Por que é tão difícil dizer que é rico?

Mesmo as pessoas tendo uma condição financeira muito boa, se envergonham em admitir

Certa vez uma amiga me ligou querendo um conselho para conduzir uma conversa sobre dinheiro com o filho de 11 anos. Esse é um pedido relativamente comum, dado meu ofício, e tal requisição sempre me dá um enorme prazer. Ela me disse que o filho passara a ficar preocupado com a situação financeira da família. Apesar da pouca idade, ele havia começado, segundo seu relato, a prestar atenção nos gastos da casa. Ao irem ao supermercado, por exemplo, o filho queria saber o preço das coisas, se questionava se não era melhor comprar a marca de chocolate mais barata e, em casa, estava mais seletivo com os pedidos que antes costumava fazer.

Até aí, o interesse do menino – excetuando alguns pequenos pontos de exagero – não me parecia em nada negativo, apesar de incomum e precoce. Mas minha curiosidade residia em querer saber qual teria sido o gatilho para a mudança repentina de comportamento. Ela não sabia ao certo o que havia acontecido, e começamos juntas a elucubrar algumas hipóteses. Perguntei sobre a relação que ela e o marido tinham com dinheiro, se costumavam falar sobre isso em casa ou se ele tinha aprendido alguma coisa sobre o tema na escola que pudesse nos dar uma pista. Ela resgatou algumas coisas da memória, até que finalmente chegamos à uma possível causa. O filho havia perguntado a ela se eles eram ricos ou pobres e, de imediato, sua resposta para ele foi: “somos pobres”. Bingo!

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Essa é uma pergunta que pega muitos pais e mães desprevenidos e gera desconforto na mesma ou em intensidade ainda maior do que quando são questionados de ondem vem os bebês. E essa é, em geral, a resposta mais praticada. Mesmo as pessoas tendo uma condição financeira muito boa, se envergonham em admitir, até mesmo para os filhos. E não dá para julgar tal comportamento. A aversão a esse tipo de autodeclaração é causada por vários fatores, entre eles o tabu em torno do assunto e a imensa desigualdade social em que vivemos.

O índice Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, que mede o grau de concentração de renda em determinado grupo, aponta que a desigualdade social no Brasil é a maior (dados de 2020) entre os 10 países analisados. O Japão aparece como o menos desigual, mas também teve seu índice afetado para pior – assim como os demais países – em razão da pandemia.

Para que a desigualdade diminua, segundo o Credit Suisse Global Wealth Report, deve-se observar os dois extremos de uma pirâmide social, avaliando o quão longe os principais grupos de riqueza estão em comparação a média da população e, na ponta oposta, como a renda média dos grupos inferiores se comporta. Se o grupo superior continua acumulando mais riqueza enquanto a ponta oposta se mantém no mesmo patamar, a desigualdade aumenta. Se o ganho das classes menos endinheiradas não acompanhar a velocidade de ganho dos mais ricos, há mais dinheiro no bolso, mas a desigualdade fica maior. Além disso, fatores como taxa de juros elevada, inflação e desemprego tendem a afetar mais severamente quem tem menos dinheiro ou aqueles que não contam com nenhuma reserva financeira que possa cobrir momentos de instabilidade.

No caso do filho da minha amiga, a resposta recebida gerou nele insegurança em relação à real situação da família. As possíveis referências que ele tinha a respeito do tema fizeram com que ele inferisse que a família poderia vir a passar por dificuldades financeiras se não fossem diligentes com os detalhes. O comportamento do menino está correto, mas aflorou não pela motivação errada.

Confesso ter o mesmo desconforto da maioria para admitir minha condição financeira. Também sou vítima dos meus tabus, mas sigo enfrentando-os e ajudando os outros a fazerem o mesmo.

No final das contas, riqueza está muito relacionada a poder escolher do que a poder comprar. Poder escolher ter uma vida mais simples e descomplicada, viver de maneira digna e ter mais reserva no banco que garanta noites de sono bem dormidas. Se for dentro de uma sociedade menos de menos desigual, dada a nossa interdependência, melhor ainda. No fundo, temos de entender que sempre seremos mais ricos que uns e mais pobres que outros.

Por Ana Leoni, criadora do Dinheiro com Atitude, para o Valor Investe

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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