta, clube italiano da cidade de Bergamo. Nessa janela o resultado entre compra e venda de atletas foi um saldo positivo de cerca de € 85 milhões.
Apenas o atleta dinamarquês Rasmus Højlund gerou uma receita de € 75 milhões, com mais € 10 milhões de bônus por desempenho. Ele foi contratado em 2022 junto ao Sturm Graz por € 17 milhões.
Outro clube que opera muito bem as negociações de jogadores de futebol é o também italiano Sassuolo, que nesta janela teve saldo positivo de € 38 milhões entre compras e vendas, sendo que Raspadori (€ 26 milhões), Locatelii (€ 25 milhões e Traoré (€ 22 milhões) possibilitaram a contratação de 8 atletas a custos abaixo de € 5 milhões cada, renovando assim o elenco e mirando novos lucros.
Na França, o State de Reims teve saldo positivo de € 18 milhões, sendo que apenas um atleta, Hugo Ekitike, rendeu € 28 milhões ao ser negociado com o PSG.
O Metz teve saldo de € 15 milhões, e o Lorient chegou a € 40 milhões de superávit, com 3 negociações (a maior deles foi Terem Moffi, para o Nice, por € 24 milhões), reinvestidos em 6 novos atletas.
Como funcionam as negociações de jogadores?
Clubes grandes utilizam as negociações de jogadores de futebol para reciclarem elencos. O Liverpool investiu € 110 milhões em contratações, mas teve receita de € 50 milhões com vendas.
Há casos completamente malucos, como o Chelsea, que vendeu € 240 milhões em atletas, mas gastou € 440 milhões, sendo € 125 milhões em apenas um, o colombiano Caicedo, que fez a alegria do Brighton, que nesta janela teve saldo positivo de € 100 milhões, mesmo tendo investido € 90 milhões em 6 atletas.
Este é um modelo de negócios que requer algumas qualidades das gestões. A primeira é deixar claro para os torcedores que é assim que a coisa funciona, ou seja, sempre que houver uma oferta interessante o atleta entra no radar das negociações.
Ao mesmo tempo, parte relevante do dinheiro será reinvestida em novos atletas, para garantir a competitividade. Atletas jovens, com potencial de desenvolvimento e valorização.
Maior ativo do time: o torcedor
Elencos fortes e competitivos valorizam toda a estrutura. Permitem boa performance, mais receitas e maior visibilidade para os atletas que precisam ser negociados. Círculo virtuoso. Agora, é fundamental a boa comunicação com os torcedores, para que haja entendimento da estratégia. Dizer que vai segurar o talento e aceitar a primeira proposta é enganar seu maior ativo, o torcedor.
Outro aspecto importante é uma boa gestão das categorias de base e da equipe de análise de desempenho e scouting. Clubes que operam bem esse mercado acessam antes os atletas com potencial, e fazem isos porque usam tecnologia, e têm equipes qualificadas de profissionais. Qualificadas e grandes. Grandes e com autonomia.
Porque não adianta dizer que faz trabalho de scouting e não assinar os melhores serviços de informação, não ter uma equipe grande o suficiente para analisar tantos dados, nem profissionais capazes de ler e interpretar os dados.
Além disso, é fundamental ter um plano para os atletas que chegam, e que precisam de minutos em campo para aparecerem.
Ter análise independente
Outro aspecto fundamental é a independência na análise. Muitos clubes se apoiam em agentes para acessar atletas, e rasgam as análises. Isto explica muita contratação sem sentido.
Uma área de scouting independente, que faça parte de um processo organizado de seleção de atletas é parte fundamental do processo.
Precisamos implantar esse conceito no Brasil de forma estrutural.
Há um mercado imenso que pode ser mais bem acessado, gerar valor aso clubes, e especialmente aos atletas.
E, essencialmente, transformar as negociações em algo recorrente e saudável, e não contar com um dinheiro incerto para tapar buracos de caixa e pagar salários e encargos em atraso.