Coldplay, Rock In Rio, Justin Bieber: como a demanda reprimida está alterando o cenário musical no Brasil

Bandas, músicos e festivais movimentam o cenário onde antigos e novos players do setor disputam espaço para atender ao público

Chris Martin, do grupo Coldplay, em apresentação de 2017 em Manchester, Inglaterra. - Foto: Associated Press/Rex Features
Chris Martin, do grupo Coldplay, em apresentação de 2017 em Manchester, Inglaterra. - Foto: Associated Press/Rex Features

O mercado brasileiro de shows, que ficou interrompido durante a pandemia, dá sinais de reaquecimento em 2022. Ingressos rapidamente esgotados para grandes atrações e festivais como Coldplay, Justin Bieber, mesmo adiados ou cancelados por motivos pessoais dos artistas, e Rock in Rio indicam o apetite voraz do público após dois anos de afastamento do entretenimento presencial.

Num cenário de muitos desafios e oportunidades, antigos e novos players do setor fazem suas contas para disputar espaço e investir em casas de shows, festivais e turnês de bandas e artistas.

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“A demanda global pelo entretenimento ao vivo nunca foi tão grande”, afirma Rafael Lazarini, vice- presidente para América Latina da Live Nation, uma das principais do segmento no mundo. Após o longo período de paralisação, o setor modificou-se. Queda do poder aquisitivo, dólar, inflação, passagens e combustíveis em disparada aumentaram os custos e riscos para um segmento que negocia cachês internacionais com antecedência e na moeda americana. Além do aumento de preços em áreas como transportes, som e iluminação, diversas empresas fecharam as portas ou mudaram de ramo.

“Por um lado, há essa euforia da retomada, mas, por outro, temos de nos adequar a uma nova realidade e conjuntura econômica”, analisa Luiz Oscar Niemeyer, ex-presidente da gravadora BMG e responsável por produzir shows de U2, Eric Clapton, Rolling Stones e Paul McCartney.

Para resistir à drástica queda de receitas, diversas companhias tiveram de reduzir suas operações ou tomar empréstimos. No caso da Opus Entretenimento, que administra mais de dez casas Brasil afora e agencia a carreira de artistas como Ana Carolina e Daniel, os cortes chegaram a cerca de 50% da empresa. “Como tivemos de buscar recursos, o aumento da taxa Selic prejudicou ainda mais o setor”, diz Carlos Konrath, presidente da companhia. “Vai levar um tempinho para pagarmos essa conta e voltarmos para o azul”, prevê.

À frente do festival Tim Music Noites Cariocas, realizado em março, e do Blue Note São Paulo, que receberá shows de Maria Rita e Marcos Valle, o empresário e ex-vice-presidente da Sony Music Luiz Calainho afirma que alongou suas dívidas em até 60 meses. “O setor vai sofrer esse endividamento por alguns anos, para então atingir um patamar maior.”
De acordo com os cálculos da PwC Brasil, uma das principais empresas de auditoria e consultoria do mundo, o mercado nacional de shows registrou uma queda de 77% em 2020: US$ 20 milhões ante US$ 88 milhões em 2019.

A consultoria estima que o setor tenha movimentado cerca de US$ 41 milhões no ano passado, menos da metade dos números anteriores à chegada da covid-19.

O Ecad verificou um recuo similar, de 75%, na arrecadação de direitos de shows e eventos no primeiro ano pandêmico, passando de R$ 183 milhões em 2019 para R$ 44 milhões. O próprio órgão teve de cortar custos graças ao drástico declínio. Até o mês de abril deste ano, o Ecad arrecadou R$ 36 milhões em shows e eventos, um crescimento de 414% em relação ao mesmo período de 2021, com um recuo de 25% comparado ao início de 2019.

Para 2022, a PwC prevê um animador patamar de US$ 82 milhões para o segmento. “Como a maioria das casas abriram com 100% de capacidade apenas em março, talvez este seja um desempenho superior ao de 2019, proporcionalmente”, avalia Ricardo Queiroz, sócio da PwC Brasil. “O segmento está em ebulição, com enorme oferta ao consumidor e empresas adotando diferentes estratégias de negócio, de enxugamento ou expansão.”

Embora diversos players carreguem altos passivos, o atual quadro favorável exige fôlego de investimentos e captação de novas receitas. Dinheiro em caixa é indispensável, por exemplo, para ir às compras e disputar os direitos para trazer grandes atrações internacionais. Quem vence ofertando os melhores cachês precisa quitá-los logo após a assinatura do contrato, meses antes da entrada da bilheteria. “Alguns artistas pedem depósito de 50% do valor para que o show seja anunciado”, conta André Matalon, experiente nome do showbiz. “Com grandes atrações, como Rolling Stones, é preciso depositar os 100%”, diz.

Numa inédita e criativa operação para se capitalizar, a Opus lançou um fundo de investimentos, em parceria com a XP Asset, para arrecadar R$ 260 milhões e custear cerca de 1.800 apresentações de artistas como Seu Jorge, Xuxa e Alexandre Pires. “Convivemos com os custos do passado e o planejamento futuro”, diz Konrath. Neste ano, a empresa está promovendo as turnês de nomes como Guns N’ Roses, Hanson e Kiss (encerrada em maio).

Neste ambiente de reposicionamentos, empresas uniram esforços e outras aproveitam para lançar suas atividades. William Crunfli e Matalon deixaram a Move Concerts para fundar a Music on Events. Pioneiro na produção de grandes shows na América Latina desde os anos 1970, Phil Rodriguez, sócio da Move, firmou então sociedade com a DC Set Group, conhecida por agenciar a carreira de Roberto Carlos e responsável por turnês de Michael Jackson e Luciano Pavarotti.

Entre as atrações produzidas pela Move neste ano estão Michael Bublé, Iron Maiden, Liam Gallagher, A-ha e Bullet for My Valentine. “Passamos um longo período sem faturar, machucou muito a empresa”, conta Tiago Maia, diretor-executivo da Move Concerts. “Ainda assim, foi necessário seguir aportando recursos para nos manter bem posicionados para a retomada: o momento é de investir.”

O CEO da 30E Thirty Entertainment, Pepeu Correa, estava prestes a lançar a companhia, após deixar o mercado financeiro, quando veio a pandemia. O executivo então aproveitou para estruturar a operação e levantou cerca de R$ 400 milhões por meio de investidores com o Fundo Flowinvest. “No momento em que outras empresas estavam abaladas, trouxemos talentos de outras companhias”, afirma. Em dezembro, a empresa produzirá o festival de heavy metal KnotFest Brasil, no Sambódromo do Anhembi, com Slipknot, Bring Me the Horizon e Sepultura.

Luiz Oscar Niemeyer, um dos profissionais mais prestigiados do setor, viu seu contrato como executivo da Time For Fun ser finalizado durante a pandemia, após anos na casa. Ele então abriu a Bonus Track Entretenimento com o filho Luiz Guilherme Niemeyer. Em parceria com a 30E, a empresa produziu o festival MITA, que levou ao Rio e São Paulo, em maio, Two Door Cinema Club, Gorillaz, Gilberto Gil e The Kooks. “Unimos forças no sentido de buscar os recursos, que não são poucos, para viabilizar os eventos”, explica Niemeyer. “Temos três bandas de estádio para anunciar ainda este ano”, diz Correa.

Um dos grandes players do setor, a Time For Fun, entregou as casas que administrava no Rio, em São Paulo e Belo Horizonte (os antigos Metropolitan, Credicard Hall e BH Hall) e optou por concentrar sua operação em festivais como Lollapalooza, Popload (segundo semestre) e Turá, que receberá em julho Emicida, Duda Beat, Zeca Pagodinho e Nando Reis, entre outros, no parque Ibirapuera.

Depois de duas edições canceladas durante a pandemia, o Lolla teve seus ingressos esgotados (R$ 1.440 por dia), em março, quando mais de 300 mil pessoas assistiram a nomes como The Strokes, Miley Cyrus, Emicida e Pabllo Vittar. A produtora promoverá, também neste ano, shows também já esgotados de Justin Bieber, além de Maria Bethânia e Billy Idol.

Outro grande evento que chamou a atenção do setor foi o Rock in Rio, que vendeu em apenas cinco horas todos os bilhetes de seis dos sete dias do evento (com ingressos a R$ 625 por dia). Previsto para o ano passado e reagendado para setembro, o festival receberá 700 mil pessoas e possui como nomes principais Justin Bieber, Green Day, Coldplay, Dua Lipa, Post Malone, Guns N’ Roses e Iron Maiden, além de Demi Lovato, Ivete Sangalo, The Offspring, Bastille e Djavan. “As reações de ansiedade e histeria do público deram a medida do momento atual de expectativa”, diz Roberta Medina, vice-presidente do festival, à frente também do Rock in Rio Lisboa, que acontecerá em junho, com Black Eyed Peas, Anitta e Duran Duran.

Uma das tendências é a criação e fortalecimento de festivais. Com datas e conceito consolidados, os eventos atraem marcas, artistas e uma plateia interessada não apenas em shows, mas em vivenciar experiências com múltiplas atrações, da gastronomia ao lazer. “Quanto maior a oferta de shows e eventos, mais o público ficará exigente”, antevê Medina.

Sob esse impulso, os fundadores do Rock in Rio irão tirar do baú o antigo desejo de criar um evento para São Paulo. Em breve serão anunciadas as atrações iniciais da primeira edição do festival The Town, que ocorrerá em setembro de 2023. “Já fechamos os principais nomes.”

A Live Nation, líder global do segmento e sócia majoritária do Rock in Rio desde 2018, não teve sua operação substancialmente afetada, de acordo com o seu vice-presidente para América Latina. “Tínhamos musculatura para aguentar a tempestade”, diz Lazarini. A filial brasileira da companhia americana é mais uma a apostar nos festivais, ao realizar a primeira edição do Primavera Sound São Paulo, criado em Barcelona (com ingressos a partir de R$ 579).

Serão mais de 100 apresentações, entre 31 de outubro e 6 de novembro, de atrações como Arctic Monkeys, Travis Scott, Lorde, Björk, Father John Misty, Liniker e Gal Costa, que irá reler o seu histórico álbum “Gal a Todo Vapor”, de 1971. Neste ano, a empresa também cuida das turnês brasileiras de Coldplay, Arctic Monkeys, Harry Styles e Metallica (encerrada em maio).

Depois de um período no qual evitaram associar-se às aglomerações, as marcas voltaram a investir no setor. “Atualmente, as duas principais fontes de receita estão muito aquecidas: bilheteria e patrocínio”, afirma Medina. Para Luiz Calainho, o período de isolamento aproximou o setor cultural da população. “Mais do que nunca, as pessoas perceberam a importância da economia criativa inclusive para nossa saúde mental e emocional”, afirma. “O entretenimento retorna, de fato, mais forte do que antes: mais lembrado e valorizado”, diz Konrath, da Opus.

A disposição das marcas se vê no apoio não apenas a turnês e festivais, mas também no patrocínio, via naming rights, a casas de shows. O Tom Brasil foi rebatizado de Tokio Marine Hall e receberá Maria Rita, Titãs e Mallu Magalhães. O Espaço das Américas, também em São Paulo, agora é Espaço Unimed, onde irão se apresentar Joss Stone, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Marisa Monte.

Assumido pela Opus, o Credicard Hall tornou-se Vibra São Paulo e terá Maria Bethânia, Nando Reis, Ney Matogrosso e Jorge Drexler. Já o Metropolitan virou Qualistage, sob aporte da Qualicorp. Entre os novos sócios está Dody Sirena, da DC Set, que levará shows de Roberto Carlos ao espaço, além de atrações como Pitty e Nando Reis, A-ha e Liam Gallagher.

O setor também está passando por inaugurações, construções e ampliações de casas e espaços multiuso. De acordo com Lucas Giacomolli, vice- presidente da Opus, “datas e espaços estão congestionados em todos os cantos do Brasil”. A companhia está construindo novas casas no Rio e em São Paulo. No antigo estádio do Pacaembu, a concessionária que assumiu o complexo esportivo por 35 anos inaugurou um pavilhão para 9 mil pessoas e está construindo um edifício multifuncional de nove andares. Já o Autódromo de Interlagos passará por intervenções para receber o The Town.
A francesa GL Events, que administra a Jeunesse Arena, no Rio, iniciará neste ano a construção de uma arena na capital paulista, no Anhembi, com capacidade para 20 mil pessoas, em parceria com a Live Nation.

Fechado desde 2013, o icônico Studio SP, no Baixo Augusta, fundado por Alê Youssef, foi reaberto com uma programação prevista até dezembro. Já o Blue Note Rio deve ser reinaugurado no fim do ano, desta vez num hotel.

Como grande parte dos principais artistas mundiais iniciaram suas turnês pelo hemisfério Norte, projeta-se uma oferta ainda mais atrativa para os brasileiros no ano que vem. “Quem conseguiu se segurar até aqui vai se sair muito bem, pois o mercado nacional ainda possui muita margem para crescer”, avalia Medina. “É claro que nem todas as iniciativas darão certo, cada empresa tem sua estratégia e negócio, mas o futuro é promissor”, afirma Niemeyer.

Segundo as contas da PwC, o bom desempenho estimado para o setor nos próximos anos não será suficiente para repor as perdas do período de estagnação. Porém, o crescimento que havia sido calculado para o mercado de shows brasileiro antes da pandemia deverá ser retomado. A consultoria projeta um volume de US$ 90 milhões para 2023 e de US$ 97 milhões em 2025. “Os próximos dois anos serão atípicos, de alta demanda e shows lotados, até atingirmos uma normalização, em 2024”, prevê Queiroz, da PwC.

Por João Bernardo Caldeira — Para o Valor, do Rio
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