Ações de Vale e Petrobras são 25% dos negócios na B3
Peso desses papéis no volume da bolsa é o maior desde 2014
Operações com papéis ordinários da Vale e ações preferenciais da Petrobras representam um quarto do volume de negócios realizados no mercado acionário à vista da B3 no mês de outubro. É a primeira vez que os dois ativos com mais peso na bolsa somam 25% dos negócios desde 2014, quando representaram 25,16%, segundo levantamento do TradeMap para o Valor.
Mesmo com a desaceleração da economia global e o crescente temor de recessão, que geram incertezas para as commodities, o aumento da participação do investidor internacional no mercado local nos últimos meses ajuda a explicar o movimento. Isso porque o grupo costuma priorizar papéis com mais liquidez, justamente como as duas produtoras de matérias-primas e os grandes bancos. Ontem, Vale ON representava 15,448% da carteira teórica do Ibovespa, e Petrobras PN, 6,966%.
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De maneira complementar, fatores específicos também tiveram impacto no interesse pelos papéis. A petroleira reagiu bem ao resultado do primeiro turno da eleição, com o pleito presidencial apertado e a emergência de um Congresso de perfil mais conservador, o que favoreceria a possibilidade de uma privatização. A mineradora, por sua vez, registrou performance negativa após a operação de compra de até 6,5% das suas ações pela Cosan.
Gabriela Joubert, analista-chefe do Inter, afirma que, em outubro, o investidor estrangeiro tem voltado a mostrar uma preferência maior pela bolsa brasileira em razão do momento da economia local frente a outros países desenvolvidos e emergentes. “Os desenvolvidos estão começando ou no meio do ciclo de elevação de juros, enquanto aqui já há a discussão de corte”, diz. “E emergentes, principalmente países como China e Rússia, passam por dificuldades particulares e também pelos problemas globais.”
Segundo Joubert, o panorama macro já ajuda a bolsa brasileira e, quando o investidor de fora olha para o Brasil, há preferência por empresas como Vale e Petrobras. A perspectiva dela para o futuro é que o estrangeiro continue vendo atratividade na B3.
O investidor estrangeiro fez aporte líquido de R$ 1,20 bilhão nas ações listadas na B3 neste mês, até o dia 10. No acumulado do ano, o saldo internacional na bolsa totaliza R$ 71,26 bilhões. No mesmo período, os institucionais locais sacaram R$ 105,06 bilhões, e os investidores individuais resgataram R$ 2,44 bilhões.
Apesar do volume elevado de negócios envolvendo os dois papéis, os desempenhos contam histórias distintas. A Vale, que sobe 1,08% no ano e vinha se desvalorizando nos últimos meses com a desaceleração da economia chinesa, sofreu um baque adicional após a Cosan anunciar que vai comprar até 6,5% das ações da mineradora, uma ofensiva que parte do mercado enxergou como o primeiro passo de uma tentativa de tomada de controle da maior empresa da bolsa.
“Houve uma forte correção no papel, de um patamar superior a R$ 100 em março para R$ 62 em setembro [ontem, R$ 72,18], acompanhando as incertezas da China. Com isso, o posicionamento estava baixo e algumas casas estavam vendidas na ação, o que impulsionou compras. Mas, no início da última semana, essa dinâmica ficou mais forte e os boatos de que algo estava ocorrendo começaram”, diz Antonio Heluany, sócio e analista de commodities da Taruá Capital.
Na visão dele, pensando em prazos mais longos, a incursão da Cosan na Vale é positiva. Para Heluany, a mineradora conseguirá se beneficiar da presença de um executivo “com cabeça de indústria” no seu conselho, ajudando a empresa a ter um direcionamento para o futuro para além da forte distribuição de dividendos no mercado.
No entanto, ele afirma que a decepção dos investidores pode ter vindo após especulações frustradas em relação ao aumento no volume de negócios da ação. “Como a empresa já estava buscando destravar valor da área de metais básicos, uma movimentação nesse sentido poderia ter tido um impacto maior. A entrada da Cosan, por outro lado, não é um evento que faz o papel andar no curto prazo”, diz. A Taruá está exposta à Petrobras, mas não à Vale.
Inácio Ponchet, CEO e gestor da Lato Capital, também cita preocupações com o atual patamar do minério de ferro. Ele afirma que continua não gostando dos sinais emitidos recentemente pela economia chinesa e demonstra preocupação com o cenário europeu, já que a capacidade de produção foi reduzida em 50 milhões de toneladas por conta da crise energética.
“Ninguém sabe como a Europa volta da crise. Por mais que o preço do gás retroceda, não necessariamente voltará para o patamar de quando o continente tinha o produto russo subsidiado. E também não vejo a economia da China voltando rápido, então o minério pode continuar pressionado. O petróleo, por outro lado, parece um pouco mais protegido por conta da restrição de oferta”, afirma.
Os papéis preferenciais da Petrobras sobem 74,08% em 2022, a terceira melhor performance do Ibovespa. Houve ainda um ganho adicional em outubro, após o resultado do primeiro turno da eleição apontar uma disputa apertada pela Presidência e um Congresso mais à direita, em teoria menos inclinado à intervenção do Estado na economia e nas empresas.
“O investidor estrangeiro parece mais tranquilo que o local em relação ao resultado do pleito, mas com certeza podemos ter impactos na Petrobras. Entendo que, caso Bolsonaro [PL] vença, a Petrobras é a empresa mais barata da bolsa, com grandes chances de valorização. Se o Lula [PT] for eleito, haverá um compasso de espera até o anúncio do novo presidente da companhia e o detalhamento dos planos de investimento”, diz Ponchet. O gestor tem, por meio do índice, posição nos dois papéis.
O analista Mário Braga, da consultoria Control Risks, diz que um eventual governo Lula deve adotar uma postura pragmática em relação ao ambiente de negócios e tentar avançar com reformas estruturais em 2023, em especial a tributária. Para ele, essa reforma deve focar em uma simplificação do sistema, mas virá acompanhada de mais impostos sobre os mais ricos e, possivelmente, sobre alguns setores, como mineração e óleo e gás.
“Para compensar a possível perda de receita, o governo provavelmente buscará a introdução de impostos sobre dividendos e riqueza. Considerando uma agenda verde mais ampla, é provável que a reforma também favoreça indústrias ou produtos ecologicamente corretos, como energia renovável ou carros elétricos”, diz Braga. “Provavelmente haverá um apetite para aumentar os impostos [e royalties] para o setor de mineração. É improvável que o próximo governo adote uma abordagem semelhante em relação ao setor de petróleo e gás e recorra a um imposto para amortecer os choques de preços, mas, enquanto os mercados globais continuarem fortes, empresas desses setores permanecerão mais expostas a riscos de aumentos de impostos.”
Por Matheus Prado e Augusto Decker, do Valor Econômico, com colaboração de Álvaro Campos