Com Selic em 12,75% ao ano, os consórcios para viagens, reformas e até festa de casamento estão de volta

Novas tecnologias permitem diferentes usos, até como garantia e investimento. Entenda

- Ilustração: Marcelo Andreguetti
- Ilustração: Marcelo Andreguetti

Clássico dos tempos de crise, quando renda em baixa e juros em alta dificultam o acesso ao crédito, um velho conhecido volta a crescer como saída para o consumo. Há 60 anos no mercado brasileiro, o consórcio atrai mais cotistas este ano, mas não é mais o mesmo.

Está repaginado pelas inovações tecnológicas das fintechs, as startups financeiras, e viabiliza a aquisição de uma gama cada vez mais variada de bens — para além dos tradicionais imóveis e veículos — e também de serviços, de viagens a reformas residenciais.

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Segundo a Associação Brasileira das Administradoras de Consórcio (Abac), as vendas de novas cotas subiram 12% no primeiro trimestre deste ano, para 886,3 mil, em comparação com o mesmo período de 2021. Os negócios somaram R$ 55,2 bilhões no período, avanço de 15,3%. Em março, o número de participantes ativos em consórcios chegou a 8,5 milhões.

O consórcio tem um ar de passado, mas agora se moderniza para atrair o público jovem, que tem mais dificuldade de acessar crédito por vias tradicionais e que ainda não tinha experimentado.

Além do uso de tecnologias como inteligência artificial, há novos arranjos financeiros, como a possibilidade de cotas já pagas em um consórcio servirem de garantia para obter empréstimos em condições mais favoráveis ou funcionarem como uma forma de investimento.

Acesso mais fácil

A elevação da taxa básica de juros (Selic) nos últimos meses — atualmente está em 12,75% ao ano — tende a encarecer os financiamentos. Isso favorece os consórcios, mas não é o único fator. As operações automatizadas e mais simples que as de crédito ficam mais atraentes no atual contexto do mercado de trabalho.

“A grande maioria da população, principalmente os que estão na informalidade, não consegue comprovar renda e está fora do acesso a um financiamento. Quando a taxa de juros está baixa, há dificuldade de conseguir financiar porque o risco de crédito aumenta e são exigidas mais condições. E quando os juros sobem, fica inviável”, diz Marcelo Kogut, cofundador da start-up de consórcios Mycon, que criou com o irmão, Márcio Kogut, para modernizar o instrumento financeiro.

A Mycon usa inteligência artificial para vender os produtos sem a necessidade de intermediários, o que reduz a taxa de administração em comparação com bancos tradicionais. A contratação ocorre de forma totalmente digital.

O interessado informa coisas que está interessado em comprar e preenche um questionário para que se avalie sua capacidade de pagamento. A plataforma então mostra os planos de consórcio disponíveis sem comprometer mais do que 30% da renda mensal do cliente.

Cerca de 70% dos clientes da Mycon têm entre 25 e 35 anos. A fintech Klubi, focada inicialmente em veículos, também oferece experiência 100% digital com foco nos jovens à margem dos bancos tradicionais. Pela plataforma, o usuário escolhe prazo e valor do que deseja viabilizar e faz simulações para descobrir o plano adequado. Ainda acompanha as informações do grupo ao qual se integrou.

As reuniões mensais são transmitidas no YouTube. Os integrantes recebem informações para ajudá-los na decisão de quando dar um lance (ofertar um valor maior que a mensalidade para ficar no lugar do sorteado), além de contar com especialistas pelo WhatsApp. Mensalidades começam em R$ 499.

Consórcio para reformas residenciais

Além dos tradicionais consórcios imobiliário e de veículos, outros sonhos de consumo ganham força, como serviços de alto custo. Segundo a Abac, esse segmento passou de 3,5 mil cotas ativas em 2009 para quase 190 mil em março deste ano.

Os consórcios relacionados a reformas residenciais são os mais procurados, representam 75,5% dos contratos envolvendo serviços. Na sequência, estão turismo e viagens (1,6%), saúde e estética (1,6%), consórcios na área de educação (0,5%) e festas e eventos (0,4%). Mais usos, como assessoria jurídica, informática, segurança, alarmes residenciais, entre outros, somaram 20,1% em março.

“O setor de serviços, até pela dinâmica da economia, vai ter um crescimento bastante relevante. Assim como os consórcios de bens de menor valor, como eletroeletrônicos”, diz o sócio-diretor da Consorciei, João Prado.

A Wiz Parceiros, que historicamente operava com a Caixa, agora firma outras parcerias para crescer. Já tem acordos com Itaú, Santander, Banrisul e Banco do Brasil, que facilita o acesso a setores como o agronegócio, um dos principais motores da economia. Em 2021, a Wiz transacionou mais de R$ 6,2 bilhões em consórcios, o que corresponde a 3% desse mercado no país.

“Houve um entendimento pelo mercado de que o consórcio é um instrumento seguro. A oferta qualificada e a massificação nos grandes bancos permitiram que chegássemos em categorias que sequer acessavam os produtos, como os jovens e as pessoas jurídicas”, afirma Rodrigo Salim, diretor executivo de Novas Possibilidades da empresa.

Garantia para crédito

Outra nova utilidade do consórcio é dar acesso a empréstimos com melhores condições em um momento turbulento do mercado. Se antes o dinheiro das cotas já pagas ficava travado até que a pessoa tivesse acesso ao bem, uma nova modalidade permite o uso do montante como garantia de uma operação de crédito, desde que não para a compra do mesmo bem ou serviço. O valor será proporcional ao acumulado pelo associado.

“Se o consorciado precisar de recurso para qualquer necessidade, pode usar a cota de consórcio em garantia e, como consequência, acabar acessando um crédito pessoal com taxa mais barata. Isso permite que o consorciado, ainda que não tenha sido contemplado, possa, através do próprio consórcio, gerar valor imediato, em caso de necessidade de liquidez”, diz Prado, da Consorcie, fintech que criou o novo produto e que atua em parceria com administradoras.

Também pensando em gerar mais liquidez no mercado, a Mycon criou um ambiente digital para a comercialização de cotas contempladas, o MyCotas. A ideia surgiu após a fintech identificar uma necessidade dos consumidores no “mercado paralelo” de cotas contempladas, no qual as negociações são feitas sem a validação de uma administradora autorizada pelo Banco Central, gerando insegurança entre as partes e custos adicionais com intermediários.

Pelo MyCotas, a negociação também é realizada de forma totalmente digital, diretamente entre quem quer comprar e vender o crédito, sem taxas para anunciar.

A fintech valida o processo, garantindo que o consórcio contemplado de fato existe e que os valores estão corretos. Até o momento a venda de cartas é exclusiva para clientes do Mycon, mas o mercado virtual deve ser aberto para todos no futuro.

O que considerar na decisão na hora de escolher um consórcio

Fator tempo

Na hora de adquirir um bem, a escolha entre pagar à vista, financiar ou fazer um consórcio depende das condições financeiras e dos objetivos do consumidor. Um fator decisivo é o tempo que pode esperar pelo produto ou serviço.

O consórcio pode ter a mesma duração de um financiamento, que dá acesso imediato, mas é preciso ser sorteado.

“No consórcio tem muito do fator sorte. Mas o planejamento financeiro é fundamental, porque os lances estão cada vez mais elevados. A partir do momento em que a pessoa guarda dinheiro, ela consegue dar esses lances”, observa a planejadora financeira Paula Bazzo.

Paciência para juntar

Outra possibilidade é investir uma quantia mensal em títulos atrelados à Selic, por exemplo, para comprar o produto à vista mais adiante, escapando dos juros e de um parcelamento mais longo.

“Em qualquer uma das alternativas, você vai pagar um preço para acelerar esse processo”, diz a coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV, Claudia Yoshinaga.

Vantagem na entrada

O financiamento é uma dívida que dá acesso imediato ao bem, mas costuma exigir um valor mínimo de entrada. O consórcio não tem essa prática, exige apenas o pagamento de uma cota por mês.

Correção monetária

Os consórcios sofrem correção monetária anual, com índices definidos em contratos, como INCC, IGP-M, entre outros, além de taxas. Vai depender do bem em questão.

A correção ocorre sobre o valor da carta de crédito que, por tabela, reajusta as parcelas. Dessa forma, é importante ter cuidado na hora de escolher e fechar o contrato do consórcio, para que o índice de correção escolhido seja o menos volátil possível.

Custo do consórcio

A empresa que gerencia o consórcio cobra taxas por volta de 20% do valor do bem para administrar o processo. Em caso de desistência no meio do caminho, a pessoa pode receber o dinheiro que empregou nas cotas de volta, mas vai arcar com uma taxa de desistência.

Comparação com crédito

Os juros do crédito mudam conforme as oscilações da Selic, que está em 12,75% ao ano e deve continuar subindo.

Num momento de alta da taxa como o atual, os juros praticados tendem a ficar mais caros no crédito e tornar o consórcio mais vantajoso. Em contrapartida, os financiamentos oferecem prazos maiores que os consórcios para diluir a dívida.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.


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