Apostas no futebol: nenhuma surpresa, baixa expectativa na solução
Desde 2018 temos uma lei aprovada esperando regulamentação
No Brasil temos uma mania que só nos prejudica, e um benefício que nem sempre utilizamos da forma mais eficiente. A mania é deixar para resolver assuntos depois que eles viram um problema, e o benefício que deveríamos aproveitar está associado ao fato de que normalmente não sermos pioneiros. O pioneirismo tem custos, e entrar em negócio maduros e testados deveria nos permitir não cometer erros na implantação.
Lei esperando regulamentação
Portanto, não deveria ser surpresa para ninguém os acontecimentos recentes envolvendo apostas esportivas.
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Desde 2018 temos uma lei aprovada e esperando regulamentação, que ao não ser implementada possibilita uma série de absurdos e ações que prejudicam o esporte.
Sem contar que ficamos sempre à mercê de expectativas muito além da realidade.
Antes de entrar nas nossas dificuldades, deixe-me apresentar alguns dados de um mercado maduro e organizado como o europeu.
Segundo um estudo recente apresentado pela European Gaming and Betting Association (EGBA), realizado pela H2 Gambling Capital, o setor de apostas movimentou € 108,5 bilhões em 2022 no continente europeu, 23% acima de 2021. Desse total, € 38,2 bi (35%) vieram de apostas online, enquanto € 70,3 bi foram originados em estruturas físicas, como casas de apostas e cassinos. O crescimento, inclusive, está associado à reabertura total das casas físicas e dos cassinos.
Do total de receitas geradas pelo setor de apostas na Europa através do online no ano de 2022, temos o seguinte breakdown por tipo de aposta:
Tipo de Aposta | % de participação | Receita |
Cassinos | 39% | € 14,9 bi |
Apostas Esportivas | 35% | € 13,4 bi |
Loterias | 18% | € 6,9 bi |
Outras | 8% | € 3,0 bi |
Como vemos, o mercado de jogos e apostas é muito mais que sites e aplicativos online. Casas físicas de apostas e cassinos ainda são os maiores pontos de atração.
Mas no Brasil a confusão toda está no online, pois não temos pontos físicos. Tomando como referência alguns dados da Europa obtidos na mesma pesquisa da EGBA, os principais mercados europeus e a participação do online no total de origem das apostas são os seguintes:
País | Receitas Brutas | % origem online |
Grã-Bretanha | € 15,5 bi | 65% |
Itália | € 15,3 bi | 30% |
Alemanha | € 12,0 bi | 33% |
França | € 11,7 bi | 35% |
Espanha | € 7,2 bi | 18% |
Para os governos o segmento de apostas é bastante interessante. O governo britânico arrecada algo como € 3,3 bilhões anualmente com o segmento, que inclui as apostas na loteria. Os sites de apostas online recolhem 15% de impostos, segundo o site casino.co.uk.
Como no Brasil o negócio gira em torno do futebol nosso de cada dia, quando analisamos o mercado britânico, o futebol local movimenta apenas € 1,3 bi das receitas brutas, ou seja, 8% do total. O segundo maior mercado é o de corrida de cavalos, com € 0,8 bi de receitas brutas.
Falando ainda em futebol na terra do rei Charles III, é muito comum ouvirmos que os sites de aposta movimentam muito dinheiro na Premier League, a principal divisão do futebol local.
Não é verdade. Segundo o site Sportico, na atual temporada os clubes recebem algo como € 65 milhões anuais em receitas de patrocínio vindas de sites de apostas.
E apenas 8 clubes possuem patrocinadores dessa categoria, todos clubes de menor poderio financeiro (Bounermouth, Brentford, Everton, Fulham, Leeds, Newscastle, Southanmpton e West Ham), exceto o novo risco Newcastle. Nenhum dos Big 6 tem patrocínios de casas de apostas. Ou seja, os clubes capturam diretamente cerca de 5% do total de apostas online em futebol.
Essas informações todas são facilmente acessadas através de uma série de sites de órgãos que representam as casas de apostas e outros oficiais, na União Europeia e no governo britânico. Há boas séries históricos e detalhamento que permitem qualquer pessoa de monitorar o segmento.
Como estão as apostas no Brasil
No Brasil, estamos há 5 anos no modo oba-oba. Nenhuma regulamentação, nenhum controle do dinheiro que entra e sai do sistema, nada de saber a origem dos recursos, nenhum ganho efetivo para o estado, e agora a praga da manipulação de resultados, tão óbvia quanto se podia esperar.
Os clubes de futebol adoraram isso, pois segundo matéria do UOL, atualmente as casas de apostas aportam R$ 330 milhões em receitas de publicidade para os clubes, sem contar os patrocínios a competições, que vem sustentando casos como a Série B. E ninguém se deu ao menor trabalho para evitar os riscos. Afinal, o dinheiro está entrando no caixa.
Regulamentar é o melhor caminho
É fundamental lembrar que as casas de apostas perdem com a manipulação, pois tem que pagar prêmios e ainda viram alvo de desconfiança. Por isso gastam um bom dinheiro com empresas que rastreiam e monitoram as apostas.
Outro aspecto importante é que apostas já existiam de maneira clandestina, pois antes da lei era possível apostar em sites no exterior com cartões de crédito internacionais. Logo, o melhor caminho é regulamentar.
E só agora, com a porta arrombada pela operação Penalidade Máxima é que resolvemos colocar ordem na bagunça. Para variar, todos os stakeholders que estavam analisando o tema se preocuparam apenas com o dinheiro. Quanto vem para cá, quanto não vai para lá. Estamos atrasados.
Pior: não estamos analisando os efeitos e ações em países onde o jogo é regulado há mais tempo. Pouco se fala sobre a proibição de propaganda das casas de apostas. Países como a Itália proíbem desde 2019, afetados que são pela chamada ludopatia, o vício em jogos.
Segundo a agência Ansa, em 2022 havia pelo menos 1,2 milhão de italianos diagnosticados com ludopatia, que custam € 2,7 bilhões à saúde pública por conta de tratamentos contra a dependência.
Integridade do esporte
No final, ainda temos o efeito esportivo. A integridade do esporte fica manchada porque sempre há alguém suscetível a receber um dinheiro adicional, ou porque são extorquidos. Precisamos, portanto, de ações coordenadas para evitar chegarmos ao que estamos vendo.
Registro das casas de aposta, transparência e controle do fluxo do dinheiro, suporte policial e jurídico a atletas extorquidos, sanções duras a atletas, dirigentes e árbitros que ultrapassarem a barreira da ética, previsão de ações de prevenção à ludopatia, e tudo isso feito em caráter de urgência. Enquanto o objetivo central for apenas o dinheiro, o essencial ficará para trás. Quer apostar?