CESAR GRAFIETTI
A semana foi recheada de divulgações de demonstrações financeiras dos clubes. A data-limite, conforme determina a Lei Geral do Esporte, é 30 de abril, e boa parte dos clubes deixa tudo para a última hora.
É sempre assim, pois muitos preferem deixar as notícias ruins para o final. Mesmo com a data elástica para quem pretende entender o que foi o ano anterior, há clubes que não a cumprem, como é o caso do Cruzeiro. Pelo menos até sexta-feira (3), às 8h49, não há demonstrações publicadas no site.
Citar o Cruzeiro tem um aspecto importante neste momento: foi a primeira SAF revendida desde a possibilidade de criação das sociedades anônimas o futebol.
Sempre que os balanços dos clubes são divulgados, ou quando vemos notícias sobre balanços de clubes no exterior, geralmente com números bastante coloridos em vermelho, surgem perguntas sobre como é possível ganhar dinheiro com futebol, já que muitos perdem.
Pois é. Não é simples, nem fácil. Mas é possível. Dependerá sempre dos acionistas : qual o modelo de negócios e qual a expectativa de crescimento.
Para ganhar dinheiro investindo em futebol tem duas vertentes claras: via negociação de atletas e/ou comprando na baixa e vendendo na alta. Onde se encaixa a operação do Cruzeiro? E a venda da SAF por Ronaldo Fenômeno? Vamos ver.
Comprar e vender atletas de forma eficiente, encontrando jovens qualificados e desconhecidos, colocando para jogar, e vendendo para clubes de maior poder aquisitivo é bastante comum.
Leva tempo, demanda investimentos em infraestrutura e pessoal qualificado para encontrar os atletas, uma ideia de jogo que permita aos clubes disputar de forma eficiente as principais divisões do futebol.
Não foi este o caminho adotado por Ronaldo Fenômeno na SAF. O caso do Cruzeiro se encaixa na tese de growth, ou seja, comprar em fase de desenvolvimento, crescer, aumentar receitas e múltiplos e vender numa posição melhor que aquela inicial.
Em 2021, Ronaldo comprou a SAF do Cruzeiro, e foi isto o que ele prometeu quando chegou: recuperar o clube.
Não prometeu investimentos elevados, nem contratações bombásticas, mas melhoria na gestão e na governança. Consta que aportou cerca de R$ 70 milhões em capital para solucionar os problemas financeiros mais graves, atacou diretamente os custos, abrindo mão de atletas caros e demitindo profissionais que entendia terem pouco a agregar, montando uma equipe nova.
Precisamos lembrar que Ronaldo Fenômeno foi duramente criticado diversos momentos nessa trajetória da SAF, mas conseguiu ser campeão da Série B, retornando à Série A, onde permaneceu na temporada passada apesar de operar supostamente dentro dos limites de orçamento.
Quando o processo de SAFs teve início no Brasil, o modelo de lucrar entre a compra e a venda dependia necessariamente que houvesse venda, o que significa interessados nos ativos.
Não temos uma liga, mas dois grupos que criaram uma enorme confusão e depreciaram o futebol. Há quem tenha lucrado, mas o futebol perdeu. Os estaduais seguem ocupando espaço de pouco interesse e a Série B só definiu quem transmitiria a competição um dia antes de iniciar a temporada 2024.
Não conseguimos seguir um modelo organizado de divulgação dos direitos internacionais de transmissão. A tendência é que nos próximos 5 anos teremos competições completamente estranhas em termos de divulgação. Ou seja, o caos. Para quem compra e espera organização para vender o clube no futuro, o cenário ficou mais complicado.
Mas Ronaldo Fenômeno encontrou um comprador para a SAF. Pedro Lourenço é figura constante na vida do Cruzeiro, tendo patrocinado o clube e fazendo parte de alguns movimentos de gestões anteriores, mesmo que à distância.
Lourenço já havia aportado R$ 100 milhões no ano passado, comprando 20% da SAF, e agora comprou os restantes 70%, por um valor à vista e parte em até 10 anos, pagos a Ronaldo. Fala-se em até R$ 500 milhões.
Assim como o Cruzeiro foi parar nas mãos de um torcedor, este modelo também se vê no Atlético Mineiro, cujos acionistas da SAF são empresários e torcedores, como a família Menin, com uma participação minoritária do BTG.
Bem, quem compra clubes pode ter duas visões: ganhar dinheiro nos modelos citados, ou apenas ser dono de clube. No primeiro caso recomenda-se que mantenha a postura de Ronaldo Fenômeno na SAF, talvez colocando mais dinheiro para seguir crescendo. Já no segundo caso, bem, é melhor esperar e torcer para que seja o primeiro caso.
Por ter sido uma movimentação reforçada pela paixão, ainda guardo certo ceticismo em relação à efetiva criação de um mercado secundário de clubes. Entretanto, já temos o primeiro dono de SAF a lucrar no Brasil: Ronaldo Fenômeno.