Para levar seu plano a cabo, presidente eleito terá que zerar um enorme déficit público, obter um grande apoio político no Congresso e atrair dezenas de bilhões de dólares.
ECONOMIA
Até a eleição de Javier Milei, a extinção do Banco Central da Argentina não era um assunto levado a sério fora do país. Com o economista ultraliberal se apressando a reafirmar sua promessa de campanha após o pleito, o fato deixou de ser visto apenas como um blefe eleitoral para virar uma fonte de curiosidade.
Para economistas, a proposta tem a ver com a responsabilidade mais conhecida de um banco central. Isto é, a de emitir e controlar a circulação de moeda, para garantir estabilidade econômica. É justamente isso o que o órgão não tem conseguido fazer, já que o país enfrenta um prolongado histórico de hiperinflação e crises econômicas.
O presidente eleito também prevê a substituição da moeda argentina, o peso, pelo dólar dos Estados Unidos. Hoje um dólar vale quase 1.000 pesos no câmbio paralelo. Assim, não haverá mais um órgão decidindo a cada 45 dias sobre o que acontece com os juros, como ocorre atualmente no Brasil.
A Argentina ficaria dependente da política monetária do Federal Reserve, ou Fed, a autoridade monetária dos EUA.
Milei promete que a Argentina teria uma inflação similar à de países desenvolvidos a partir de 2025. A afirmação é música para os ouvidos num país em que, nos últimos 12 meses, a inflação atingiu 142,7%. O dado é do órgão de estatísticas local, Indec.
Embora surpreendente, a possível guinada do Banco Central da Argentina não seria um caso isolado. De acordo com o órgão independente de dados World Population Review, ao menos 10 nações também não dispõem de uma autoridade monetária.
Entre os países que não têm Banco Central estão Andorra, Kiribati, Ilhas Marshall e Mônaco, mas nenhum deles têm dimensões como as da Argentina, que apesar da prolongada crise econômica das últimas décadas, é membro do G20, grupo das maiores economias do mundo.
Um dos entraves de Milei é o elevado gasto público. Hoje, o governo argentino se vale da inflação para custear seu elevado gasto público. Se não mais tiver um Banco Central que emite moeda, esse recurso desaparece. Em termos práticos, o governo não poderá mais ter déficit público.
Milei prometeu tirar as contas públicas do vermelho, o que significará cortar gastos da ordem de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) argentino, ou US$ 90 bilhões. Uma quantia tão grande de recursos fora da economia representaria um enorme baque para o país, segundo economistas.
Pelos cálculos do economista Roberto Luis Troster, para o presidente eleito conseguir executar seu plano com sucesso, precisaria atrair para o país cerca de US$ 50 bilhões. Um possível caminho seria uma forte retomada da economia global, junto com a melhora das condições climáticas, que permitisse ao país, grande produtor de commodities agrícolas, atrair mais recursos por meio das exportações.
Embora ainda não pareça factível num cenário breve, a ideia de mundo sem BC de Milei pode ter impactos positivos, inclusive para o Brasil, se for bem sucedida, dizem os economistas.
Com a derrocada econômica, a Argentina, outrora a maior parceira comercial do país, também vem ficando para trás nos fluxos de comércio. Segundo o Siscomex, órgão do Ministério da Indústria e Comércio Exterior, a fatia argentina nas exportações brasileiras caiu de 8% para 4,6% na última década.